O sol ainda nem tinha nascido completamente, mas eu já estava acordada. Sempre acordo cedo. Não porque gosto, mas porque sei que, se não fizer as coisas da casa antes que a tia Helena desça, minha vida se tornará ainda mais difícil.
Meu nome é **Isabella Romano**… e, bem, acho que vocês já sabem um pouco de mim. Sou aquela que vive em silêncio, com o coração cheio de sonhos que só ouso guardar dentro de mim. Hoje não parecia ser um dia diferente. Ou pelo menos… era o que eu pensava.
Me levantei devagar, minhas pernas ainda um pouco fracas do dia anterior. O quarto é pequeno, abafado, com paredes descascadas. Não existe conforto ali. Apenas uma cama dura, um cobertor gasto e uma janela que quase nunca abre direito. Acordo, respiro fundo e começo a arrumar a pequena cama. É um hábito que criei sozinha, porque sei que ninguém faria isso por mim.
Caminhei até a cozinha e comecei a preparar o café da manhã. O barulho da chaleira era o único som na casa ainda adormecida. Coloquei pão na mesa, arrumei frutas que sobraram do mercado… sempre o suficiente para eles, mas nunca para mim. Eu como apenas o que sobra. Sempre sobra pouco.
Enquanto cortava algumas fatias de queijo, ouvi passos. Reconheceria aquele salto em qualquer lugar. **Valentina**. Minha prima. A mulher que me odeia como se eu tivesse roubado algo dela, mesmo sem nunca ter nada.
— Já acordada, ratinha? — a voz dela ecoou com aquele tom venenoso. — Que dedicação para alguém que não é nada nesta casa.
— B-bom dia… Valentina… — murmurei, tentando manter a calma.
Ela se aproximou, com aquele perfume forte e roupas luxuosas. Seus olhos me fitaram com ódio.
— Você me irrita só de existir, Isabella. — Ela bateu forte com a mão na mesa. — Olha essa cara de sonsa… sempre com esse ar inocente, como se fosse melhor que todo mundo. Você não passa de um peso morto que meus pais tiveram a infelicidade de abrigar.
Tentei abaixar a cabeça, continuar mexendo nas coisas, mas não deu tempo. Valentina segurou meu braço com força, as unhas cravando na minha pele. Eu arfei de dor.
— P-por favor… me solta…
— Não! — ela riu, cruel. — Você precisa aprender seu lugar.
E então começou. Os tapas vieram primeiro. Depois empurrões. Quando percebi, já estava caída no chão da cozinha, com ela chutando minhas costelas. A dor me atravessava, mas o que mais doía era o desprezo nos olhos dela.
— Você é um nada, Isabella! — gritou. — Nada! Nunca será ninguém!
Enquanto eu encolhia no chão, sentindo o gosto metálico do sangue na boca, só conseguia pensar em uma coisa: *Por que eu? O que eu fiz para merecer tanto ódio?*
Mas, mesmo assim, em meio às lágrimas, eu ainda pensava em **Aurora**. Minha amiga, minha irmã de coração. Ela sempre dizia que eu era mais forte do que imaginava. Talvez… talvez um dia ela estivesse certa. Mas, naquele momento, só conseguia aguentar calada.
Valentina, ofegante, largou-me por fim, ajeitando o cabelo diante do espelho da sala como se nada tivesse acontecido. Eu continuei no chão, tentando controlar a respiração, o corpo inteiro latejando.
*(Pensamento de Valentina)*
“Um dia essa idiota vai desaparecer. E quando isso acontecer, ninguém vai sentir falta. Todos verão que eu, Valentina Moretti, sou a verdadeira estrela. Isabella é só uma sombra que precisa sumir.”
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### Em Outro Lugar da Itália…
O contraste era gritante. Enquanto Isabella vivia presa naquele ciclo de dor, em uma imensa mansão afastada, a família **De Luca** iniciava mais um dia.
A sede da família era majestosa. Lustres de cristal, corredores de mármore, segurança armada em cada canto. Ali, a rotina não era simples; era a rotina de um império.
**Lorenzo De Luca** descia as escadas, impecável em seu terno negro. Frio, com olhar afiado, parecia carregar nos ombros o peso de centenas de inimigos — e o poder de esmagar cada um deles.
*(Pensamento de Lorenzo)*
“Mais um dia. Mais sangue para ser derramado. Mais negócios para fechar. Esse é o preço de comandar metade da Itália. E quem ousa duvidar… acaba morto.”
