Florence segurava a xícara de chá, os dedos ligeiramente trêmulos enquanto o vapor subia devagar, como seus pensamentos.
Ela era a filha mais cobiçada e admirada da nobreza, criada desde menina para se tornar uma duquesa, a promessa de uma linhagem respeitada, conhecida em todos os salões, nos bailes, nas cortes.
Mas ali, diante daquele homem, ela não era nada além de uma desconhecida.
Ele, marcado pela guerra e pelo sangue do campo de batalha, jamais tivera a chance de conhecê-la como o mundo conhecia Florence.
Nenhum nome, nenhuma história.
Era a primeira vez que Florence era reconhecida e desejada por suas habilidades herbalista e obviamente isso a emocionava por inteiro. O problema era voltar a viver entre a nobreza, de onde ela foi forçada a fugir.
Enquanto servia o chá, com a voz baixa e hesitante, pediu. — Preciso de um tempo para pensar.
Ele a observava com olhos firmes, a voz carregada de autoridade, mas sem perder a suavidade que a surpreendia. — Tempo não é um luxo que posso te conceder à vontade, Florence. Não posso esperar para sempre.
Ela sabia, claro que sabia, mas não queria responder sem uma reflexão adequada sobre tal assunto, então era melhor só mudar de assunto.
— Então, como tem sido a vida agora que está retornando da brutal guerra? — Florence perguntou, servindo o chá com cuidado, mais uma vez, tentando manter a conversa amigável. — Imagino que a rotina deve ser dura, entre as batalhas e as responsabilidades diplomáticas.
Ele tomou um gole, olhos atentos, mas com um leve sorriso no canto da boca.
— Difícil, sim. A guerra não é só aço e pólvora, é também política, estratégia... Só nunca me atrevi a imaginar que a alta sociedade fosse mil vezes pior e mais complicada. Por isso me alivia beber um chá tranquilo e ter uma conversa simples do cotidiano.
Florence sorriu, sentindo-se confortável com aquela troca. — Deve ser estranho voltar para a corte depois de tanto tempo no campo de batalha.
Ele assentiu, a expressão ficando um pouco mais fechada, como se algo o incomodasse. — A corte tem suas próprias batalhas, que não aparecem nas trincheiras. Algumas vezes, me sinto mais prisioneiro lá do que no campo.
Florence o observou, entendia completamente aquele assunto, curiosa, e resolveu tocar no assunto que ouviu no acampamento, curiosidade falava, mais alto que ela. — Ouvi rumores... Dizem que o imperador está organizando um noivado para o senhor, com uma princesa, certo?
Ele quase engasgou, os olhos estreitando por um instante, mas logo recobrou a compostura.
— Sim... A princesa é determinada, digamos. Tem uma... obsessão por mim, por assim dizer. Não é algo que eu deseje, mas é um acordo político. Pouco posso fazer para evitar.
Ela percebeu a tensão no rosto dele e mudou o tom, querendo aliviar o clima. — Isso deve ser difícil.
Ele respirou fundo, olhando para o chá na xícara. — Mais do que imagina. Mas é o fardo de carregar um nome e uma responsabilidade que vão além da vontade pessoal.
— Por que nunca se casou com outra mulher? — Perguntou Florence, enquanto girava a colher em sua xícara, o tom casual tentando disfarçar a curiosidade que sentia.
Alexander a olhou brevemente, antes de apoiar o corpo contra o encosto da cadeira.
— Porque ainda não encontrei uma mulher com a firmeza e a clareza que admiro. — Falou com simplicidade, como quem enumera um fato prático. — Nunca busquei amor, nem idealizações. Casamento é uma aliança, acima de tudo. Deve servir à estrutura de um lar e à solidez de uma casa. Mas não com alguém frágil ou vaidosa.
— Como a princesa? — Arriscou Florence, fingindo desinteresse, embora estivesse bem atenta à reação dele.
Alexander soltou um suspiro leve, quase imperceptível, e tomou um gole de chá antes de responder:
— Ela é… impulsiva. Cruel com os servos. Cresceu acostumada a não ouvir “não”. E como fui o único que lhe deu proteção na infância, parece ter confundido isso com afeto. — Fez uma pausa. — Mas eu a conheço bem demais para sequer cogitar a ideia de chamá-la de esposa.
— O imperador parece não concordar com seu não. — Comentou Florence com cautela.
