Depois que as lágrimas secaram e o chá já esfriava na cômoda, minha mãe me soltou devagar, como se ainda quisesse me proteger de alguma forma. Mas eu sabia que não dava mais pra fugir. Eu precisava descer desse quarto, precisava continuar.
Ela se levantou, ajeitando os cabelos ruivos com os dedos, e me estendeu a mão com um pequeno sorriso de canto.
— Vamos ver a Isa? Ela deve estar terminando o banho.
Assenti em silêncio e me levantei, entrelaçando meus dedos nos dela, como se isso me desse um pouco mais de coragem.
Caminhamos pelo corredor iluminado até o quarto da pequena. Quando entramos, a cena era simples, mas trouxe uma pontada de aconchego no peito. Isa estava rindo, envolta numa toalha macia, com a babá ao lado, penteando os fios vermelhos ainda molhados. O cheiro de sabonete infantil preenchia o ar, tão familiar, tão caseiro.
— Olha quem veio te ver — a babá disse, abrindo espaço para nós.
Isa correu até nós com o passo desajeitado de quem ainda estava aprendendo a equilibrar o mundo.
— Nina! Mamãe! — Ela sorriu largo, abraçando primeiro a minha mãe e depois a mim. — Eu tô limpinha, viu? Tô cheirosa.
Abracei meu pequeno furacão, sentindo o coração apertar de novo.
— Tá sim, meu amor… tá cheirosa demais.
— Vai jantar comigo? — Ela olhou pra mim com aqueles olhos brilhantes que não entendiam nada da mudança que estava prestes a acontecer.
— Claro que vou.
Descemos juntas para a sala de jantar, onde a Maria já havia deixado tudo pronto. O cheiro da comida quente se espalhava pela casa, como um convite silencioso para deixarmos os problemas do lado de fora, pelo menos por alguns minutos.
Nos sentamos à mesa: eu, Lorena e Isa, com a babá ao fundo, sempre atenta. Maria circulava pela cozinha, trazendo as travessas com leveza.
— Maria, como sempre, tudo perfeito — minha mãe disse com um sorriso breve.
— Faço com carinho, senhora.
A comida foi servida, e Isa começou a tagarelar sobre coisas simples, como as bonecas, a creche, e como ela iria sentir falta da amiguinha Julia. Eu só conseguia ouvir as palavras, sem absorver muito, ainda presa na ideia da mudança.
Até que a voz firme da minha mãe puxou minha atenção de volta.
— Nós precisamos ir o mais rápido possível. — Ela cortava a carne no prato com precisão. — Amanhã mesmo vou resolver a matrícula da Isa. Já entrei em contato com a escola, eles podem aceitar ela no meio do ano letivo. Tudo está se alinhando.
Engoli em seco, mexendo no arroz no meu prato.
— Já tão rápido assim? — Minha voz saiu baixa, quase como um pedido mudo pra adiar tudo.
— Sim. Quanto mais cedo resolvermos tudo, melhor. Não quero ficar aqui tempo demais. Já organizei boa parte da documentação. — Ela levantou os olhos para mim. — E você… também pode pensar sobre a faculdade. Em Maiol não teria tantas opções. Na Califórnia, talvez as portas se abram pra você, Nina.
Fiquei em silêncio. Eu sabia que ela estava certa. Sabia que a cidade pequena onde vivemos até hoje já não me oferecia muito. Mas mesmo assim, o medo de largar tudo me consumia.
— A gente vai ficar bem, filha. Vai ser uma nova chance pra todas nós — ela garantiu, com aquela força de quem já tinha decidido.
Assenti, tentando convencer a mim mesma de que, talvez, fosse mesmo o melhor caminho.
Talvez.
E enquanto Isa balançava as perninhas animada, a vida que eu conhecia começava a se despedir devagar, sem pressa, mas sem volta.
Depois do jantar, a casa parecia mais leve. Talvez fosse o efeito da rotina, ou o jeito que a Isa espalhava alegria sem nem se dar conta. Nós três fomos para a sala, onde ela logo escolheu um filme infantil — um daqueles que ela já tinha assistido mil vezes, mas sempre ria como se fosse a primeira.
Sentamos no sofá, a Isa entre eu e minha mãe, com a coberta favorita dela abraçando o corpo pequeno. Eu fiquei passando a mão devagar pelos cabelos vermelhinhos dela, enquanto tentava focar no desenho que se desenrolava na tela.
Minha mãe estava mais relaxada agora, com um leve sorriso no rosto, como se a decisão da mudança já fosse um peso a menos nas costas.
O tempo passou devagar, e o calor da sala, somado ao som manso da TV, foi deixando a Isa cada vez mais sonolenta. Ela bocejou algumas vezes, se aninhando no meu braço, até que, às 21:25, ela simplesmente desabou no sono.
Minha mãe percebeu e se levantou com cuidado, pegando a Isa no colo, ajeitando a cabeça da pequena no ombro dela com delicadeza.
— Ela capotou — comentei, me levantando junto.
— É, ela brincou bastante hoje. — A voz da minha mãe soou baixa, quase carinhosa.
Ela se virou para subir as escadas, mas antes de colocar o primeiro pé no degrau, me olhou.
— Boa noite, filha. Descansa também, amanhã temos um longo dia.
Assenti com um sorriso pequeno.
— Boa noite, mãe.
Subimos juntas, cada uma em seu ritmo. Ela seguiu para o quarto da Isa, e eu entrei no meu, fechando a porta atrás de mim com um leve clique.
O quarto estava calmo, silencioso, como se fosse um refúgio só meu. Troquei de roupa devagar, coloquei meu pijama confortável e me joguei na cama, tentando não pensar demais. Amanhã seria um dia importante. Eu ainda não sabia como ia me despedir da Gabi, nem como seria começar tudo de novo em outro lugar.
Mas agora, só queria descansar.
Me enrolei nas cobertas, me permitindo sentir, pela primeira vez no dia, um pouco de paz. O sono veio rápido, como se meu corpo estivesse implorando por aquilo.
E naquela noite, cada uma de nós dormiu no seu quarto. Mas, no fundo, eu sabia que os nossos caminhos estavam prestes a mudar para sempre.
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Atualizado até capítulo 67
Comments
Odete Cabral
tá é bom de mais, amigaaaaa( nem te conheço mais está tudo bem) 😘😘😘😘😘
2025-07-17
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Niputu Prizathena
Esse livro me deixou acordada a noite toda! Valeu a pena!
2025-07-08
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