CAPÍTULO 3.

📖 Capítulo 3 – O Rei Aposentado e a Mãe de Guerra

O dia amanheceu abafado no Vidigal. O sol mal tinha nascido e já queimava a pele de quem se aventurava pelas ruas estreitas, cheias de lixo, buracos e cheiro de esgoto misturado com café forte vindo das janelas abertas. Melissa ajeitou o lenço na cabeça, desceu as escadas de concreto rachado e seguiu para mais um dia de batalha. Alice ficou em casa com a vizinha dona Jurema, uma senhora boa, mas fofoqueira, que já avisara: “Qualquer coisa, corre, que o morro hoje tá fervendo”.

Na subida, um bonde de dez motos passou zunindo, empinando, todos com fuzis pendurados no ombro e bonés aba reta da Lacoste e Nike. Melissa desviou para não ser atropelada, coração disparado. As crianças na rua gritavam “OLHA O BONDE!” como se fosse algo normal. Para eles, era mesmo.

Quando chegou ao posto, o movimento era caótico. Homens feridos de bala, mulheres chorando, enfermeiros correndo. A coordenadora sequer olhou pra Melissa. Desiludida, ela se afastou e encostou-se na parede, pensando se aquilo tudo valia a pena. Foi quando sentiu a mão pesada no ombro.

Virou-se e deu de cara com um homem imponente, alto, pele marcada pelas rugas do tempo, barba por fazer, cabelo cortado na régua, usando bermuda da Hugo Boss, camisa polo branca da Lacoste com a gola levantada, relógio Rolex no pulso e corrente grossa de ouro no pescoço. Nos pés, um Mizuno brilhando. O perfume importado quase mascarava o cheiro de pólvora que impregnava a camisa.

— Tu é a Melissa, a moradora nova? — a voz era grave, rouca, gotejada de ódio e respeito ao mesmo tempo. Ele mascava chiclete com força.

— S-sou eu — respondeu, quase sem voz.

— Vem comigo, mina. O Dom quer trocar uma ideia contigo — disse ele, balançando a cabeça para que ela o seguisse.

Melissa respirou fundo. Não tinha escolha. Subiram ladeiras, desviaram de crianças jogando bola com garrafas PET, passaram por mulheres dançando funk nas lajes às 9 da manhã e homens cheirando carreiras de pó em cima do capô de um Gol rebaixado.

Chegaram numa casa de portão preto, muros altos, câmeras em cada canto. O portão se abriu sem que ninguém aparecesse. O segurança a empurrou para dentro.

No quintal, Dom estava sentado em uma cadeira de praia, barril de cerveja ao lado, copo de uísque na mão e duas putas rindo em volta dele. Vestia uma calça jeans destroyed da Diesel, camisa da Burberry aberta mostrando o peitoral cheio de tatuagens antigas, entre elas um grande “Vidigal é minha vida” no tórax. Seus olhos eram frios como pedra.

— Sai daqui, vadia — disse, estalando os dedos para que as mulheres sumissem. Quando ficaram a sós, ele apontou para a cadeira de frente, com um sorriso torto e cruel. — Senta aí, Melissa.

Ela sentou, sentindo a tensão dominar cada músculo. Dom a mediu dos pés à cabeça com um olhar experiente, como quem analisa uma arma. Olhou no fundo dos olhos de melissa e jogou o papo reto,

— Quando tu chegou eu pedi tua capivara pô. Sei que tu tá fudida, né? — perguntou, tirando o copo de uísque da boca, com sotaque carioca carregado.

Melissa respirou fundo. — É… tô precisando muito de um emprego, senhor.

— Não me chama de senhor, porra. Senhor é o caralho, me chama de Domingos ou de Dom. — Ele deu um sorriso gelado, balançando o gelo no copo. — Já falaram que tu é boa no que faz… dizem que tu tem peito, não corre de confusão. Gosto disso. Mais uma pena que teus trampo duraram pouco, bagulho foda para uma mãe solteira com 1 filha e viúva, já sei de tudo fia.

Ela apenas assentiu.

— Meu filho… o Terrorista… tá numa situação de merda. Moleque é cabeça quente, não aceita ser fraco, acha que a porra da cadeira vai matá-lo mais rápido que uma bala. — Ele respirou fundo, o olhar perdido por um segundo. — Mas eu ainda sou o rei disso aqui. E eu não aceito meu sangue se arrastando por aí como verme.

Melissa engoliu em seco.

— Vai cuidar dele, vai botar ele pra andar de novo. Se tu desistir, eu te quebro. Se tu fizer merda, tu morre. Mas se tu fizer certo… — ele abriu um sorriso cheio de dentes de ouro, jogando o maço de dinheiro na mesa — …cinco mil adiantado, mais bônus quando ele levantar.

Melissa olhou para as notas novas e brilhantes. Aquilo poderia mudar tudo para ela e sua filha. Mas também poderia ser a sentença de morte. Ainda assim, não hesitou.

— Eu topo — disse, firme, surpreendendo até a si mesma.

Dom inclinou-se, os olhos faiscando de ameaça. — Gosto de mulher assim. Mas cê vai ter que ser mais braba que ele. Terrorista é cruel. Pior que eu quando tinha a idade dele. Se mostrar medo, ele te destrói.

— Eu não tenho mais medo de nada, Dom — respondeu, a voz seca.

Ele deu uma risada curta, batendo palmas. — Porra! Isso aí! É assim que eu gosto! Vai em casa amanhã, o mano Gabriel vai te buscar. E nem pensa em desistir. Vai dar certo, ou vai dar muito ruim.

Melissa saiu de lá com as pernas bambas. O sol já rachava o morro, a fumaça das lajes subia como véu. As músicas de funk ecoavam entre becos, gritos de crianças e rojões estouravam ao longe avisando a chegada da polícia em outro ponto.

Quando chegou em casa, Alice correu até ela. — Mãe, conseguiu? — perguntou, com os olhos arregalados.

Melissa sorriu, lágrimas escorrendo. — Consegui, filha. A gente vai ter o que comer esse mês. E se Deus quiser, nos próximos também.

Ela abraçou a filha com força, como se quisesse protegê-la de todo mal que a rodeava. Mas lá no fundo, sabia: o morro não perdoa. E agora ela estava dentro do jogo.

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Comments

Leitora compulsiva

Leitora compulsiva

ansiosa para o encontro deles 💖💖

2025-07-07

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