O exame de farmácia ainda estava na gaveta da escrivaninha, escondido entre os cadernos. Julia não precisava olhar para lembrar das duas linhas vermelhas que mudaram tudo. Estava grávida. Aos dezessete anos, sem mãe, com o pai lutando para manter a casa, prestes a se mudar para Harvard.
Ela passava os dias tentando se convencer de que conseguiria. Repetia para si mesma: “Vou dar conta. Vou estudar. Vou ser mãe. Eu não vou desistir.” Mas, à noite, quando o silêncio tomava conta do quarto, o medo a consumia.
Não era apenas o medo do futuro. Era também a lembrança daquela noite com Gabriel. O modo como ele a olhara, como se ela fosse única, como se estivesse presente de corpo e alma. E depois… nada. O vazio do dia seguinte. O olhar distante quando ela tentou se aproximar semanas depois, a indiferença, o “não lembro” que foi como uma faca no peito.
Julia não sabia o que doía mais: o abandono da mãe, a ausência do pai em tantos momentos da infância, ou a indiferença do primeiro homem que a fizera acreditar que poderia ser amada.
Agora, porém, não se tratava apenas dela. Dentro de seu corpo, uma vida pulsava. Uma vida que não pediu para existir, mas que já era tudo para ela.
O pai foi o primeiro a perceber. Ele notou os enjoos, o cansaço repentino, a forma como Julia escondia o corpo com roupas largas. Numa manhã de domingo, enquanto lavava a louça, perguntou direto:
— Julia… você está grávida?
Ela deixou cair o prato que segurava. Não havia como mentir. Sentou-se, chorando, e confirmou.
O silêncio que se seguiu pareceu interminável. Mas, em vez de raiva, o pai apenas suspirou, cobrindo o rosto com as mãos. Depois, levantou-se e a abraçou.
— Vai ser difícil — disse, com a voz embargada. — Mas nós vamos dar conta.
Foram as palavras que Julia precisava ouvir.
A decisão foi tomada: ela teria a filha. Continuaria estudando, fosse como fosse. A bolsa em Harvard era uma chance que jamais poderia perder.
Os meses seguintes foram um turbilhão. Julia dividia-se entre consultas médicas, provas finais do colégio e longas horas na livraria onde trabalhava. O corpo mudava, e com ele a forma como as pessoas a olhavam. Os cochichos no corredor, os olhares de reprovação, até mesmo as piadas cruéis — nada disso a abalava mais.
Amanda, sua melhor amiga, foi um choque à parte. Quando contou sobre a gravidez, a reação não foi de julgamento, mas de surpresa e culpa.
— Meu irmão? — Amanda levou a mão à boca, chocada. — Eu não fazia ideia…
Julia apenas abaixou os olhos. — Foi só uma noite. E ele… ele nem se lembra.
Amanda ficou dividida entre proteger a amiga e sentir raiva do irmão. Mas, no fim, prometeu: — Eu vou estar do seu lado. Sempre.
Essa promessa se tornou um alicerce.
O dia do parto chegou numa madrugada fria. Julia lembrava do suor escorrendo, da dor cortante, da sensação de que o mundo estava prestes a acabar. Mas, quando ouviu o primeiro choro, algo dentro dela renasceu.
Clara.
Ela segurou a filha nos braços, tão pequena e tão forte ao mesmo tempo, e chorou como nunca havia chorado antes. O cabelo escuro, os olhos claros, um traço inconfundível da família Denovan.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 28
Comments