O carro desacelerou ao final da estrada de terra, levantando uma poeira dourada que dançava no ar da tarde. Clara desligou o motor e permaneceu ali por alguns segundos, olhando para a frente. A casa da avó estava do mesmo jeito — ou quase. O portão de madeira envelhecida pendia torto de um lado, e o jardim, antes tão podado, agora era uma festa de mato e flores que cresciam sem regras. Mas era ela. A casa.
Suspirou fundo, e quando abriu a porta do carro, sentiu o calor da tarde colar na pele como um abraço morno. O barulho da cidade, que ainda zumbia nos ouvidos, foi substituído pelo canto dos pássaros e o leve assobio do vento entre as árvores. Um grilo chiou em algum lugar, e Clara, por um segundo, sorriu. Tinha esquecido como aquele som era bonito.
Com esforço, empurrou o portão e entrou, sentindo a madeira ranger sob seus dedos. Cada passo no caminho de pedras irregulares era uma memória voltando. Ali, ela correu descalça. Ali, caiu de bicicleta. Ali, a avó sentava no fim da tarde, tricotando e contando histórias da juventude. O coração apertou, mas era um aperto bom, quase um reencontro.
A chave, enferrujada, ainda funcionava na fechadura. Ao abrir a porta, o cheiro veio — o cheiro de casa velha, misturado com lavanda e madeira antiga. Clara ficou parada na soleira, os olhos marejados. Era o cheiro da infância. Do colo da avó. Do bolo de fubá no forno e das janelas abertas com cortinas esvoaçantes. O cheiro de casa. De lar.
— Oi, vó... — sussurrou baixinho, sem esperar resposta. Mas no fundo, sentia que ela ainda estava ali de algum jeito.
A casa estava empoeirada, mas intacta. Pegou um pano, amarrou o cabelo num coque bagunçado e começou a limpar. Varreu cômodo por cômodo, abrindo as janelas, deixando a luz entrar. Pôs água pra ferver, mesmo sem saber ainda o que ia fazer com ela. Apenas pelo ritual. Pela sensação de casa viva de novo.
Horas depois, sentou-se no alpendre, com uma caneca de chá simples, e viu o sol se pôr atrás do campo de girassóis ao longe. Eles se viravam na direção contrária agora, prontos para descansar. Clara também. Os ombros doíam, mas a alma, curiosamente, não. Ali, ela não precisava parecer forte. Ali, ela apenas era.
Foi quando ouviu o som de um cavalo ao longe. E um latido. Olhou por entre as frestas da cerca e viu, do outro lado do campo, um rapaz montado, vindo pelo caminho. O chapéu escondia parte do rosto, mas ela viu a barba bem cuidada e o jeito leve como ele conduzia o cavalo. Um cachorro corria ao lado. Pareciam parte da paisagem.
Ele passou sem vê-la, mas ela ficou olhando. Aquela figura parecia arrancada de um livro antigo. Tinha uma suavidade nos movimentos, como se o tempo corresse diferente para ele. Quando sumiu atrás da curva, Clara se deu conta de que estava sorrindo.
Mais tarde, já com o céu bordado de estrelas, acendeu as luzes da varanda. Pegou um caderno antigo da avó, folheou, leu uma receita rabiscada, uma oração escrita à mão, e então encontrou um papel dobrado, como uma cartinha. Era para ela. Pequena, simples, mas com a letra carinhosa da avó:
"Um dia você vai entender que alguns lugares sabem exatamente onde te curar. E eu quis que você soubesse que essa casa é sua, sempre será. Para os dias bons, e para os difíceis também. Com amor, Vó Maria."
Clara apertou o papel contra o peito. Pela primeira vez em muito tempo, não se sentia perdida.
Na manhã seguinte, ainda sonolenta, desceu para varrer o quintal.
Enquanto Clara ainda estava no quintal, ajoelhada perto dos pés de lavanda que sua avó cultivava com tanto carinho, ouviu um som familiar — o rangido da cerca de madeira ao lado. Ela ergueu o rosto, o coração acelerando por um instante, mas era apenas Dona Alzira, uma vizinha antiga e sempre muito falante.
— Ué... Clara? Clarinha?— a mulher se aproximou com os olhos semicerrados, como se ainda confirmasse se era mesmo quem pensava. — Menina, é você mesmo?
Clara sorriu, meio sem graça, limpando a mão na barra do vestido e se levantando.
— Sou eu sim, Dona Alzira. Voltei por uns tempos...
— Ave Maria, eu reconheceria esse cabelo grande de longe! Você é a cara da sua mãe quando tinha sua idade!
A vizinha a puxou para um abraço inesperado, e Clara se viu tomada por aquele cheiro de sabão em barra e quintal molhado — o tipo de memória que a gente não sabe que guarda, até ser puxada de volta.
— Vicente ainda mora com o irmão ali na frente. Aqueles dois vivem por aqui... mas você vai ver, o tempo foi gentil com eles — disse a mulher, com um risinho.
Clara riu de leve. Sentiu as bochechas aquecerem.
Dona Alzira se despediu, prometendo passar outro dia para um café, e Clara voltou a olhar para a varanda. O silêncio voltou a tomar conta, junto com a brisa morna da tarde. Tudo parecia... gentil. Familiar. E, por mais estranho que parecesse, necessário.
Ali, naquela varanda de madeira com cheiro de tempo, Clara teve certeza de uma coisa: mesmo que não soubesse o que estava procurando, aquele era o lugar certo para recomeçar.
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Atualizado até capítulo 45
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