Dizem que o silêncio é cúmplice de muitas verdades — e, naquela semana, ele se tornara meu maior inimigo.
Desde o dia em que Lupita deixara minha galeria, levando consigo aquele olhar que atravessara minhas defesas, tudo parecia fora do lugar.
As flores na varanda já não tinham cor, os quadros da sala pareciam distantes, e até a voz de Hamilton soava abafada por um ruído que não vinha de fora… mas de dentro.
Era o som do meu coração tentando se convencer de que aquilo não passava de um devaneio.
Mas não era.
Na quarta-feira seguinte, ela apareceu para o almoço habitual. Trazia os cabelos soltos e um vestido verde-oliva que realçava a pele clara.
Sua presença preencheu cada canto da casa como um perfume forte e doce demais para ser ignorado. Fingi naturalidade — ou pelo menos tentei.
— Que bom que veio — disse eu, com um sorriso treinado. — Hamilton vai se atrasar, está preso em uma reunião.
— Então ficaremos só nós duas? — perguntou ela, com uma expressão que poderia ser inocente… ou não.
— Sim. Só nós duas.
Cozinhei algo simples — salmão com ervas, salada e vinho branco. Conversamos sobre trivialidades: arte contemporânea, viagens, o futuro da galeria.
Cada palavra era cuidadosamente escolhida, como se ambas temessem pisar em terreno minado.
Mas o silêncio entre as frases… esse dizia tudo.
Em determinado momento, nossas mãos se tocaram ao mesmo tempo no frasco de azeite. Foi um segundo, talvez menos, mas meu corpo reagiu como se tivesse sido incendiado.
Ela também pareceu sentir — seus olhos se ergueram até os meus, e por um instante inteiro, ficamos presas naquela troca muda.
— Diane…
— começou ela, num tom diferente, quase frágil.
— Você tem estado… estranha.
— Estranha? — perguntei, forçando um riso.
— O que quer dizer com isso?
— Não sei. Como se estivesse escondendo alguma coisa. Ou… sentindo alguma coisa.
O mundo pareceu parar. O relógio da cozinha silenciou, o vento lá fora sumiu, e tudo o que restava era o som do meu coração descompassado.
Eu poderia mentir. Eu deveria mentir.
Mas em vez disso, desviei o olhar e murmurei:
— Talvez eu esteja mesmo.
Ela não respondeu. Apenas ficou ali, observando-me em silêncio, como se tentasse decifrar cada camada do que eu não dizia. E, naquele instante, percebi que ela já sabia. Talvez sempre soubera.
Nos dias que se seguiram, Lupita passou a evitar-me. As visitas diminuíram, as mensagens rarearam. Quando vinha à casa, fazia questão de manter uma distância segura, e seus olhos, antes cheios de provocações silenciosas, agora fugiam dos meus.
Era o certo. Era o que eu deveria desejar.
Mas a ausência dela me corroía como uma febre.
Certa tarde, não resisti e fui até a livraria onde ela trabalhava temporariamente enquanto decidia o rumo de sua carreira.
Ela estava de costas, organizando livros em uma prateleira alta. Por um momento, fiquei apenas observando-a — o modo como se esticava para alcançar o último volume, a naturalidade dos movimentos.
Era a imagem mais bela e dolorosa que já vi.
— Diane? — Sua voz me arrancou do transe.
— Desculpe aparecer sem avisar…
— murmurei. — Precisava te ver.
Houve um silêncio tenso. Ela colocou o livro no lugar e virou-se devagar.
— Por quê?
— Porque sinto sua falta — respondi sem pensar.
Lupita suspirou, como quem luta contra algo maior que a própria vontade.
— Isso não pode acontecer. Você sabe disso.
— Sei. — dei um passo à frente.
— Mas isso não muda o que sinto.
Seus olhos brilharam, mas ela recuou.
— Meu pai confia em você. Ele… ele te ama.
— E eu o amo — respondi com sinceridade.
— Mas amar alguém não nos impede de sentir algo por outra pessoa.
Ela riu, um riso nervoso, quase desesperado.
— Isso é loucura.
— Talvez seja. — dei mais um passo.
— Mas é real. E negar não vai fazê-lo desaparecer.
O silêncio voltou a se instalar entre nós. Ela me olhou por longos segundos, como se procurasse em meu rosto um motivo para odiar-me e, ao mesmo tempo, uma razão para se entregar.
Mas, no fim, apenas balançou a cabeça.
— Preciso de tempo — disse, antes de sair da livraria sem olhar para trás.
Os dias seguintes foram um tormento. Hamilton continuava alheio, imerso em seus casos e audiências, e eu seguia ao seu lado com o coração ausente.
Cada palavra que ele dizia soava distante. Cada toque, vazio.
E, ainda assim, a culpa me esmagava.
“Você está traindo a confiança dele”, sussurrava minha consciência.
“Não fiz nada”, respondia eu.
“Mas deseja fazer.”
Era verdade. Eu não havia cruzado a linha — ainda. Mas desejava, com cada célula do meu corpo, atravessá-la.
E esse desejo me destruía.
Na semana seguinte, recebi um convite inesperado: uma mensagem curta de Lupita, dizendo que queria conversar. Pediu que nos encontrássemos no Jardin du Luxembourg ao entardecer.
Passei o dia inteiro com o estômago em nós, os pensamentos em espiral.
Quando a vi, sentada em um banco sob as árvores douradas pelo outono, senti que cada passo que dava em sua direção era também um passo rumo ao abismo.
— Obrigada por vir — disse ela, sem me olhar.
— Eu viria mesmo que não pedisse.
Ela sorriu de leve, depois respirou fundo.
— Tenho pensado muito. Sobre nós. Sobre isso.
— E? — minha voz era quase um sussurro.
— Eu não escolhi sentir nada disso, Diane. E, por mais que tente… não consigo deixar de sentir.
O mundo parou. Por um instante, nada existia além daquelas palavras.
— Então não lute — sussurrei. — Não agora.
— Não posso prometer nada.
Mas não quero fugir mais.
E foi ali, no meio de um parque silencioso, sob um céu cor de fogo, que compreendi que o jogo do silêncio havia terminado.
Já não éramos duas mulheres tentando negar o impossível — éramos duas almas prestes a desmoronar juntas.
O desejo, agora, tinha nome e rosto. E era tarde demais para fugir dele.
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Atualizado até capítulo 61
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