O vento cortante da superfície de Sota açoitava o corpo recém-fortalecido de Roberto, o Imp. O cheiro de pó, de pedra e de algo morto no ar era um contraste agudo com a umidade sufocante da caverna. Ele estava em um novo palco, um lugar que prometia desafios ainda maiores. Seus sentidos aprimorados, no entanto, captaram algo fora do comum, algo que seu treinamento policial jamais esperaria naquele mundo sombrio: um choro.
Era um som baixo, abafado pelo vento, mas inconfundível. Um lamento fraco, quase infantil, vindo do emaranhado de árvores retorcidas e esqueléticas que se estendiam pela planície estéril. Um choro humano, ou algo muito parecido. Seu instinto de policial, o instinto de proteger o inocente, mesmo que agora habitasse o corpo de um demônio, disparou.
Ele ativou a [Habilidade Predador]. Seus olhos âmbar focaram, e o mundo ao seu redor pareceu ganhar contornos mais nítidos. As árvores e rochas desapareceram momentaneamente, substituídas por um rastro de energia fraca e um contorno sutilmente brilhante em meio à vegetação morta, indicando a fonte do choro. O custo de 5 MP foi mínimo, mas a clareza da direção era inestimável.
Roberto seguiu o rastro, movendo-se com sua nova agilidade aprimorada entre os troncos contorcidos. A cada passo, o choro ficava mais distinto, mais desesperado. Ele se aproximou com cautela, usando sua [Furtividade] para não ser detectado. Não sabia o que o esperava, mas o som daquele sofrimento o puxava.
Ele parou à beira de uma pequena clareira rochosa, escondido entre as raízes grossas de uma árvore morta. Lá, encolhida no chão frio, estava uma figura que o surpreendeu. Era uma demônio fêmea, visivelmente uma adolescente, com a pele de um vibrante tom de vermelho. Pequenos chifres brotavam de sua testa, e uma fina cauda com ponta em formato de coração balançava nervosamente atrás dela. Ela estava visivelmente magra, seus ombros tremendo enquanto ela soluçava, os olhos grandes e vermelhos inchados de lágrimas.
Ela era uma Súcubo. Mas não uma súcubo de lendas, sedutora e poderosa. Esta era uma criatura frágil, desamparada, e incrivelmente vulnerável.
Roberto Hesitou por um breve momento. A mente do Imp gritava "presa fácil", "comida", mas a voz do Soldado Frances ecoava mais alto: "Criança em perigo".
Ele desativou a [Habilidade Predador] e se revelou, caminhando lentamente para a clareira. Suas pequenas garras de Imp rasparam na rocha, produzindo um som sutil.
A súcubo levantou a cabeça abruptamente, seus olhos vermelhos arregalados de medo ao vê-lo. Ela recuou, arrastando-se para trás, tentando se encolher ainda mais.
"Não... não se aproxime..." A voz dela era rouca e fraca, um mero sussurro.
Roberto parou a uma distância segura, levantando suas pequenas garras em um gesto que esperava que fosse interpretado como não-ameaçador. "Não vou te machucar", ele chiou, sua voz de Imp ainda estranha para ele, mas tentando transmitir calma. "Eu ouvi seu choro."
A súcubo o olhou com desconfiança, mas o desespero em seus olhos era mais forte que o medo. Ela devia estar faminta, exausta.
"Quem... quem é você? Outro... outro demônio?" Ela se atreveu a perguntar, a voz ainda embargada.
"Eu sou... Roberto", ele respondeu. "E você?"
A súcubo hesitou. "Eu sou... Lyra." Seus ombros caíram. "Eu... eu fui exilada."
Roberto esperou. Lyra parecia precisar desabafar, e ele tinha uma estranha empatia por ela.
"Meus... meus irmãos e irmãs... eles me chamaram de inútil", ela continuou, as lágrimas voltando. "Uma Súcubo... não pode viver sem se alimentar de emoções... ou... ou... ou de vida. E eu... eu não consigo. Eu não consigo tirar a vida de nenhum ser vivo. Eu tentei... juro que tentei. Mas... a primeira vez que vi... que vi um humano... chorando de medo... eu não consegui. Meus instintos... não funcionam direito." Ela soluçava, tremendo. "Eles disseram que eu não sirvo para nada. Que eu sou fraca. Que não mereço o nome de súcubo. Eles me jogaram para fora do Reino dos Demônios. Eu não consigo... não consigo nem me alimentar sozinha."
