Terra Molhada, Coração Ardente
A chuva caía fina naquela manhã, como se o céu também chorasse a perda que agora parecia impossível de suportar. Julie estava sentada na varanda da casa que um dia foi o lar dos dois, abraçando uma caneca de café que já esfriara há horas. As gotas de água escorriam pelo vidro, distorcendo a paisagem lá fora... mas nada era mais confuso e distorcido do que os próprios sentimentos dela.
Era estranho como o mundo parecia continuar girando enquanto, dentro dela, tudo tinha parado.
Ramon se foi.
Três palavras. Um fato. Mas ainda assim, toda vez que ela repetia aquilo para si mesma, parecia uma mentira mal contada.
Os dias depois do acidente tinham sido um borrão de rostos, abraços, palavras de consolo vazias e um silêncio ensurdecedor que preenchia cada canto da casa. Agora, semanas depois, o vazio era o único companheiro fiel.
Ela respirou fundo, tentando afastar a lembrança da última vez que viu o sorriso de Ramon. Aquela memória vinha como um soco no estômago toda vez.
E então, como sempre, o celular vibrou ao lado dela. Uma mensagem de Caleb.
"Oi, tô passando aí mais tarde pra deixar umas coisas que eram do Ramon. Precisa de algo?"
Julie encarou a tela por alguns segundos, os olhos marejados. Caleb... Ele parecia ser o único que entendia a profundidade da dor que ela estava sentindo. Talvez porque, de certa forma, ele também estivesse de luto.
Os dois tinham se apoiado um no outro nesses dias escuros. Eram conversas longas e silenciosas, às vezes uma cerveja no fim da tarde, outras vezes apenas um olhar compartilhado de quem não precisava de palavras.
Ela digitou uma resposta rápida:
"Vem. Só... vem."
Sem saber, naquele simples convite, Julie estava abrindo uma porta que mudaria tudo.
Ela levantou-se, caminhando até o quarto. As roupas de Ramon ainda estavam penduradas no armário, o perfume dele ainda pairava no ar. E o coração dela... ainda dividido entre a dor e uma confusa necessidade de se sentir viva de novo.
E naquele momento, com os olhos fechados e a testa apoiada na porta de madeira, ela sussurrou para si mesma:
— Eu não sei como seguir... mas eu preciso tentar.
Mal sabia ela que, em breve, o destino colocaria Caleb bem no meio desse caminho.
O som da caminhonete de Caleb estacionando na frente da casa fez o estômago de Julie revirar. Ela se perguntou, por um instante, o porquê daquela ansiedade repentina. Não era como se aquilo fosse incomum. Ele já tinha aparecido ali outras vezes desde... o acidente.
Mas hoje parecia diferente.
Ela abriu a porta antes mesmo que ele batesse. Caleb estava com o capuz da jaqueta encharcado pela chuva, o olhar cansado, as olheiras profundas denunciando que ele dormia tão pouco quanto ela.
— Trouxe as coisas dele... — ele disse, levantando uma caixa de papelão como se fosse uma espécie de oferenda dolorosa. — Algumas estavam na minha casa desde o último churrasco que fizemos.
Julie deu um passo para o lado, abrindo espaço para ele entrar. A caixa parecia mais pesada do que realmente era, pelo significado que carregava.
O silêncio entre os dois era denso, quase palpável.
Caleb colocou a caixa sobre a mesa da sala, passou a mão pelos cabelos molhados e suspirou.
— Tem certeza que quer ver isso agora? — perguntou, a voz grave e baixa.
Julie hesitou por um momento antes de assentir. — Não sei se vou estar mais preparada amanhã... ou depois.
Ele apenas concordou, e juntos começaram a tirar os objetos da caixa. Uma camiseta velha com o nome da banda favorita de Ramon, um boné surrado, algumas chaves que ela nem sabia de onde eram. Tudo aquilo trazia de volta memórias que ela não sabia se queria lembrar ou esquecer.
Em algum momento, Julie percebeu que estava chorando em silêncio. As lágrimas desciam pelo rosto sem que ela conseguisse controlar.
E foi aí que Caleb fez o que ela menos esperava: se aproximou devagar e a puxou para um abraço. Um abraço apertado, forte, como se tentasse segurar os pedaços quebrados dela com os próprios braços.
Por alguns segundos, ela se permitiu afundar naquele conforto estranho. Era errado. Muito errado. Mas ao mesmo tempo... era a primeira vez em semanas que ela se sentia segura.
O cheiro de Caleb era diferente do de Ramon... mais amadeirado, com aquele toque de cerveja e gasolina que ele sempre carregava. Ela fechou os olhos, respirando fundo.
De repente, ela se afastou, confusa e com o rosto quente.
— Desculpa... — ela sussurrou, limpando as lágrimas com as costas da mão.
— Não precisa se desculpar — ele respondeu com a voz rouca, olhando para ela de um jeito que a fez perder o ar por um segundo.
Os olhos dele carregavam a mesma dor. A mesma saudade. Mas havia algo mais ali... algo que Julie preferiu fingir que não percebeu.
Antes que a situação ficasse ainda mais estranha, Caleb pigarreou, enfiou as mãos nos bolsos da calça e disse:
— Vou indo. Qualquer coisa... me chama.
Ela apenas assentiu, observando enquanto ele saía e a porta se fechava atrás dele.
Sozinha de novo, Julie se encostou na parede da sala, o coração batendo rápido, como se o mundo estivesse prestes a mudar mais uma vez.
Mal sabia ela... que de fato estava.
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Atualizado até capítulo 40
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