Alanzin 💥
Já era mais de meia-noite quando eu saí da casa do Russo. O céu tava limpo, mas minha cabeça era tempestade. Andei pela laje do barraco, fumei um cigarro, fiquei olhando a favela acesa lá embaixo. Tava tudo em silêncio, mas o morro falava alto dentro de mim.
Eu entendi o lado dele, de verdade. Russo era cria, sangue nos olhos, fechado com o Talibã desde os 14. Só que a quebrada não para pra esperar sentimento de ninguém. Favela não vive de luto, vive de ação.
Peguei o rádio e coloquei na frequência secreta 7-1-1 precisa da ajuda do Talibã, não sabia o que fazer pra convencer o russo sem gerar uma briga desnecessária entre a gente.
“Falei com o Russo. Deu ruim.”
Uns dez minutos depois, o pontinho verde apareceu.
TALIBÃ:
“Ele falou o quê?”
ALANZIN:
“Ficou puto. Disse que tu não morreu, que não vai sair do Alemão sem te achar. Que voltar pra Rocinha é abandonar tu.”
A resposta não demorou:
TALIBÃ:
“Russo é coração. Sempre foi. Mas agora não é hora de agir com coração. É hora de agir com frieza.”
Tu é o chefe agora. Se tu falar manso, ninguém vai ouvir.”
Eu respirei fundo, encarando o radinho como se fosse ele na minha frente. então falei
ALANZIN:
“Mas ele tá com a perna fudida, tá ferido, mexido... tu sabe como ele é. Só obedece tu.”
TALIBÃ:
“Então fala que foi ordem que eu dei antes de morrer
“Se ele respeita tanto o que eu era, então que respeite o que eu deixei pra trás.”
“Rocinha tá largada, tropa sem direção, sem comando. O bagulho pode virar caos se não tiver alguém lá.”
Fechei os olhos e bufei.
TALIBÃ:
“Tu é minha voz agora, Alanzin. Então bota banca. Não vacila. Fala com ele com firmeza.”
ALANZIN:
“Tá certo. Vou falar.”
“Tu tá bem aí?”
“Quer que eu leve alguma coisa? Dinheiro, contato, roupa...”
A resposta veio mais seca.
TALIBÃ:
> “Se eu pedir alguma coisa, vai levantar suspeita. Fica na tua. Meu aliado aqui tá me dando abrigo, tô seguro. Só não posso aparecer por agora.”
“Mas escuta: ninguém pode saber que eu tô vivo. Nem a Helô. Nem o Russo.”
ALANZIN:
“Nem o Russo?”
TALIBÃ:
> “Principalmente ele. Se souber, vai querer me buscar. Vai botar tudo a perder.”
Eu fiquei olhando o radinho em silêncio. Era esquisito pra caralho obedecer um fantasma. Mas ele ainda era o chefe.
> “Demorô. Amanhã mesmo eu vou na casa do Russo de novo.”
TALIBÃ:
> “Vai como chefe, não como amigo
Desliguei o radinho, guardei no bolso e dei mais uma tragada no cigarro. Olhei de novo pra favela — lá embaixo os becos respiravam, os portões fechados, os barracos dormindo. Só a guerra que não dormia nunca.
Amanhã eu ia bater de frente com o Russo de novo. Mas dessa vez como homem, não como amigo.
Se ele quisesse me odiar, que odiasse.
A ordem era do Talibã. E ordem é pra cumprir gostando ou não.
Helô 🌸
Eu acordo todo dia com o mesmo peso no peito.
É como se tivesse uma pedra enterrada dentro de mim. Não consigo comer direito, dormir direito, pensar em outra coisa.
O Talibã sumiu.
Sumiu.
Mas não morreu. Eu me recuso a aceitar isso. Ninguém me mostrou corpo, ninguém enterrou nada. E enquanto não tiver corpo, pra mim... ele tá vivo.
Eu sento na beira da cama, os olhos vermelhos, coração apertado. Todo mundo na favela anda falando que ele deve ter morrido, que não teria como ter escapado daquele cerco, que ninguém sobrevive àquela troca de tiro. Mas o Talibã não é qualquer um. Ele é raio, é furacão.
Me peguei, mais uma vez, com o celular na mão. Lendo e relendo as últimas mensagens que ele me mandou.
Coisa boba. Um “tô com saudade, te cuida aí.”
Só isso já me desmontava inteira.
Minha mãe tentou conversar comigo de manhã pelo telefone mas eu tava sem forças pra falar. E foi aí que meu pai entrou no meu quarto, com aquele jeito firme de sempre, mas com os olhos pesados de preocupação.
— Filha, posso falar com você?
Assenti em silêncio.
Ele sentou do meu lado, botou a mão no meu ombro. Ficou um tempo me olhando, como se estivesse escolhendo cada palavra com cuidado.
— Olha só, Helô...
