Abro os olhos e vejo a claridade. Pisco várias vezes e ouço sussurros. Viro o rosto para o lado e vejo minha mãe e minha tia abraçadas, chorando, com umas três pessoas vestidas com uniformes brancos ao meu redor.
Dois meses se passaram aqui no hospital, desde quando acordei. Agora eu já conseguia tomar banho sozinha no chuveiro do hospital. Ainda estranhava o meu corpo e não me reconhecia. Eu, que antes tinha duas bolinhas de gude no peito, agora as tinha do tamanho de uma laranja.
Para mim, parecia que ainda tinha doze anos... mas acordei com dezessete. Fiquei em coma por cinco anos. Levei um tiro na cabeça e outro na perna. Mas eu era um milagre — estava viva, me recuperando, um dia de cada vez.
Minha mãe me contou que, ao me ver ferida, Petruchio se entregou, na tentativa de acabar com o confronto daquele dia. Outras duas pessoas também foram alvejadas, mas sem gravidade. Eu fui a única criança atingida — e a mais prejudicada.
Perguntei pelas crianças que se esconderam debaixo do carro, mas ninguém soube me responder. Graças às conexões da minha tia, fui tratada no melhor hospital particular da cidade, onde permaneci durante todos esses cinco anos.
Encontrei um refúgio interessante aqui. Achei um acesso ao terraço do prédio e, às vezes, me escondia lá. Sentava na beira e admirava aquela vista incrível: as luzes piscando ao longe e a brisa fria da noite me davam uma sensação de vida.
Num final de tarde, dei uma escapada para o meu esconderijo. Sentei-me e aproveitava o pôr do sol, esperando pela noite...
Foi quando um paciente apareceu e subiu direto no parapeito ao meu lado.
PACIENTE: Não tente me impedir!
ZOE: Vai em frente! Só estou aqui pela vista.
PACIENTE: Não está tentando se matar?
ZOE: Eu acabei de reviver. Por que me mataria?
Ele desceu e sentou ao meu lado.
PACIENTE: Como assim?
ZOE: Estive em coma por cinco anos! Desacreditada pelos médicos, mas de repente acordei — e agora estou aqui, prestes a receber alta. Em breve, voltarei pra casa.
PACIENTE: E o que te aconteceu?
ZOE: Levei dois tiros, na festa do Dia das Crianças da comunidade onde moro. Morro Dosnove. Conhece?
PACIENTE: Não... Quantos anos você tem agora?
ZOE: Doze. Quer dizer... dezessete! Ainda é difícil se acostumar. [risos]
Ele olhava atento para o meu rosto, no meio da escuridão, e depois voltou os olhos para frente, de onde os meus não saíam.
PACIENTE: É uma vista incrível mesmo.
ZOE: Por que você quer se matar?
PACIENTE: Por viver uma boa vida... e me preocupar com algo que agora não faz nenhum sentido.
ZOE: [risos] Eu me chamo Zoe!
PACIENTE: Eu, Lorenzo.
Eu olho para encará-lo... e vejo que é o Lorenzo Cooper, meu artista predileto.
ZOE: Ai, meu Deus! Você é o Lorenzo cantor, mesmo?
LORENZO: Em carne, osso e remorso! [risos]
ZOE: Cara! Eu sou sua fã! Amo aquela sua música:
"É apenas outra noite / E estou encarando a Lua / Eu vi uma estrela cadente / E pensei em você..."
LORENZO: Essa é do meu primeiro álbum. Eu lancei mais cinco depois dessa.
ZOE: Cinco?! Eu ainda não conheço os outros... Mas tenho certeza que vou amar também! [rindo]
LORENZO: Obrigado! Já não tenho mais fãs da sua idade que ainda curtem minhas músicas.
ZOE: Como não? Você sempre foi o máximo! [risos]
Uma enfermeira aparece.
ENFERMEIRA: Eu sabia que você estava aqui, Zoe!
ZOE: Ops! Acho que me encrenquei! [risos]
ENFERMEIRA: E ainda trouxe um paciente!