— Ele a enxerga como sua filha favorita. E se há algo que um pai poderoso não tolera, é ver sua menina rejeitada. — O tom era sereno, sem ironia, como se de fato aceitasse aquele destino como parte do equilíbrio que mantinha tudo no lugar.
Florence o observava com mais atenção agora. A frieza dele não era desumanidade, era método. E talvez também fosse uma forma de sobrevivência.
— Houve uma noiva antes? — Florence perguntou, com um tom leve, quase casual, enquanto girava a xícara de chá entre os dedos.
Alexander desviou brevemente o olhar, como se vasculhasse memórias antigas que preferia manter à margem.
— Houve. Uma jovem de uma casa de grande prestígio. Nunca cheguei a vê-la pessoalmente, apenas ouvi relatos... Mandei dezenas de cartas e presentes, que nunca foram respondidos. — Seus olhos tornaram-se distantes, e o tom ganhou um peso contido. — Diziam que era admirável. Inteligente, refinada, mas com firmeza e bom senso. Alguém moldada para se tornar duquesa. Teria sido uma aliança conveniente. Elegante. Justa. Mas ela nem me deu a chance de me apresentar.
Ele pousou a xícara com um leve estalo.
— Mas ela desapareceu do cenário social. Retirou-se para um convento, ao que consta. Um desperdício... Se tivesse permanecido, teria resolvido mais 90% dos meus problemas. Teria me livrado da obsessão da princesa, e isso já seria razão suficiente para chamá-la de bênção.
Florence ouviu em silêncio, franzindo levemente as sobrancelhas.
— Ela deve ter tido seus motivos — Comentou, sem saber exatamente o que dizer. — Às vezes, o mundo pode ser cruel com mulheres que tentam viver fora daquilo que esperam delas.
Alexander assentiu. — Talvez. Mas mulheres como ela não deviam desaparecer. São raras.
Seu tom não carregava desejo, mas respeito. Um pesar silencioso.
Florence abaixou os olhos, sentindo um leve desconforto inexplicável no peito. Havia algo naquela história que lhe parecia próximo, como se estivesse tocando uma corda adormecida. Mas afastou o pensamento, aquela mulher era de uma outra casa, outra história, outro tempo. — Imagino que a corte não tenha perdoado essa decisão da sua antiga noiva, se ausentar da sociedade com o que parece ser tanto prestígio.
— Não perdoaram — Respondeu ele, com um toque de ironia seca. — Mas todos se apressaram em esquecer, como sempre fazem. Principalmente quando isso abriu caminho para os caprichos da princesa.
Florence mordeu o lábio inferior, e por um instante, sentiu-se estranhamente invisível. Aquela mulher, a noiva desaparecida, soava muito mais familiar que ela esperava, havia fugido de um casamento também... Então tudo encaixava para ela também como uma luva. Ser julgada na sociedade e esquecida em seguida, de fato deve ter acontecido a mesma coisa com ela.
Quando o silêncio confortável caiu entre os dois, Alexander olhou pela janela, percebendo que já era tarde, beirava a escuridão sobre a floresta.
— Agradeço pelo chá... e pela conversa — Disse ele, levantando-se com a elegância contida de quem estava acostumado a sair de tendas militares, não de casas acolhedoras. — Raramente tenho o prazer de falar com alguém com tanto discernimento.
Florence se levantou também, seguindo-o até a porta. Ela ainda segurava a xícara com as duas mãos, como se o calor dela a mantivesse ancorada.
— Ainda espero uma resposta — continuou ele, virando-se para encará-la na soleira da porta. — A proposta para trabalhar com minhas tropas ainda está de pé... Mas não posso esperar indefinidamente. Um dia, partiremos.
Ela assentiu em silêncio, lutando contra a turbulência que a conversa despertara.
Alexander hesitou por um breve instante antes de dar o primeiro passo para fora. O vento da floresta soprou leve, trazendo o cheiro de terra molhada e folhas.
— Se o que te prende for sua família... — Disse por fim, sem encará-la diretamente. — Eu resolvo. Seja lá o que fizeram, ou do que está fugindo... Isso pode ser arrumado.
Essas palavras, ditas com tamanha naturalidade, tocaram algo profundo nela, não como uma promessa de conto de fadas, mas como uma declaração de força, de alguém que cumpria o que dizia. E mais uma vez, ela se deu conta de como aquele homem, que mal conhecia, já parecia mais sólido do que tudo que deixara para trás.
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Atualizado até capítulo 28
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