A Garota De Programa E O Cego
capítulo
Morgana acordou com o som abafado dos carros na rua. Luz filtrava pelas cortinas pesadas. Seu rosto descansava no peito nu de Otto. O coração dele batia calmo .
Ela ergueu a cabeça devagar. O cheiro dele ainda estava nela: amadeirado, limpo, masculino. Algo que nunca sentira com nenhum cliente.
E isso a assusta
Ela se sentou na beira da cama, o lençol escorrendo pelo corpo. Passou as mãos pelo rosto.
Otto
Você ainda está aqui — murmurou Otto, a voz baixa acordando.
Ela olhou por cima do ombro. Ele estava deitado de lado, o rosto virado na direção dela, os olhos vazios fixos no nada.
Morgana
Sim infelizmente. — A voz dela saiu baixa, quase um sussurro. — Eu devia ter ido embora antes de você acordar.
Ela se levantou, começou a recolher as roupas no chão.
Morgana
Eu sou uma garota de programa, Otto. Eu não durmo com ninguém depois de fazemos aquilo.
Otto
Mais dormiu. E com certeza você amou.
Morgana vestiu a blusa com pressa, sem conseguir encará-lo.
Morgana
Eu tenho um filho. Ele não dorme se eu não chego. Eu... eu prometi voltar antes do sol.
Morgana
Sim. Você não lembra sobre o que eu falei ontem??— calçando os sapatos em pé.
Ele para por alguns segundos, e lembrar de tudo.
Otto
( Ela é uma mãe solteira....)E você está arrependida de ter ficado?
Morgana
Caro cliente obrigada pela preferência e tenha um bom dia.
Otto
Vais fugir?? Foi tão horrível assim??
Ela engoliu em seco, abriu a porta.
Morgana
Obrigada pela preferência....( Que pena que essa é a primeira e última vez que a gente vai se ver)
Otto se recostou na cama.
Ela saiu antes que o nó na garganta a impedisse de andar.
No corredor, Mário já esperava com um sorriso idiota no rosto.
Mário
Vai sair andando assim? Onde você se meteu ontem de noite?
Morgana
Estava com um cliente.
Mário
Desde quando você dormir , com um cliente até o dia seguinte??
Morgana
Só foi um acidente.... Dá licença.
Ela passou por ele sem olhar.
No espelho do vestiário, seus olhos estavam vermelhos, mas vivos.
E pela primeira vez, ela odiou a sensação de fugir.
Morgana chegar no apartamento:
Dona Cândida encostada na porta, braços cruzados, expressão dura.
Morgana
( Merda, qual dos filhos dela o irritou tão cedo?!)
Dona Cândida
Olha isso, a garota de programa chegou.
Morgana
Bom dia pra senhora também.
Dona Cândida
Vamos direto ao ponto. Preciso do aluguel. Hoje.
Morgana
Eu tenho. — abriu a bolsa com calma, mãos ainda trêmulas da noite anterior. — Só um minuto...
Dona Cândida arqueou a sobrancelha, desconfiada. Morgana puxou o envelope grosso. Ao abrir, notas verdes e inteiras caíram sobre a palma.
Dona Cândida
Menina do céu... onde arrumou esse dinheiro? — ela deu um passo pra trás, olhos arregalados.
Morgana
(Ontem... eu vi só um rolo. Não sabia que eram notas altas). Não importa, aqui está.
Morgana dividiu o dinheiro, separando uma parte generosa.
Morgana
Aqui. Pelos meses atrasados... e quatro meses adiantados.
Dona Cândida
Quatro meses?
Morgana
É. Eu não quero mais ficar devendo. Cansei disso.
A senhora pegou o dinheiro com as duas mãos, sem conseguir esconder o espanto.
Dona Cândida
Tanto faz. Só não atrasar de novo, por que não vou tolerar.
Morgana
(sorrindo fraco) — Sim senhora.
Ela virou as costas, subiu as escadas rápido. Abriu a porta do pequeno apartamento.
*Sala mal iluminada. TV ligada. Miguel acordado no sofá, abraçado ao travesseiro.*
Morgana suspirou fundo.
Morgana
Miguel... você já está acordado, filho?
Nada. Ele nem virou o rosto.
Ela se aproximou, ajoelhou ao lado dele.
Ele continuou encarando a TV, mudo. Só as mãos se apertavam contra o travesseiro com força.
Morgana
Filho... fala comigo, por favor.
Nada.
Ela sabia. Quando ele ficava assim, era porque está chateado.
Morgana
(baixinho) — Eu tentei voltar antes... juro. Mas... não consegui.
Ela passou a mão com cuidado no cabelo dele.
Morgana
Me desculpa, Miguel. Mamãe tá fazendo o que pode. Eu prometo que isso tudo é por você.
Ela se sentou no chão, encostada no sofá, o rosto virado pra ele.
Morgana
Você ainda quer me fazer rainha?
Nada. Mas ele apertou o travesseiro um pouco menos.
Era o suficiente. Ela fecharia os olhos ali mesmo, só pra ouvir ele falar com ela de novo.
Morgana
Quer sair um pouco com a mamãe hoje?
Miguel, deitado no sofá, virou o rosto lentamente. Seus olhos acenderam.
Morgana
É. Um passeio só nosso. No parque. Só você e eu.
Miguel assentiu com um brilho raro nos olhos. Ela sabia que aquele “sim” silencioso era um milagre.
Miguel vai rapidamente trocar de roupa. Deixando Morgana sozinha.
Morgana
( Acho que não tem problema gastar um pouco)
No parque.
Miguel ria baixinho enquanto corria atrás das folhas que voavam. Morgana o observava, sentada num banco, finalmente vendo o filho leve.
Miguel
*Olha para sua mãe* __Mamã estou com cede
Morgana
Cede??.... Deixa eu ver __ observa o redor __fica aqui, Mamãe já volta com o gelado...
Ele assentiu, ainda com um sorriso tímido. Morgana se afastou.
Miguel observava tudo à volta. O vento, os cachorros, as árvores. Até que viu algo se arrastando entre as moitas. Um cachorrinho, pequeno, tremendo, com sangue nas patas.
Miguel se levantou devagar. Aproximou-se.
O cachorro andava devagar, como se pedisse ajuda. Miguel seguiu.
Morgana, com os dois gelados na mão, volta sorrindo.
Morgana
Olha o que eu trouxe!
Ela congela. O banco está vazio.
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