Cael nunca acreditou em destino.
Na sua vida, tudo era sobrevivência. Sobreviver à infância em uma favela dominada por balas. Sobreviver ao peso de um nome que ele tentava esconder. Sobreviver às expectativas de um pai que comandava o tráfico como um império.
Ele era Cael Andrade.
Mas ninguém ali sabia disso. Naquela noite, no galpão da Vila Sul, ele era só o "Cael", o mecânico esforçado, entregador à noite, cuidador do irmão mais novo. Um disfarce. Uma mentira conveniente. Uma armadura.
Até ela aparecer.
Desde o momento em que viu aquela garota de olhos tristes e andar de quem não pertencia àquele mundo, algo dentro dele gritou. Ela tentou esconder, mas ele percebeu. As roupas caras mal disfarçadas, a postura treinada, o olhar de quem já viu demais. Mas também havia fogo nela. Um desejo desesperado por ser livre.
— Lua… — ele murmurou depois do primeiro beijo, sentindo o gosto de uma verdade que não conhecia.
Era claro que ela estava mentindo o nome, mas ele não ligava. Ele também estava.
O que Cael não esperava era sentir.
Não esperava que aquele beijo o marcasse. Que a ausência dela depois da primeira noite o deixasse inquieto. Nos dias seguintes, acordava cedo, fazia os corres como sempre, mas o pensamento fugia para os olhos dela. Para o jeito como ela ria com a alma, como se estivesse aprendendo a respirar.
Na quarta-feira, ele mandou três caras do morro investigarem discretamente quem ela era. Uma garota rica chamada Aurora Lancaster, filha de um figurão da elite. A futura noiva de Gregory Hamilton — um velho conhecido do pai de Cael. Empresário de fachada, bandido por dentro. Cael soube que aquilo ia dar merda. Soube, mas não conseguiu recuar.
Na quinta, estava pronto. Moto abastecida, jaqueta escura, coração batendo como tambor.
E ela apareceu.
Linda como da primeira vez, mas mais nervosa. Como se cada passo dela ali fosse proibido. Quando ela o beijou, ele sentiu o mundo parar outra vez. Sentiu o sangue aquecer, a alma estremecer. Ela não era só bonita. Era brava. Ferida. Fugitiva de uma prisão de ouro.
Mas a ilusão que construíram ali não durou muito.
Quando Gregory apareceu com seus seguranças, Cael reconheceu o cheiro do perigo. Os olhos frios. A pose de dono. Era o tipo de homem que achava que tudo se comprava — até gente.
Cael soube ali que aquele homem seria um problema. E soube também que jamais permitiria que ele encostasse em Aurora de novo.
Na comunidade, entre armas e lealdade
Mais tarde naquela madrugada, depois de garantir que Aurora voltaria segura para casa, Cael subiu o morro de moto, passando pelos becos estreitos da favela Nova Esperança. Os olhares o seguiam. Crianças acenavam. Homens armados faziam sinal de cabeça. Ninguém ousava questioná-lo.
Ele não era só mais um morador. Era o sangue direto de Ivan Andrade, o homem que comandava a zona norte com mãos de ferro e inteligência letal. Mas Cael não usava esse nome. Não queria ser apenas o herdeiro do trono do crime.
Entrou na casa de dois andares que parecia comum, mas por dentro tinha tudo que o dinheiro sujo podia comprar. Equipamentos, telas, câmeras, armas. Na sala, seu pai estava sentado fumando um charuto.
— Te vi na TV ontem, com aquela menina da Lancaster. — disse Ivan, sem olhar para ele.
Cael não se surpreendeu. O pai tinha olhos em todo lugar.
— Não é da sua conta.
— Tudo nessa cidade é da minha conta. — Ivan se levantou. — Gregory Hamilton é aliado. Faz lavagem pra gente, passa contratos limpos pela empresa dele. Você se metendo com a noiva dele vai causar guerra.
Cael o encarou.
— Então que venha.
Ivan o analisou com frieza. Depois sorriu.
— Está apaixonado?
Cael não respondeu.
— Não seja burro, filho. Amor é fraqueza. Só serve pra fazer você sangrar.
Mas Cael já sabia disso. Só que o que sentia por Aurora não era fraqueza.
Era fogo.
Era revolta.
Era a primeira coisa que o fazia pensar em mudar o próprio destino.
A escolha
Na manhã seguinte, Cael foi até a escola do irmão, deixou dinheiro com uma vizinha de confiança e avisou que talvez passasse uns dias fora.
Depois, foi até a mansão onde Aurora morava. Observou de longe, da rua de trás, por entre os muros altos e seguranças. E viu. Viu ela pela janela do quarto, sentada na cama, com os ombros curvados e os olhos perdidos. Ela parecia uma princesa trancada na torre. E ele sentiu o impulso crescer.
Ela precisava sair dali.
Naquela noite, ele mandou uma mensagem de um número desconhecido:
“Se você quiser fugir de vez, eu tô pronto. Mas se vier, não tem volta. – C.”
A resposta veio depois de horas que pareceram eternas.
“Me encontra amanhã. Depois da meia-noite. Estou pronta pra sumir com você.”
E foi ali, com o celular na mão e o coração acelerado, que Cael tomou a decisão.
Deixaria tudo. Ou enfrentaria tudo. Mas levaria Aurora com ele.
Mesmo que, para isso, tivesse que desafiar o pai, derrubar Gregory… e mergulhar em uma guerra onde amor, poder e vingança se misturam.
Porque, agora, Cael acreditava no destino.
E ele tinha olhos verdes, alma ferida… e o nome de Aurora.
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Atualizado até capítulo 36
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