O sol mal havia subido no horizonte quando acordei, ainda tomada pelas lembranças do encontro no palácio. A aposta com meu pai chegava ao fim naquele dia, e com ela, o primeiro verdadeiro teste para mudar o destino de Rafta.
Durante toda a semana não vi Michael, e o vazio dessa ausência pesou mais do que eu gostaria de admitir. No café da manhã, a cadeira dele permaneceu vazia, como se o destino tivesse decidido adiar nosso confronto até o último instante. Engoli o pão e o chá rapidamente, sem saborear nada — a ansiedade já preenchia meu estômago.
Pouco depois, segui para o campo de treinamento. O vento carregava o cheiro da terra molhada da noite anterior, e os pássaros ainda cantavam ao longe, indiferentes ao que estava prestes a acontecer. Ali, vi Michael já se alongando. Meu coração acelerou. Havia tanto que eu queria lhe contar... mas se revelasse meu segredo agora, poderia mudar o equilíbrio que precisava manter.
Minha mãe estava sentada em uma cadeira, frágil, mas com o olhar doce e expectante. Meu pai conversava em voz baixa com Harry, como dois generais avaliando um campo de batalha antes da guerra.
Calma, Kate. Respirei fundo. O futuro de Rafta depende de mim. Se eu perder aqui, nunca saberei se outra oportunidade surgirá.
Michael ergueu os olhos para mim, suados do aquecimento, e soltou a primeira provocação depois de dias de silêncio:
— Pensei que tivesse desistido.
Sorri de lado, tentando disfarçar o turbilhão que me corroía por dentro.
— Vai lutar de barriga vazia? — retruquei, afiada como uma lâmina. — Não use isso como desculpa quando eu te derrotar.
Ele arqueou uma sobrancelha, pegando a garrafa de água para beber um gole.
— Comi no quarto. E, para sua informação, continuarei como comandante.
— Não se eu puder impedir.
Antes que a tensão se tornasse insuportável, Harry se adiantou, a voz firme ressoando pelo campo.
— Chega de conversa. Agora que terminaram de se alongar, peguem suas espadas de madeira. Não queremos feridos de verdade. — Seus olhos percorriam nós dois, atentos a cada detalhe. — Para vencer, será preciso tirar o oponente do círculo ou deixá-lo impotente por cinco segundos.
Meu pai, com expressão séria, acrescentou em tom de aviso:
— Kate, essa é sua última chance de desistir, querida.
Olhei para ele e sorri. Não com insolência, mas com a confiança silenciosa de quem sabe que precisa vencer para salvar aqueles que ama. Segurei firme a espada de madeira e me posicionei. Michael fez o mesmo, assumindo a postura de um verdadeiro duelista.
— Tudo pronto? — Harry perguntou, e nós dois assentimos.
— Valendo!
Michael avançou como um raio, tentando me surpreender. Eu já o conhecia: força bruta, ataques diretos, pouca paciência para jogos mentais. Bloqueei o primeiro golpe com firmeza e deslizei para o lado, evitando ser empurrada para trás.
Ele não vai tentar me ferir... vai tentar me derrubar para fora da arena.
E eu usaria isso contra ele.
Fingi falta de força nos braços, recuando a cada investida, deixando-o acreditar que estava dominando. Meus pés se moviam com leveza, deslizando sobre a areia, mantendo-me sempre dentro do círculo.
Michael atacava com intensidade, a madeira da espada ecoando no ar a cada golpe desferido. O público restrito — nossos pais, Julie, alguns guardas — assistia em silêncio absoluto, como se até a respiração pudesse decidir o vencedor.
— Vamos, Kate! — ele me provocou, frustrado com minhas esquivas. — Lute de verdade!
Sorri, arqueando uma sobrancelha.
— Quem disse que não estou lutando?
Continuei desviando, medindo sua energia. E percebi: seus ataques estavam se tornando menos firmes, os ombros relaxando, a guarda abaixando. Michael subestima a própria irmã.
Quando nos aproximamos da beirada da arena, aproveitei. Fingi mais uma vez ceder, até que vi a abertura. Endureci a postura, reuni a força dos braços e ataquei de frente. O choque foi forte o suficiente para quebrar seu equilíbrio.
— O quê?!
Ele tropeçou, tentando se recuperar, mas eu já havia girado meu corpo e, com um movimento certeiro, empurrei-o para fora do círculo. A queda levantou poeira e arrancou um suspiro coletivo da plateia.
Michael me olhou do chão, atônito. Eu respirava ofegante, suada, mas com os olhos fixos em Harry. O capitão manteve a expressão neutra, mas declarou em tom firme:
— Kate Elise Axen é a vencedora do duelo e a nova comandante do exército Ducal.
Meu pai apertou a mão de minha mãe, e em seus olhos vi o brilho de orgulho que eu tanto ansiava.
Michael se levantou, batendo a poeira do uniforme, e caminhou até mim.
— Parabéns. — Sorriu, mesmo cansado. — Não devia ter abaixado a guarda. Esse foi meu erro.
Apoiei a espada no ombro e tentei recuperar o fôlego.
— Tudo bem... Pelo menos agora tem uma preocupação a menos como herdeiro do ducado. — Brinquei, mesmo exausta.
Ele riu, um pouco sem graça.
— Já estou acostumado. Mas e você? Vai aguentar essa nova responsabilidade?
Olhei para o nada por alguns segundos, como se buscasse no céu uma resposta.
— Me garanto na burocracia... e sei que tenho o melhor irmão para me apoiar nos momentos mais difíceis.
Michael suspirou, e um sorriso frouxo surgiu em seu rosto. Ele estendeu a mão, firme.
— Vamos?
Segurei sua mão sem hesitar.
— Vamos.
E caminhamos lado a lado até nossos pais, o peso da vitória misturado ao calor de um futuro que, finalmente, começava a mudar.
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Atualizado até capítulo 35
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