Na sala de jantar, **Matheo**, o irmão mais novo, já estava sentado, bebendo café. Diferente de Lorenzo, tinha um sorriso debochado, o tipo de charme perigoso que atraía mulheres e irritava rivais.
— Dormiu bem, irmão? — perguntou ele, arqueando uma sobrancelha.
— Durmo o suficiente. — Lorenzo respondeu friamente. — Quando se tem inimigos, dormir demais é fraqueza.
Pouco depois, seus pais chegaram. **Antônio De Luca**, o patriarca, emanava respeito e temor. Já **Isabel De Luca**, elegante e imponente, parecia a própria rainha do império.
— Meus filhos. — Antônio falou em tom firme. — Hoje temos reunião no conselho. Os velhos querem discutir territórios e… dívidas.
Lorenzo levantou os olhos da xícara de café.
— Dívidas? De quem?
— Haverá explicações — disse Antônio, sem entrar em detalhes. — Apenas estejam preparados.
Isabel ajeitou os cabelos e sorriu, como sempre segura de si.
— Vocês nasceram para comandar. Lembrem-se: nada é mais importante que a família.
*(Pensamento de Isabel De Luca)*
“Meus meninos. Um dia quero vê-los casados, com filhos, fortalecendo ainda mais nosso nome. Lorenzo merece uma rainha à altura… mas nenhuma daquelas aproveitadoras que vivem atrás dele.”
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### Sala do Conselho
Mais tarde, o salão do conselho estava lotado. Chefes de máfias menores, conselheiros antigos, aliados e rivais… todos reunidos em torno da grande mesa de carvalho. O clima era denso, cheio de olhares desconfiados.
Lorenzo entrou com passos firmes, Matheo logo atrás. Os murmúrios cessaram. O “Demônio de Luca” estava ali.
— Vamos começar. — Lorenzo falou, com voz gelada. — Digam logo o que é tão urgente.
Um dos conselheiros pigarreou.
— Há um assunto pendente. Uma dívida antiga… que precisa ser cobrada.
Lorenzo arqueou a sobrancelha.
— Dívida? Quem deve?
O conselheiro olhou para os lados e respondeu:
— **Alberto Moretti**.
Silêncio. O nome ecoou pelo salão como uma sentença.
*(Pensamento de Lorenzo)*
“Alberto Moretti… não conheço esse verme. Mas se deve aos De Luca, ele vai pagar. De um jeito ou de outro.”
O conselheiro, então, pegou o telefone e discou um número.
— Senhor Moretti, preciso que compareça à sede do conselho imediatamente. — disse, em tom firme. — Assuntos importantes precisam ser tratados.
Do outro lado da linha, **Alberto Moretti** ficou em choque. O suor escorria pela testa.
— M-mas… eu… não entendo… por quê?
— Apenas venha. — a voz do conselheiro foi cortante. — É uma ordem.
*(Pensamento de Alberto)*
“Maldição! Eles descobriram? É por causa do dinheiro? Se for… estou acabado. Não tenho como pagar… e se eles descobrirem que entreguei Isabella como moeda de troca, minha vida está condenada.”
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Enquanto isso, no outro lado da cidade, Isabella ainda se recuperava dos hematomas deixados pela fúria de Valentina. O corpo doía, mas a alma doía mais.
E sem saber… seu destino já começava a se entrelaçar com o de **Lorenzo De Luca**, o homem que todos chamavam de **Demônio**.
Um encontro inevitável.
Um choque de mundos.
E nada seria como antes.
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Ainda sentia meus ossos arderem quando ouvi um leve bater na porta do quarto. Eu sabia quem era. Apenas uma pessoa nessa casa ousava vir até mim sem me olhar como um fardo: **Aurora**.
A porta se abriu devagar, e lá estava ela, com seus olhos doces e aquele sorriso pequeno que sempre parecia trazer luz para o meu mundo sombrio.
— Isabella… — sussurrou, ao me ver sentada na beira da cama, tentando esconder os braços cobertos de marcas. — De novo?
Baixei a cabeça. Não queria que ela visse o quanto eu estava machucada. Mas Aurora não se enganava fácil.
Ela se aproximou, sentou ao meu lado e pegou minha mão com delicadeza.
— Você não precisa esconder de mim. — murmurou. — Eu sou sua irmã, lembra? Mesmo que não de sangue.
As lágrimas que eu tentava segurar escorreram.
— Aurora… eu não aguento mais… dói tanto… não só no corpo, mas aqui. — levei a mão ao peito. — É como se eu fosse invisível para todos, como se não valesse nada.
