O REI NAS SOMBRAS

A Cela era fria, úmida, e cheirava a ferrugem misturada ao suor de homens que nunca conheceram a liberdade. Mas Vittorio Mancini não parecia se incomodar. Sentado na cama de concreto, ajeitava os punhos da camisa como se estivesse em um hotel de luxo, não em uma penitenciária de segurança máxima.

O sorriso ainda estava em seus lábios. Para ele, a sentença não passava de encenação. Justiça? Uma palavra bonita, usada por quem acreditava em regras. Mancini não acreditava em regras. Apenas em poder.

Horas antes, quando o martelo da juíza Helena bateu, ele já sabia como tudo aconteceria. Era apenas questão de tempo até que as grades se abrissem. O que a mulher não entendia é que ele não era o prisioneiro. Ela era.

Um guarda abriu a janelinha da porta de ferro.

— Telefone, Mancini. Cinco minutos.

Ele se levantou com calma e caminhou até a sala reservada. Pegou o fone, o metal frio contra a pele. Do outro lado da linha, uma voz grave respondeu:

— Estamos prontos.

— Quero que mandem flores para o enterro — disse Mancini, com a calma de quem escolhe um vinho. — Com um cartão. Algo simples… “Com os pêsames, Vittorio Mancini.”

A risada abafada veio do outro lado.

— Isso vai abalar a mulher.

— Não é suficiente — continuou ele, tamborilando os dedos na mesa, como fizera no tribunal. — Quero que sintam a nossa presença. Um susto. Algo que mostre que nem dentro do cemitério ela está a salvo.

Houve um silêncio breve. Depois, a voz respondeu:

— Entendido. Vai ser feito.

Mancini recostou-se na cadeira, satisfeito. Helena precisava aprender rápido: coragem custava caro.

— E quanto a mim? — perguntou, com um sorriso que não alcançava os olhos.

— Já estamos mexendo os fios. Juízes comprados, políticos de bolso, policiais em dívida. Não vai demorar.

Mancini fechou os olhos, quase em deleite. O som distante de grades se fechando não o perturbava; pelo contrário, soava como música. Cada segundo era apenas parte do jogo.

— Façam isso rápido. — Sua voz endureceu. — Esta cidade precisa entender que eu não caio. E a juíza… — uma pausa, como se saboreasse o nome — Helena… vai descobrir que desafiou o homem errado.

Ele desligou o telefone, devolveu o fone ao gancho e se levantou com a postura de um rei em exílio temporário. Voltou para a cela, cada passo carregado de uma certeza inabalável: a guerra estava apenas começando.

E, do lado de fora, seus homens já se moviam, invisíveis, preparando-se para transformar o luto de Helena em um campo de terror.

O céu parecia pesar sobre a cidade. Nuvens cinzentas se acumulavam, abafando até o som dos pássaros. O cemitério, tomado por flores brancas e olhares discretos, estava repleto, mas Helena se sentia sozinha.

Pela primeira vez, deixou-se tomar pelo arrependimento. Carregava o sangue da mãe nas mãos.

As lágrimas escorriam sem controle, manchando o véu negro que usava.

— Eu devia ter parado… desistido — murmurou, a voz embargada, como quem confessa um pecado.

Um vento frio percorreu o campo-santo. Foi nesse momento que Helena sentiu — mais do que viu — a presença estranha. Entre os rostos conhecidos, dois homens de terno escuro observavam de longe. Não pertenciam àquele lugar. Não traziam flores. Não olhavam para o caixão. Olhavam apenas para ela.

Um deles acendeu um cigarro, tragando devagar, como quem saboreia um espetáculo. O outro manteve as mãos cruzadas à frente, expressão indecifrável.

O estômago de Helena se revirou. Um arrepio subiu-lhe pela espinha.

Uma mulher então se aproximou, trazendo rosas brancas — as preferidas de Dona Lourdes. Colocou-as no caixão de cabeça baixa, como em oração. Ao erguer o rosto, deixou um bilhete sobre a madeira polida. Em seguida, virou-se para Helena e lhe entregou uma rosa preta. Nos lábios, um meio sorriso.

Os seguranças de Helena estavam afastados demais, como se inconscientemente tivessem dado espaço para aquele momento acontecer.

Helena pegou o bilhete. Apenas uma frase:

“Com os pêsames, Vittorio Mancini.”

O chão pareceu desaparecer sob seus pés. Quando piscou, a mulher e os homens já não estavam mais lá.

Foi quando Luh chegou às pressas — uma das poucas pessoas em quem ainda confiava.

— O que houve? — perguntou, inclinando-se para ela.

Helena mostrou o bilhete, a voz trêmula.

— Ele me mandou um aviso…

A dor dela era apenas o começo.

Do lado de fora do cemitério, estacionado em um carro preto, um terceiro homem falava ao celular.

— O recado foi dado. Ela sabe que não está sozinha. — Silêncio. — Sim, senhor Mancini.

O motor ronronou, afastando-se pela estrada estreita.

Helena mal sabia que aquele enterro não seria apenas o adeus à mãe. Era o primeiro ato de uma guerra que acabara de começar.

Mancini estava recostado em sua poltrona de couro, o charuto apagado esquecido entre os dedos. Não precisava da fumaça para se sentir superior — a notícia que acabara de receber já lhe dava prazer suficiente. A cela, pequena e fria, estava decorada à sua maneira: fotos antigas, alguns objetos de luxo escondidos entre o concreto cru, lembranças de um mundo onde ele sempre mandava. O cheiro de ferro e mofo que impregnava o ambiente não o incomodava; para ele, a prisão era apenas um cenário, não uma prisão.

— O recado foi dado, senhor. — A voz grave do homem do outro lado da linha soava satisfeita, quase orgulhosa. — Ela não vai esquecer tão cedo.

Um sorriso lento e cruel se abriu no rosto de Mancini.

— Bom. — A palavra saiu arrastada, carregada de veneno. — Quero que ela entenda que dor e medo são coisas que só eu decido quando começam e quando acabam.

Levantou-se, caminhando pelo espaço limitado da cela com a confiança de quem ocupa um palácio. Passou as mãos pelos cabelos impecáveis, como se aquela imagem perfeita fosse parte do poder que mantinha mesmo ali dentro.

— E o homem? — perguntou, sem desviar os olhos do horizonte invisível, como se a cela fosse apenas uma moldura para sua influência.

— Está feito. Vão tirá-lo da cadeia ainda hoje, exatamente como o senhor ordenou.

Mancini riu baixo, um som frio, quase um rosnado, que parecia se espalhar pelas paredes de concreto.

— Excelente. Quero todos eles soltos. Peões na rua me são mais úteis do que atrás das grades. — Fez uma pausa, o sorriso desaparecendo. — Mas que não se enganem: quem manda nesse tabuleiro sou eu.

Desligou o telefone sem esperar resposta, voltando para a poltrona. Acendeu o charuto, tragou devagar e deixou a fumaça preencher o ambiente. O cheiro acre se misturava ao ferro e ao mofo, mas ele não notava nada. Nada além do poder que corria por suas veias.

— Agora, doutora Helena... — murmurou, o olhar fixo em nada, apenas na imagem que criava em sua mente. — Vamos ver quanto tempo você aguenta antes de quebrar.

Ele estava preso apenas no espaço. O mundo fora da cela, com todas as suas vidas e medos, ainda se curvava à sua vontade.

Até às próximas linhas.

G.sandles😉

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