As horas passaram como minutos.
Aurora e Cael estavam sentados no capô da moto dele, longe da multidão. A música ainda vibrava no fundo, mas ali parecia outro mundo. Ele falava com paixão sobre motos, sobre como trabalhava durante o dia como mecânico para ajudar o tio e à noite fazia entregas para juntar dinheiro.
— Um dia, ainda vou abrir minha própria oficina — disse ele, acendendo um cigarro. — Nada muito grande, mas minha. Um canto só meu.
— E o que te prende aqui ainda? — perguntou ela, deitada de lado, observando o céu.
— Meu irmão mais novo. Ele tem doze. Se eu for embora, ele fica sozinho com meu padrasto. — A voz dele endureceu.
Aurora virou o rosto para ele, tocada pela sinceridade.
— Você é diferente. — disse, quase sem perceber.
— E você é um mistério completo. — Cael se aproximou um pouco mais. — Tem cara de garota rica que se perdeu vindo pra periferia… mas fala como quem carrega o mundo nos ombros.
Ela riu, mas havia tristeza por trás do som.
— Talvez eu tenha vindo aqui pra me encontrar. E, de quebra… encontrei você.
Ele sorriu.
— Eu devia ficar longe de você, Lua. Tem algo em você que grita perigo.
— E eu devia fugir de você. — Ela o olhou nos olhos. — Mas não consigo.
Cael inclinou-se levemente, o rosto próximo demais.
— Se eu te beijar agora… você vai fugir?
— Não. Mas talvez devesse.
E então ele a beijou.
Não foi um beijo qualquer. Não foi apressado, nem tímido. Foi como se cada parte de Aurora acordasse ao mesmo tempo. A mão dele em sua nuca, firme. A boca encaixando-se à dela como se já soubesse o caminho. Ela gemeu baixinho, e ele sorriu contra os lábios dela.
Era como respirar pela primeira vez.
Quando se afastaram, os olhos azuis de Cael pareciam ainda mais intensos.
— Eu não sei o que você está fugindo, Lua… mas você pode se esconder aqui comigo, se quiser.
Ela queria dizer sim. Mas o peso do mundo voltou. O anel na bolsa. O nome no jornal. O casamento arranjado.
— Eu tenho que ir.
— Já?
— É complicado. Mas… você pode me encontrar de novo?
— Me diz onde.
Ela hesitou.
— Quinta. No galpão da Vila Sul. À meia-noite.
Ele assentiu.
— Estarei lá.
Aurora sorriu uma última vez antes de desaparecer na noite. E pela primeira vez em muito tempo… sentiu medo de voltar para casa.
De volta à prisão dourada
O retorno foi silencioso. Aurora entrou pela porta dos fundos da mansão, trocou de roupa às pressas, escondendo a alma viva sob o uniforme apagado de uma Lancaster. O pai não estava em casa. Mas Gregory estava.
Sentado no sofá da sala principal, com um copo de uísque na mão e os sapatos sujos sobre o tapete branco.
— Está tarde, princesa.
Aurora parou.
— O que você está fazendo aqui?
— Vim visitar minha noiva. Temos que conversar sobre os preparativos do casamento. — Ele se levantou e caminhou até ela. — A noiva, aliás, estava fora de casa. De novo.
Ela tentou passar por ele, mas ele segurou seu braço com força.
— Me solta.
— Você foi à periferia, não foi? — O tom dele mudou. — Suja. Aqueles lixos não têm nada a oferecer a você. Eu posso te dar tudo, Aurora. Tudo. Mas você precisa me respeitar.
Ela o empurrou com força.
— Você não tem o direito!
— Tenho sim. Sou seu futuro marido. E você vai aprender a obedecer.
Gregory a puxou com violência, e Aurora, assustada, lhe deu um tapa no rosto.
Ele ficou parado. A mandíbula travada. O silêncio ameaçador.
Então ele riu.
— Vai ser divertido domar você.
E saiu.
Aurora correu para o quarto e trancou a porta. Caiu no chão, tremendo, os olhos fixos nas próprias mãos. Era como se o beijo de Cael estivesse ali ainda, queimando seus lábios. A única coisa que a mantinha de pé era aquela promessa: quinta-feira. Meia-noite.
Ela precisava fugir. Nem que fosse por uma noite.
O reencontro
A quinta-feira parecia um castigo. Cada minuto arrastava-se como chumbo. Durante o jantar, seu pai mencionava os preparativos da cerimônia com uma frieza cirúrgica. Aurora estava calada, calculando a fuga.
Às 23h42, ela saiu pela janela de trás, usando a mesma roupa da festa anterior. Pegou um táxi e foi direto para o galpão da Vila Sul. O lugar estava mais cheio do que nunca. A fumaça de cigarro, o cheiro de cerveja, os gritos, as luzes piscando — tudo parecia parte de um sonho.
E então ela o viu.
Cael, encostado na moto, como antes. Mas, dessa vez, quando a viu, ele sorriu como quem reencontra algo que não sabia que havia perdido.
— Você veio.
— Eu disse que viria.
Ele se aproximou e a envolveu pela cintura, puxando-a para um beijo urgente, intenso, faminto. Aurora se entregou, segurando o rosto dele entre as mãos como se fosse sua única âncora.
— Eu pensei em você todos os dias — ele sussurrou.
— Eu também.
Eles dançaram, riram, se embriagaram de presença. No auge da madrugada, ele a levou para a parte de trás do galpão. O barulho da festa era apenas um pano de fundo para o que acontecia ali: dois mundos colidindo.
Cael a encostou contra a parede fria de concreto, e suas mãos percorreram o corpo dela com reverência. Os beijos eram desesperados, como se cada segundo importasse.
— Eu devia te levar embora comigo. — ele disse, com a testa encostada à dela.
— E pra onde me levaria?
— Onde ninguém te encontrasse. Onde ninguém pudesse te obrigar a nada.
Ela fechou os olhos.
— E se eu quisesse?
— Você quer?
— Nunca quis nada tanto.
Mas antes que respondesse, um barulho os interrompeu.
Um carro preto. Faróis ligados. Um homem saindo de dentro.
Aurora congelou.
— É ele… — sussurrou. — É Gregory.
Cael virou-se rápido, puxando Aurora para trás de si. Os olhos azuis agora eram aço.
Gregory caminhou até eles com um sorriso no rosto.
— Eu sabia que encontraria você aqui. Você acha mesmo que poderia brincar de ser pobre e eu não descobrir?
— Vai embora, Gregory. — Aurora gritou. — Você não tem nada comigo!
— Ainda não. Mas você me prometeu. E ninguém vai tirar isso de mim.
Cael avançou um passo.
— Toca nela, e eu acabo com você.
Gregory o encarou.
— Você não sabe com quem está se metendo, moleque.
— Sei sim. Com um covarde.
Gregory deu um passo para trás, olhando de relance para Aurora.
— Isso ainda não acabou.
E entrou no carro, sumindo na escuridão.
Aurora tremia.
— Eu preciso sair daqui, Cael. Agora.
— Então vamos. Pra onde?
Ela o olhou, com lágrimas escorrendo.
— Pra onde a dor não me ache.
Ele segurou sua mão.
— Eu vou te proteger. A partir de agora… você não está mais sozinha.
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Atualizado até capítulo 36
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