Subi as escadas com passos apressados, o peito apertado e a garganta queimando. Eu precisava sair dali. Precisava fugir do olhar calmo e frio da minha mãe, daquela decisão que parecia inquestionável. Quando fechei a porta do meu quarto, foi como se finalmente pudesse respirar, mas nem isso me trouxe alívio.
Me joguei na cama, os olhos marejados encarando o teto. O mundo inteiro parecia querer me arrancar daqui. Como se tudo o que me prendia — minha melhor amiga, meus lugares, minhas rotinas — não valesse nada.
Me encolhi, tentando não deixar o choro explodir. Mas era impossível.
Alguém bateu na porta. Eu não respondi.
A maçaneta girou devagar, e Maria apareceu no quarto. Ela sempre foi mais que uma governanta. Ela era como uma segunda mãe. Ela ouviu tudo lá de baixo, claro que ouviu. Nenhuma porta fechada naquela casa era capaz de conter um grito de desespero como o meu.
— Posso? — Ela perguntou com delicadeza.
Assenti, as lágrimas finalmente rolando pelo meu rosto.
Ela se aproximou, sentou-se ao meu lado e, sem dizer nada, abriu os braços. Eu me joguei ali, no abrigo seguro que era Maria, e chorei como se fosse uma criança de novo.
— Eu não quero ir, Maria… eu não quero deixar a Gabi… não quero deixar a minha vida aqui.
Ela afagou meus cabelos devagar, como fazia quando eu era pequena e caía de bicicleta.
— Eu sei, minha menina… eu sei que dói. — A voz dela era um sussurro quente e firme. — Mas às vezes a vida muda de caminho sem nos perguntar. Às vezes é nesses caminhos que a gente encontra o que mais precisa.
— Eu não pedi nada disso. — Sussurrei, engasgada no próprio choro. — Eu só queria ficar…
— Eu entendo. — Ela me afastou um pouco, para me olhar nos olhos. — Mas a sua mãe está tentando o melhor pra vocês. Talvez lá você encontre oportunidades que não teria aqui. Talvez seja o seu momento de crescer, Nina. Quem sabe até fazer aquela faculdade que você tanto fala?
Desviei o olhar, mordendo o lábio.
— Mas eu vou ficar tão longe da Gabi…
— Amizades verdadeiras resistem ao tempo e à distância, minha querida. — Ela sorriu com ternura. — E você pode visitar, ligar, mandar mensagens. O que vocês têm não vai se desfazer assim tão fácil.
O silêncio se arrastou por alguns segundos. Eu queria acreditar nisso. Queria muito. Mas ainda doía demais.
— Eu não tô pronta, Maria. Eu não sei se algum dia eu vou estar.
Ela segurou minhas mãos com força.
— Você é mais forte do que pensa, Nina. E eu estarei com você em cada passo. Sempre.
Meus olhos se encheram de lágrimas de novo, mas dessa vez não era desespero. Era um alívio estranho, como se o abraço dela tivesse sido o único lugar onde eu podia respirar sem me sentir sufocada.
A mudança era inevitável. Mas, talvez, com Maria ali, não fosse impossível.
Fiquei ali, sentada na beirada da cama, enquanto a Maria ainda me abraçava, tentando juntar as minhas forças partidas. Ela me soltou devagar, como se soubesse que eu precisava de espaço, mas ainda estivesse perto o suficiente pra me segurar, caso eu desmoronasse de novo.
— Quer que eu prepare um chá? Um chazinho de calumbila pode te acalmar, meu bem.
Eu funguei, passando o dorso da mão nos olhos molhados.
— Quero… por favor, Maria.
Ela sorriu de leve e saiu, me deixando sozinha no quarto. Sozinha com meus pensamentos, com a dor crescendo no peito e a cabeça girando com tantas perguntas sem resposta.
O som de uma batida suave na porta me tirou da imersão no próprio vazio.
— Nina, posso entrar?
Era minha mãe. Lorena.
Fiquei em silêncio por um segundo, sem saber se queria vê-la ou se preferia continuar me afundando ali, longe dela. Mas alguma coisa dentro de mim me mandou dizer sim.
— Pode.
Ela entrou com passos calmos, as mãos cruzadas à frente, o olhar firme, mas carregado de algo que eu nunca tinha visto antes: um tipo de cansaço, de saudade que ela ainda nem sentiu.
Sentou-se ao meu lado na cama, mantendo uma pequena distância. Parecia que ela queria me dar espaço. Mas ao mesmo tempo, ela estava ali.
— Eu sei que não é o que você queria ouvir hoje, filha. — A voz dela era suave, um pouco trêmula. — Mas essa mudança é necessária. Não só pra mim… pra você também. E, principalmente, pra Isa.
Eu mordi o lábio com força, tentando conter as lágrimas, mas o peso era grande demais.
— Mãe, eu não quero ir. Eu não quero deixar a Gabi. Eu não quero deixar a minha vida. — Senti minha voz falhar, o peito doer mais do que eu podia suportar.
Ela suspirou e virou-se um pouco mais pra mim.
— Nina, aquela cidade não te pertence mais. Você merece mais. O mundo é grande demais pra você ficar presa a um único lugar. — Ela colocou a mão sobre a minha. — E a Isa… ela precisa crescer em um lugar diferente. Ela precisa de outras oportunidades, outras vivências. Ela é pequena, não entende isso agora, mas um dia vai entender.
Desviei o olhar, as lágrimas escorrendo sem controle.
— Eu entendo, mas isso não quer dizer que eu queira, mãe. Eu não tô pronta…
Ela apertou minha mão, os olhos começando a brilhar com a mesma umidade que os meus.
— Eu também não tô pronta, meu amor. Eu também vou sentir falta. Eu também tô com medo. — Ela me puxou com cuidado pro abraço. — Mas a gente vai juntas. E vamos criar novas lembranças. Vamos crescer com isso.
Me permiti afundar no abraço da minha mãe, sentindo o calor dela, o cheiro suave que sempre me trouxe segurança. E quando me dei conta, ela também chorava.
Ela, a mulher forte, a empresária impecável, a mulher que parecia inabalável… chorava.
— Você é meu bem mais precioso, Nina. Eu jamais te levaria pra um lugar que não fosse te fazer bem.
Chorei mais forte, me agarrando nela como se fosse meu porto. Como se ainda fosse aquela garotinha que corria pra debaixo da saia dela quando tinha medo.
E talvez, de certo modo, eu ainda fosse.
A porta se abriu devagar e Maria apareceu, segurando a bandeja com o chá.
Ela sorriu ao ver a cena, deixando o chá sobre a cômoda em silêncio, respeitando aquele momento. E antes de sair, sussurrou:
— O chá pode esperar. O amor de vocês não.
Lorena me apertou com mais força, como se concordasse.
Talvez eu fosse mesmo forte o suficiente pra ir. Mesmo que não quisesse.
Talvez.
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Atualizado até capítulo 67
Comments
Odete Cabral
lindo momento de mãe e filha 💖😻
2025-07-17
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