Ela estava faminta. Desesperadamente faminta. Uma súcubo que não conseguia ser uma súcubo. Roberto sentiu uma pontada de compreensão. Ele, um policial que havia poupado uma vida e morrido por isso, agora um demônio que devorava cadáveres. Ela, uma súcubo que não conseguia ceifar uma vida, e por isso estava morrendo de fome. A ironia era brutal.
A mente de Imp de Roberto, pragmática, calculou: um aliado fraco, sim, mas talvez útil. A mente do Soldado Frances pensou: uma alma perdida, uma vítima, como as que ele jurou proteger.
Roberto observou Lyra, a pequena súcubo de pele vermelha, encolhida no chão frio e desolado de Sota. Seus olhos injetados de tanto chorar, a magreza evidente sob a pele escura. Ela era o epítome da vulnerabilidade, algo que seu instinto de policial não podia ignorar, mesmo em seu novo corpo demoníaco.
"Lyra", a voz de Imp de Roberto soou um pouco mais suave, tentando não assustá-la ainda mais. "Se você não pode... se alimentar... como você sobreviveu até agora?"
Ela ergueu o rosto, seus grandes olhos vermelhos marejados. "Eu... eu... tenho comido frutas podres... e alguns insetos que encontro debaixo das rochas", ela respondeu, a voz fraca. "Mas não é o suficiente. Estou... estou morrendo de fome." Ela abraçou os braços finos em torno de si, tremendo. "Minhas habilidades... elas são para sugar emoção e vida... não para caçar como um animal. E eu... eu não consigo fazer o que meus irmãos fazem. Não consigo..." Sua voz se perdeu em um soluço.
Roberto sentiu um misto de pragmatismo e uma estranha compaixão. Uma súcubo que não conseguia ser súcubo. A situação era grotesca, mas ele a entendia, de certa forma. Ele mesmo, um policial que não conseguia tirar uma vida, e agora obrigado a devorar cadáveres para viver.
"Eu posso te ajudar", Roberto chiou, a decisão tomada. "Eu tenho um jeito de conseguir comida. Você não vai passar fome aqui comigo."
Os olhos de Lyra se arregalaram. "Você... você faria isso?" Ela parecia não conseguir acreditar. A surpresa e a esperança em sua voz eram quase dolorosas de se ouvir.
"Sim", ele confirmou. "Mas não será de graça. Não estou fazendo caridade." A mente de policial pragmática de Roberto nunca o abandonava. "Você pode ser útil. Se você for uma súcubo, deve ter outras habilidades, não é? Talvez você possa me ajudar a entender este mundo."
Lyra hesitou por um momento, mas a oferta de alimento era forte demais para recusar. E a perspectiva de ter alguém, mesmo um Imp, era um alívio imenso. "Eu... eu tenho algumas habilidades. Eu posso sentir auras, e... e posso me camuflar um pouco. Mas são fracas."
"Bom o suficiente por enquanto", Roberto respondeu. "Você pode me acompanhar. Mas minha proposta é clara: é apenas até que você consiga caçar e conseguir seu próprio alimento sozinha. Até que você possa se defender." Ele não queria uma carga, queria uma parceira que se tornasse autossuficiente. Aquele mundo não tinha espaço para dependentes a longo prazo.
Os olhos de Lyra brilharam com uma nova determinação, apesar de sua fragilidade. "Eu entendo! Eu farei o meu melhor para aprender! Eu prometo!"
Roberto acenou com a cabeça. Uma estranha dupla havia sido formada nas planícies estéreis de Sota. Um Imp com a alma de um policial, devorador de cadáveres, e uma súcubo misericordiosa, incapaz de cumprir sua natureza. A ironia da situação não passou despercebida por ele.
"Vamos", Roberto disse, virando-se para o vento uivante. "Temos que encontrar um lugar para passar a noite. E para você, comida." Seus olhos âmbar varreram a paisagem, ativando discretamente a habilidade [Predador]. O mundo de Sota era vasto e perigoso, mas agora ele não estava mais sozinho. E ele tinha uma boca a mais para alimentar, o que significava mais lutas, mais cadáveres, mais EXP. Uma jornada, talvez, mais brutal do que ele havia imaginado.
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Atualizado até capítulo 44
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