— A gente entende tua dor. De verdade. Mas cê não pode se afundar assim. Tu tem uma família. A gente tá aqui, a sua mãe não sabe porque você está assim, mais mesmo assim tá morrendo de preocupação
Não respondi. As lágrimas começaram a cair sem eu conseguir segurar. Ele puxou um suspiro fundo e continuou:
— Eu sei que tu gostava dele. Sei que ele te tratava diferente, e que você via um futuro. Mas, filha...Se ele se foi mesmo, você precisa aprender a seguir em frente
— Mas assim, desse jeito que tu tá... tu vai adoecer. Vai acabar se perdendo.
Eu chorei mais. Queria responder, mas a garganta travava. Ele me abraçou, e naquele abraço eu senti o peso do amor dele. Do medo dele de me perder também.
— A gente não vai te forçar a nada. Mas não some da gente não, Helô. Não se entrega assim. Tu é mais forte do que isso.
Balancei a cabeça devagar. Eu sabia que ele tava certo. Eu tava me afundando em silêncio. Me isolando, me torturando com mil cenários. Com medo. Com saudade.
Depois que ele saiu, fiquei um tempo parada. E quando o sol começou a descer, eu respirei fundo, me levantei e fui até a igreja da esquina.
Entrei sozinha, em silêncio. Ajoelhei no banco de madeira e rezei. Com fé, com desespero, com amor.
“Se ele tiver vivo, guarda ele, protege ele de todo mal"
no fundo, eu sentia.
Ele não tinha ido embora pra sempre.
Ainda não.
Saí da igreja com o coração mais leve, mas o rosto ainda marcado pelas lágrimas. A noite caía devagar, e o silêncio das ruas me dava uma sensação estranha de paz. Caminhei em direção à praça, olhando o céu escurecendo, tentando organizar os pensamentos.
Foi aí que escutei a voz debochada:
— Olha quem resolveu aparecer, a santa de Taubaté.
Virei devagar. E quando vi quem era, já me deu um ranço enorme.
Gabriela.
A ex do Talibã. A mesma que tinha perdido um filho dele. O olhar dela queimava. O ódio no rosto dela era quase palpável. E antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, ela já tava na minha frente, cuspindo veneno.
— Tu é uma praga, sabia? Desde que tu apareceu, a vida do Talibã virou um inferno. Tu é uma maldição A culpa é tua se ele sumiu, a culpa é tua se ele morreu, a culpa é tua de tudo que deu errado!
Engoli seco, mas mantive a postura.
— Eu não tenho culpa de nada. Eu nunca fiz mal pra ele.
— Fez sim! Tu destruiu ele. Ele virou outro depois que te conheceu. E o pior: se afastou de mim. Do filho que eu perdi.
A dor nas palavras dela era real. Mas o ódio... o ódio era cego.
— você não cansa de ser ridícula né, até em um momento desse. ele me escolheu!
Ela riu debochada, os olhos vermelhos de raiva.
— Cala tua boca, garota. Tu não sabe nada dele. Tu não passou nem metade do que eu passei!
E antes que eu percebesse, ela avançou. Veio com tudo, com a mão levantada pra me bater. Eu me encolhi
Uma voz grossa e autoritária cortou o ar:
— Ô Gabriela! Tá maluca, é? não encosta nela
Viramos ao mesmo tempo.
Era o surfista, um dos soldados antigos do Talibã. Fiel. Casca grossa. Um dos que andava mais na miúda
Ele chegou perto, o olhar gelado, falando baixo e reto:
— Se o Talibã souber que tu tentou bater nela, ele mesmo volta do túmulo só pra acabar contigo. Tu tá achando que isso aqui é o quê?
Gabriela recuou, mas não calou.
— Foda-se tu e esse teu teatrinho, surfista. Tu sabe que ele sumiu por causa dessa vadia. Ela que botou minhoca na cabeça dele!
— Chega, Gabriela. Tu já falou demais. Tu tá querendo respeito, mas se comporta como se fosse uma qualquer. Perdeu teu lugar faz tempo. Tá se queimando com o nome dele, e isso aqui no morro tem preço.
Gabriela empalideceu. Sabia que o surfista não era de ameaça vazia. Me lançou mais um olhar de ódio antes de virar as costas e sair bufando, os passos duros no chão.
Fiquei parada, com o coração acelerado. O surfistalvirou pra mim e falou baixo:
— Tu tá bem?
— Tô... agora tô.
Ele assentiu, olhando ao redor.
— Fica ligada. O clima tá tenso. E tem muita gente que queria ter o lugar que tu tem no coração do homem. Gente que perdeu espaço quando tu chegou.
— Mesmo com ele sumido?
— Principalmente por causa disso.
Ele se afastou em silêncio, voltando pros becos, sumindo como sombra. E eu fiquei ali, de pé, com o peito apertado e a certeza de que aquele amor que o Talibã me deu... era mais perigoso do que eu pensava.
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Atualizado até capítulo 34
Comments
Leneborges_
Helô tem que se impor quando essas marmitas vim por lado dela...
A gente sabe que ela está sofrendo, agora baixar a cabeça pra marmita não dá não....
Força mulher logo mais teu boy aparece....
2025-08-01
0
Mary Regi
autora ja ta na
hora da Helo saber do talibã ela e a fiel dele e ele ta errado de se esconder do russo tbm
2025-08-01
2
Meire Souza
cadê o restante do livro?
2025-08-01
1