O Acordo

Os dias que antecederam o baile passaram lentamente para Helena. A cada manhã, ela se via diante do espelho, tentando se convencer de que aquela decisão havia sido apenas estratégica. Contratar Gabriel não era uma aventura, nem um capricho. Era uma forma de proteção contra os olhares de uma sociedade que a julgava sem piedade.

Ainda assim, algo dentro dela se inquietava.

Na quinta-feira, dois dias após o primeiro encontro, marcou uma reunião com Gabriel em um café reservado no Itaim. Queria discutir os detalhes: como se apresentariam, como responderiam às perguntas inevitáveis, que história contariam. Tudo precisava ser cuidadosamente ensaiado.

Quando chegou ao local, Gabriel já a esperava. Sentado em uma mesa discreta, lia um jornal dobrado, como se fosse um cliente comum. Ao notar sua aproximação, levantou-se imediatamente e puxou a cadeira para ela. O gesto simples, mas cheio de cortesia, a surpreendeu.

— Boa tarde, senhora Duarte. — disse ele, com aquele tom de voz baixo e seguro.

— Pode me chamar de Helena. — ela respondeu, tentando soar natural. — Afinal, estaremos juntos em público.

Um leve sorriso se desenhou nos lábios dele.

— Como preferir, Helena.

Sentaram-se. O garçom trouxe dois cafés, e por alguns minutos ficaram em silêncio, apenas observando o movimento discreto do lugar. Helena percebeu que Gabriel não tinha pressa em preencher os espaços vazios com palavras desnecessárias. Ele esperava, atento, até que ela estivesse pronta para falar.

— Quero definir os detalhes do baile. — começou ela, abrindo uma pequena pasta com anotações. — A imprensa vai especular sobre você. Preciso que nossa história seja convincente.

— Concordo. — respondeu ele, inclinando-se ligeiramente para frente. — Prefere que eu seja apresentado como alguém de negócios, um investidor, talvez?

Helena refletiu.

— Não. Isso chamaria ainda mais atenção. Melhor algo simples, mas plausível. Um advogado, talvez.

Gabriel assentiu, como se a simplicidade fosse, de fato, a melhor arma.

— Então serei advogado. Discreto, mas de postura firme.

Ela anotou.

— Também precisamos combinar como nos conhecemos.

Por um instante, Helena quase riu da situação absurda. Estava ali, numa tarde qualquer, ensaiando um relacionamento fictício com um desconhecido. Mas, quando ergueu os olhos e encontrou o olhar sereno de Gabriel, o riso desapareceu. Ele levava aquilo tão a sério quanto ela.

— Podemos dizer que fomos apresentados em comum por amigos, em um jantar. — sugeriu ele. — É simples, natural e difícil de contestar.

— Concordo. — Helena fechou a pasta. — Você pensa rápido.

Ele deu de ombros.

— Meu trabalho exige isso. Mas quero que saiba: embora seja um contrato, minha prioridade é fazer com que você se sinta confortável.

As palavras soaram mais verdadeiras do que ela esperava.

Por alguns segundos, Helena se permitiu observá-lo em silêncio. Gabriel não tinha apenas a postura de um homem acostumado a se mover entre diferentes ambientes; havia nele algo genuíno, uma calma que não parecia encenação. Era como se estivesse ali para sustentá-la, e não apenas para cumprir uma função.

— Confesso que nunca imaginei me ver nessa situação. — ela murmurou, quase para si mesma.

— Nenhuma das pessoas que conheci imaginou. — respondeu ele com suavidade. — Mas às vezes, Helena, precisamos de alguém que segure nossa mão mesmo que seja apenas por uma noite.

A frase ficou ecoando em sua mente.

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Nos dias seguintes, prepararam-se para o baile como dois atores ensaiando uma peça. Helena cuidava dos detalhes do vestido — um modelo azul profundo de seda, feito sob medida — e organizava sua equipe de assessoria. Gabriel, por sua vez, memorizava as informações básicas que precisariam sustentar a farsa: seu suposto escritório de advocacia, o nome de “amigos em comum”, a naturalidade de quem acompanha uma parceira de longa data.

Mas, apesar de todo o planejamento, havia algo impossível de ensaiar: a forma como Helena se sentia cada vez que trocava olhares com ele. Não era paixão súbita, nem atração irresistível. Era outra coisa, mais difícil de definir: a sensação de ser vista, ouvida, compreendida.

Na sexta-feira à noite, na véspera do baile, Gabriel foi até o apartamento dela para um último alinhamento. Helena abriu a porta e o encontrou vestido casualmente, mas ainda impecável: calça escura, camisa clara, mangas dobradas. Trazia um ar de tranquilidade que contrastava com a tensão dela.

— Você parece nervosa. — disse ele, ao notar suas mãos inquietas.

— Claro que estou. — admitiu Helena, sem máscaras. — Esse baile é… mais do que uma festa. É a vitrine da minha vida.

Gabriel caminhou até a janela, observando as luzes da cidade.

— E você tem medo do que vão dizer.

Ela riu, amarga.

— Não do que vão dizer. Isso já estou acostumada. O que me incomoda é o que vão pensar. O julgamento silencioso.

Gabriel a olhou de lado, os olhos fixos nela.

— O silêncio pode ser ensurdecedor. Mas lembre-se: não importa o que eles pensem, o que importa é como você escolhe caminhar nesse salão.

Helena respirou fundo. Nunca ouvira alguém falar com tanta simplicidade sobre algo que a consumia havia meses.

— Obrigada. — disse, em voz baixa.

Ele apenas sorriu, como se não precisasse de mais nada.

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Naquela noite, depois que ele foi embora, Helena ficou sozinha no apartamento, encarando o vestido pendurado em seu closet. O azul profundo parecia refletir não apenas elegância, mas coragem.

Pela primeira vez, não se sentia completamente vulnerável diante do que estava por vir. Tinha um aliado. Mesmo que fosse apenas por contrato, Gabriel parecia disposto a dar-lhe algo que dinheiro nenhum comprava: dignidade.

Ao se deitar, pensou em sua mãe. O quanto ela se orgulharia de vê-la conduzindo o Instituto Duarte. O quanto ficaria triste em saber da solidão que a filha carregava.

Mas, naquela noite, Helena adormeceu com uma sensação diferente. Pela primeira vez desde o divórcio, não sentiu apenas medo. Sentiu expectativa.

O baile ainda não havia acontecido, mas dentro dela algo já havia mudado.

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