Capítulo 4

 Depois da Festa

A madrugada já havia engolido a última música. O salão estava vazio, exceto pelas taças esquecidas, os rastros de perfume no ar e as memórias da noite que ninguém teria coragem de apagar.

Na ala privada da mansão, a atmosfera era outra. Silenciosa. Quente. Carregada.

Valentim e Gregori foram chamados ao escritório de reuniões. As portas duplas se abriram com um estalo seco. Sentados à frente da lareira estavam Alexei, Demitire, Aline e Nikolai. Nenhum deles sorria.

Eles sabiam que havia chegado o momento inevitável.

Valentim entrou primeiro, impecável, apesar do cansaço no rosto. Gregori veio logo atrás, menos rígido, mas com a firmeza de quem já havia atravessado guerras invisíveis ao lado do outro.

— Sentem-se. — A voz de Alexei ecoou pelo ambiente.

Eles obedeceram. Nenhum dos dois hesitou.

— O que aconteceu hoje... — começou Aline, os olhos castanhos fixos em Gregori — ...foi o começo de algo muito maior. Não só pela exposição, mas pela reação. O mundo está observando vocês. A máfia está observando.

— E isso significa que a infância acabou. — completou Demitire, entrelaçando os dedos. — O que antes era treino, agora é preparo real. O que antes era só olhar... virou sentimento. E isso tem peso.

Gregori manteve-se firme, mas seus olhos procuraram os de Nikolai. O loiro sorriu levemente.

— A gente sabia. — disse Nikolai. — Sabia desde o dia em que você se colocou na frente de Valentim durante a simulação de ataque na infância. Não foi instinto. Foi escolha.

Valentim não disse nada. Mas seu maxilar travado denunciava o esforço para manter o autocontrole.

Alexei então se inclinou para frente, os olhos azuis mais frios do que o inverno russo.

— Vocês são herdeiros do caos. — disse. — Foram criados com ferro, sangue e honra. E hoje, deixaram claro que não são mais garotos. A questão é: estão prontos para tudo que virá com isso?

Gregori respondeu primeiro, a voz firme:

— Eu nasci para isso. E não vou recuar.

— Eu também não. — completou Valentim, sem titubear. — E se for preciso transformar o mundo em cinzas para proteger o que é meu… eu vou fazer isso sem arrependimento.

O silêncio que seguiu não foi de reprovação. Foi de orgulho.

Aline se levantou, caminhou até eles e colocou as mãos sobre os ombros dos dois.

— A única coisa que pedimos... — disse, com a voz mais suave — ...é que não se destruam no processo. Sentimento é arma, mas também pode ser fraqueza se mal usado. Cuidem um do outro.

— Vocês têm a nossa bênção. — disse Nikolai. — Mas cuidado: o amor entre filhos de monstros cria tempestades. E nem todos sabem nadar nelas.

Valentim assentiu.

Gregori também.

Demitire, então, sorriu pela primeira vez naquela noite.

— Bem-vindos ao mundo real. Agora vocês não são apenas nossos filhos. São parte da guerra.

E naquele instante, os dois sabiam: a partir dali, não havia mais volta.

Eles não eram apenas Valentim e Gregori.

Eram herdeiros do caos.

O ar ainda estava denso, carregado por tudo o que não precisava ser dito. Aquela sala já testemunhara estratégias de guerra, julgamentos de traições e pactos de sangue. Agora, era palco do nascimento de uma nova era.

Alexei se recostou na poltrona de couro escuro e encarou os dois rapazes. Havia algo no olhar dele — uma mistura de orgulho e temor. Não pelo que Valentim e Gregori poderiam se tornar, mas pelo que já eram.

— O mundo lá fora não vai ter piedade de vocês. — disse ele, com frieza. — Eles vão usar tudo que vocês sentem um pelo outro como arma. Amor, posse, lealdade… tudo pode virar fraqueza se vocês não souberem proteger um ao outro com inteligência, não só com fúria.

— É por isso que vocês vão começar o treinamento oficial. — disse Nikolai, sua voz grave, cortando como aço. — Nada de simulações. Nada de testes infantis. As próximas semanas vão definir se vocês vão liderar ou ser destruídos.

Gregori respirou fundo, mas não hesitou.

— Estamos prontos.

— Sempre estivemos. — Valentim completou, os olhos fixos nos de Alexei.

Demitire se levantou, caminhando até a janela, de onde dava para ver o jardim interno iluminado pela lua. Ele cruzou os braços, pensativo, antes de falar.

— Cuba ainda está se reerguendo da queda da linhagem De La Cruz, mas os aliados deles não vão esquecer. E vocês dois deixaram claro, naquela festa, onde estão suas alianças e até onde estão dispostos a ir.

Aline se aproximou dos filhos, o olhar terno contrastando com a dureza do momento.

— Vocês carregam dois sobrenomes perigosos. Mas estão prestes a criar o próprio. O mundo ainda não conhece o poder de quem nasce do caos… mas vai conhecer.

— E quando conhecer... — Alexei murmurou, levantando-se — ...que tenham medo.

Um leve sorriso surgiu no canto dos lábios de Valentim. Gregori estava mais sério, mas havia algo aceso dentro dele. Um brilho que não existia antes daquela noite.

— O treino começa amanhã, às cinco da manhã. — avisou Demitire. — Sejam pontuais. E tragam suas decisões com vocês. Porque no mundo em que vocês estão entrando… tudo é colocado à prova. Até o que sentem um pelo outro.

Eles assentiram.

Gregori olhou para Valentim por uma fração de segundo, e naquele olhar não havia mais dúvida. Havia fogo. E pertencimento.

A reunião terminou. Eles saíram da sala sem mais uma palavra.

O corredor estava silencioso, mas a tensão ainda os envolvia. Caminhavam lado a lado, ombro a ombro, como dois generais que conheciam o peso da guerra.

Ao chegarem à bifurcação, Gregori parou.

— Você acha que eles vão tentar nos separar? — perguntou, sem virar o rosto.

Valentim sorriu, frio, perigoso.

— Quem tentar... não vai sobreviver para tentar de novo.

Gregori apenas assentiu.

A guerra havia começado.

E os herdeiros do caos estavam prontos para queimar o mundo — juntos.

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Patricia Eloi

Patricia Eloi

mas capítulo

2025-07-29

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