UM AMOR DO PASSADO
O vento frio de Nova York não era nada comparado ao frio que Julia carregava dentro de si. Ela ainda se lembrava do cheiro forte de álcool que impregnava a casa onde cresceu, das garrafas espalhadas pelo chão e das noites em que se encolhia debaixo do cobertor tentando abafar os gritos da mãe.
Julia Scoots, aos 17 anos, já tinha visto mais do que deveria. Sua mãe, consumida pelo vício, oscilava entre momentos de carinho desajeitado e acessos de fúria incontrolável. Não era raro que Julia se tornasse a adulta da casa, cuidando da mãe quando ela desmaiava no sofá, esquecendo até mesmo de comer.
Ela ainda se lembrava da primeira vez que entendeu que sua vida não era igual à das outras meninas. Tinha 8 anos, quando foi dormir na casa de Amanda Denovan, sua vizinha e melhor amiga. A mãe de Amanda preparara panquecas para o café da manhã, perguntara como tinham dormido e ajudara as meninas a se arrumarem para a escola. Julia observara aquela cena como se fosse um filme distante, e em seu coração infantil nascera uma mistura de inveja e desejo. Queria, mais do que tudo, ser parte de uma família normal.
O pai de Julia, apesar de presente, estava sempre ocupado com o trabalho. Fazia o que podia para sustentar a casa e pagar as dívidas acumuladas pela esposa. Julia sabia que ele a amava, mas havia uma distância entre eles que ela não conseguia atravessar. Talvez porque, em silêncio, ele também carregasse suas próprias mágoas.
Aos 15 anos, Julia começou a sonhar com algo maior. Livros de Direito se acumulavam embaixo da cama, presentes de professores que viam nela uma inteligência rara. “Você vai longe, menina”, dizia o senhor Adams, seu professor de literatura. E Julia acreditava. Harvard não era apenas uma universidade: era a promessa de uma nova vida, um recomeço longe das sombras da casa em que crescera.
Mas os sonhos não conseguiram impedir a tragédia.
Naquela noite, quando Julia tinha 17 anos, a tempestade castigava a cidade. Raios cortavam o céu, e ela lembrava claramente do cheiro de chuva entrando pelas frestas da janela. Voltava da biblioteca, empolgada porque havia conseguido terminar uma redação que poderia lhe garantir uma bolsa de estudos. A mente estava cheia de esperanças quando empurrou a porta de casa.
O silêncio foi a primeira coisa que a inquietou. Silêncio demais para uma casa onde sempre havia barulho de garrafas, gemidos ou música alta. Chamou pela mãe, mas ninguém respondeu.
O coração acelerou quando entrou na sala e viu o corpo estirado no chão. Uma garrafa caída ao lado, o rosto pálido e frio.
— Mãe! — gritou, correndo até ela. — Mãe, acorda, por favor, acorda!
Mas não havia resposta.
As mãos trêmulas de Julia discaram para a emergência, enquanto as lágrimas escorriam pelo rosto. Tudo parecia um pesadelo do qual ela não conseguia acordar.
Quando os paramédicos chegaram, já era tarde demais. A causa oficial: falência múltipla dos órgãos, resultado do abuso contínuo de álcool.
Naquele momento, Julia sentiu como se o mundo tivesse desabado sob seus pés. O peso do abandono a esmagava, e por alguns dias ela acreditou que não conseguiria suportar.
Foi Amanda quem ficou ao seu lado, passando noites em claro para que Julia não se sentisse sozinha. Foi o pai, silencioso, quem a abraçou pela primeira vez em anos, chorando junto com ela.
Mas foi também naquela dor que Julia decidiu que nada a faria desistir. Nem o passado, nem as perdas. Harvard se tornaria não apenas um objetivo, mas um compromisso com a memória de quem ela era, com a força que precisava encontrar.
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Atualizado até capítulo 28
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