O vento da manhã soprava manso, carregando o cheiro adocicado das flores da praça central. Clara caminhava devagar, como quem redescobre a própria cidade. O calçamento de pedras irregulares, as casas coloridas com varandas de madeira, tudo parecia menor do que em sua memória — mas, curiosamente, mais bonito também. Talvez fosse o olhar de quem voltou com mais perguntas do que certezas.
Ela cruzou a rua e ali estava ele: o Café Aurora.
O toldo bege desbotado balançava suave, e a fachada de madeira trazia o nome pintado à mão com letras elegantes. Era o mesmo café de sempre — o mesmo onde ela tomava chocolate quente nas férias, onde dividia fatias de bolo de fubá com amigas entre uma ida ao rio e outra.
O sininho tocou quando ela empurrou a porta de entrada. E tudo voltou.
O aroma de café passado na hora, o som discreto da colher batendo na xícara, o balcão antigo de madeira escura onde ficavam os potes de biscoito amanteigado… Era como entrar dentro de uma lembrança. E logo ali, atrás do balcão, estava ela: Anelise.
— Meu Deus... Clara?!
Anelise largou a xícara que estava secando com o pano e contornou o balcão num impulso só. As duas se abraçaram forte, como se os anos que as separaram não fossem nada além de poeira no tempo.
— Você voltou mesmo! — Anelise disse, sorrindo largo. — Seu rosto tá igualzinho. Só o cabelo que cresceu ainda mais!
— E você tá com cara de quem virou adulta antes de mim...
— Pois é, herdei essa joça aqui — brincou, olhando ao redor. — Meus pais cansaram, resolveram se aposentar de vez. Agora sou eu quem cuida de tudo — o café, os bolos, até a vitrola.
— Tá tudo igual... igualzinho. Só que mais bonito, Clara disse, olhando para o ambiente com olhos marejados.
Sentaram-se em uma mesinha próxima à janela, e Anelise trouxe duas xícaras do café especial da casa e um pratinho com broa de milho quentinha, como nos velhos tempos.
Ficaram ali por quase meia hora, conversando, rindo, relembrando histórias de escola, dos natais passados juntas, dos tropeços de bicicleta e das tardes de chuva em que se abrigavam no próprio café. Era uma conversa simples, mas carregada de um tipo de carinho que o tempo não consegue corroer.
Foi então que o sininho da porta tocou novamente.
Clara virou o rosto por reflexo. E ali estava Vicente.
Entrou com a calma de quem conhece cada canto do lugar, usando uma camisa jeans surrada e as mangas dobradas até os cotovelos. Tinha o sol nos ombros e um jeito tranquilo que preenchia o espaço. Clara o reconheceu antes mesmo que ele dissesse qualquer coisa. E ele também a viu.
— Oi, Anelise. Vim buscar aquele pão de centeio que encomendei pra mamãe.
— Tá aqui já, Vicente. Espera só um minutinho. — Anelise se afastou, mas antes lançou um olhar cúmplice para os dois. — Ah, olha quem tá aqui. Você lembra da Clara, né?
Vicente olhou diretamente nos olhos dela. Um segundo inteiro se esticou no ar. E depois veio o sorriso.
— Lógico que lembro. — Sua voz era grave, mas suave. — Clara. Você sumiu do mapa, hein?
Ela riu, tentando disfarçar o leve calor nas bochechas.
— Pois é. Fugi por uns bons anos... mas parece que o mapa resolveu me trazer de volta.
— Ainda bem. A gente sente falta de quem fez parte das raízes, mesmo quando não percebe.
Clara assentiu. Os olhos dele tinham aquela coisa difícil de explicar — um sossego que acolhia, mas também instigava.
— Veio só de passagem?
— Não sei ainda quanto tempo vou ficar. — Ela mexeu na xícara já quase vazia. — Talvez um pouco. Talvez mais. Estou tentando escutar o que o lugar tem pra me dizer.
Vicente sorriu de leve, pegando o pacote com o pão.
— Então escuta com calma. Aqui tudo fala devagar mesmo.
Os olhos se encontraram mais uma vez. Clara sentiu como se algo dentro dela tivesse dado um passo adiante, mesmo que os pés estivessem firmes no chão.
— Foi bom te ver, Clara.
— Foi bom te ver também, Vicente.
Ele acenou com a cabeça e saiu, deixando a porta balançar atrás de si com o tilintar discreto do sininho.
Anelise voltou e se sentou com um sorrisinho no canto da boca.
— O Vicente... — disse ela, quase cantarolando.
Clara mordeu a broa devagar, tentando parecer indiferente.
— O Vicente tá diferente...
— Todo mundo muda. Mas tem coisa que continua igual.
E então, as duas sorriram, como quem sabe que certas histórias começam sem alarde — como uma xícara de café numa manhã comum.
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Atualizado até capítulo 45
Comments
Severa Romana
nossa! mas ela foi bem mal educada! ela some por anos , faz promessa e ainda não explica nada.?
2025-07-29
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