Aurora me puxou para um abraço apertado, e naquele momento senti que ainda havia alguém no mundo que me enxergava.
— Você vale tudo para mim. — disse, firme. — E um dia… um dia tudo isso vai mudar, Isabella. Eu prometo.
*(Pensamento de Aurora)*
“Se eu pudesse, acabaria com o mundo para salvar você, minha pequena. Mas um dia… um dia vamos sair dessa. E ninguém nunca mais vai tocar em você desse jeito.”
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### De volta ao Conselho
Enquanto isso, do outro lado da Itália, a atmosfera na sala do conselho só ficava mais pesada.
Pouco tempo depois da ligação, **Alberto Moretti** entrou. Suor escorria em sua testa, e as mãos tremiam. Ele sabia que estava entrando no covil dos leões.
Na cabeceira da mesa, **Antônio De Luca** o observava em silêncio. Ao lado, **Lorenzo** encarava como se estivesse medindo o valor de sua vida apenas pelo olhar. E **Matheo**, recostado na cadeira, sorria de forma debochada, como se aquilo fosse apenas diversão.
— Senhor Moretti. — começou Antônio, com voz grave. — Sente-se.
Alberto obedeceu, quase tropeçando na própria cadeira.
— O senhor sabe por que está aqui? — perguntou Antônio.
— N-não… não sei, senhor…
Lorenzo soltou um riso seco, gelado.
— Não sabe? Estranho. Geralmente, quem deve, sabe.
Alberto engoliu em seco.
— E-eu… não… não entendo…
Foi então que o conselheiro bateu um maço de papéis na mesa.
— Dívidas. Dinheiro não pago. Favores não honrados. Seu nome está aqui, Moretti. E quando se deve à família De Luca… não existe esquecimento.
*(Pensamento de Lorenzo)*
“Covarde. Dá para ver nos olhos dele. O tipo de homem que se esconde atrás da própria família quando o perigo chega. Esses são os que eu mais desprezo.”
Antônio inclinou-se para frente.
— Vou ser claro, Alberto. Ou paga… ou paga. Não existe outra opção.
O Moretti tremia. Sua mente fervilhava.
*(Pensamento de Alberto)*
“Eu não tenho esse dinheiro… não tenho nada! Se eu contar que entreguei Isabella como moeda de troca… eles vão me matar. Mas se eu não pagar… vão matar do mesmo jeito. Maldição! O que eu faço?”
Ele tentou se recompor.
— S-senhor De Luca, eu… preciso de tempo. Só um pouco de tempo. Eu vou pagar, eu juro.
Lorenzo bateu a mão na mesa, o som ecoando pela sala.
— Tempo é o luxo dos fracos. E nós não temos paciência para promessas vazias.
Matheo riu.
— Se fosse eu, irmão, já teria cortado a língua dele.
O ar ficou mais denso. Todos observavam, aguardando o veredito dos De Luca.
Antônio olhou para Lorenzo, como se desse a ele a chance de decidir. Lorenzo cruzou os braços e encarou Alberto diretamente.
— Vou dar a você… uma chance. — disse, frio. — Mas apenas porque não quero sujar este salão com o sangue de um inútil como você.
Alberto respirou fundo, como se tivesse voltado à vida.
— O-obrigado, senhor… o-obrigado!
— Não me agradeça. — Lorenzo retrucou. — Apenas me prove que pode pagar. E rápido. Se não… — ele fez um gesto simples, passando o dedo pela garganta. — Entendeu?
Alberto assentiu freneticamente, mas por dentro estava desesperado.
*(Pensamento de Alberto)*
“Estou acabado. Não importa o que eu faça, estou acabado. Mas… e se… e se Isabella…?”
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### Isabella e Aurora
Enquanto isso, no silêncio do quarto pequeno, Aurora ainda me abraçava.
— Vai ficar tudo bem, Isa. — dizia ela. — Um dia tudo vai mudar.
Eu queria acreditar. Queria mesmo. Mas a cada dor, a cada humilhação, parecia impossível. Ainda assim, no fundo do coração, uma chama insistia em não apagar.
*(Pensamento de Isabella)*
“E se um dia eu puder sair daqui? E se houver alguém… em algum lugar… que possa me enxergar diferente?”
Mal sabia eu que, naquele exato momento, meu destino estava sendo decidido por homens que jamais imaginei conhecer. Homens cujo poder podia esmagar qualquer um… inclusive minha família.
E o nome **De Luca**… logo, muito em breve, cruzaria meu caminho.
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Atualizado até capítulo 45
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