Ela se aproxima, e nós nos levantamos, saindo do parapeito.
ENFERMEIRA: Senhor Cooper! O que faz aqui? É melhor o senhor entrar.
Ele assente com a cabeça para a enfermeira, vira-se para mim, me abraça e fala ao meu ouvido:
LORENZO: Obrigado, Zoe!
Fico sem entender do que ele me agradecia, mas empolgadíssima com o abraço que recebi. Voltamos para os quartos e, no dia seguinte, recebi uma linda cesta com mimos personalizados dele para mim. Tinha frutas, chocolates, uma caneca, uma bandana, uma camiseta autografada e um MP4 com todo o trabalho dele gravado ali.
DENISE: Soube que ele recebeu alta hoje de manhã.
SOLANGE: Ele estava presenteando todos os pacientes?
DENISE: Só a Zoe! Você o conheceu, querida?
ZOE: Sim, tia! Ontem à noite, no terraço.
SOLANGE: Você foi para o terraço de novo, Zoe?
Sorri sem graça e fiquei entretida, mexendo na cesta que ganhei do Lorenzo, até achar um cartão. Abri e li o bilhete dele, escrito à mão:
________________________________________
“A vida é um presente precioso, cheio de oportunidades, experiências e desafios. E por um momento eu me esqueci disso e me vitimizei. Ao te conhecer, pude compreender que esses momentos difíceis da vida são, na verdade, uma oportunidade de aprendizado e crescimento pessoal.
Obrigado, querida Zoe, por estar lá pela vista.
Obrigado por me fazer reviver.”
— Lorenzo Cooper
Tive alta e voltei para casa, onde me tornei a atração e o milagre da comunidade. Estava “famosa” por ter passado por aquela tragédia e sobrevivido. Mas algo não era como antes — eu não conseguia olhar para alguém armado sem começar a suar frio.
Dois meses depois, nos mudamos para uma quitinete próxima ao hospital, fora da comunidade. Minha mãe trabalhava como ajudante de cozinha no próprio hospital onde estive internada. Já fazia dois anos que ela havia conseguido esse emprego e, mesmo assim, ainda vendia seus sacolés por encomenda.
Aos poucos, fui retomando minha vida. Voltei a estudar: fazia supletivo à noite e, durante o dia, continuava o tratamento no hospital, indo três vezes por semana.
Aos dezenove anos, minha saúde já estava totalmente recuperada, mas eu ainda me sentia nervosa ao ver uma arma. Lutava para aceitar que não tinha mais doze anos, e isso dificultava fazer amizades na escola. Estava atrasada nos estudos, ainda cursando o ensino médio, e me sentia ridícula diante dos jovens mais novos. Acabei me fechando.
Em casa, ajudava minha mãe na produção dos sacolés e fazia as entregas.
Certo dia, cheguei da escola e me joguei no sofá, onde fiquei por cerca de meia hora. Depois, levantei e fui fazer o jantar — agora era eu quem cozinhava para a família, enquanto elas trabalhavam fora.
Liguei o som no volume alto e fiquei cantarolando os sucessos do meu querido Lorenzo Cooper, enquanto arrumava a casa. Foi então que meu celular começou a tocar...
ZOE: Oi, mãe!
SOLANGE: Abaixa isso, menina! Não escuto nada!
ZOE: Pode falar agora!
SOLANGE: Zoe, eu deixei separado aí uma sacola verde com 10 sacolés, que era para eu levar pra academia e esqueci.
ZOE: É, está aqui sim!
SOLANGE: Vou te passar o endereço e você entrega pra mim. É na academia do senhor Lázaro.
ZOE: Aquele paciente do hospital que conheci?
SOLANGE: Sim, querida! Passa lá e entrega pra ele, por favor!
Maínha me passou o endereço, e fui de bicicleta fazer a entrega. Chegando ao local, me deparei com um enorme letreiro na fachada escrito:
FRONT – Escola Profissionalizante de Vigilantes e Seguranças
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Atualizado até capítulo 46
Comments
Antic Duke
Será que esse prota será o cantor???
2025-07-15
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