Capítulo 4 – As Feridas do Passado

O sol já se erguia alto sobre Vallentina, mas dentro da mansão Moretti o ambiente permanecia frio, como se as paredes guardassem histórias que o tempo se recusava a apagar.

Isabella caminhava pelo corredor dos retratos, a cada passo sentindo o peso dos olhos pintados que a observavam. Eram ancestrais que ela mal conhecia, mas que pareciam julgá-la em silêncio. Aqueles rostos rígidos lembravam constantemente o que Don Marco lhe dissera: “algumas verdades são perigosas demais para serem ditas”.

Mas Isabella nunca fora do tipo que aceitava o silêncio como resposta.

Ela parou diante de um quadro em especial: dois homens lado a lado, jovens, bem vestidos, ambos com o mesmo ar de imponência. Reconheceu de imediato o sobrenome Castellani gravado na pequena placa dourada logo abaixo. Estremeceu.

Por que haveria um Castellani em exposição na mansão Moretti?

— Eu me perguntava quando você descobriria — disse uma voz masculina atrás dela.

Isabella se virou rápido, o coração disparando. Era Lorenzo. Como sempre, impecável em seu terno, olhar penetrante, sorriso provocador.

— O que significa esse quadro? — ela perguntou, a voz firme apesar do nervosismo.

Lorenzo caminhou devagar até ficar ao lado dela, tão perto que o perfume amadeirado dele a envolveu. Ele manteve o olhar fixo na pintura.

— Significa que, muito antes de você nascer, Moretti e Castellani já foram aliados. — A voz dele tinha uma estranha mistura de orgulho e ressentimento. — Amigos inseparáveis, sócios, quase irmãos. Até que a ambição os separou.

Isabella sentiu um arrepio percorrer sua pele.

— Ambição?

Lorenzo virou o rosto para encará-la, os olhos queimando em intensidade.

— O pai do seu pai roubou algo do meu avô. E desde então, sangue e vingança se tornaram herança entre nós.

Ela franziu o cenho, confusa.

— O que foi roubado?

Ele se aproximou mais, quase encostando os lábios na orelha dela, e sussurrou:

— Tudo. Dinheiro, terras, influência… e até o amor de uma mulher.

Isabella recuou um passo, surpresa.

— Está dizendo que…

— Estou dizendo que o ódio entre nossas famílias não nasceu de negócios, Isabella. — Ele a fitou intensamente. — Nasceu de traição.

As palavras pesaram no ar como um veneno doce. Isabella sentiu o coração acelerar, dividida entre a curiosidade e o perigo de ouvir mais.

— Você fala como se acreditasse que essa guerra ainda tivesse sentido — retrucou ela, tentando manter a distância.

Lorenzo deu um passo adiante, diminuindo novamente o espaço entre eles.

— E não tem? — A voz dele era baixa, carregada de desafio. — Olhe ao seu redor, Isabella. Sua própria presença aqui é um lembrete do quanto você nunca terá liberdade.

Isabella ergueu o queixo, determinada.

— Eu não sou prisioneira de sobrenomes.

O sorriso dele se abriu, lento, quase perigoso.

— Então prove.

Ela estremeceu, não pelo medo, mas pela tensão que crescia entre eles. Os olhos dele a percorreram, demorados, como se a despisse com um simples olhar. Isabella tentou se controlar, mas a respiração ficou mais pesada.

Lorenzo inclinou-se, tão próximo que os lábios quase roçaram nos dela. Ela fechou os olhos por um instante, sentindo o calor, o desejo proibido, o abismo que os separava.

— Isso nunca deveria acontecer — murmurou ela, num sussurro frágil.

Ele sorriu, os lábios perigosamente próximos.

— Justamente por isso, Isabella… vai acontecer.

Mas, antes que pudesse beijá-la, um som ecoou pelo corredor. Passos firmes. Isabella recuou de imediato, o rosto em chamas, enquanto Lorenzo endireitou o corpo como se nada tivesse acontecido.

Era Don Marco, que se aproximava com expressão severa. Seus olhos estreitaram-se ao perceber os dois juntos.

— Lorenzo — disse em tom ríspido. — Acho que já se demorou demais nesta casa.

Lorenzo apenas sorriu, lançando um último olhar a Isabella, carregado de promessa e provocação.

— Até breve, Isabella. — E se afastou, deixando-a com o coração em guerra.

Naquela noite, sozinha em seu quarto, Isabella não conseguiu dormir. As palavras dele ecoavam sem parar: “traíram o meu avô… roubaram até o amor de uma mulher”.

Ela sabia que havia um segredo enterrado ali. Algo que explicava a rivalidade, mas também a atração inevitável que sentia por ele.

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