Três dias se passaram desde a decisão silenciosa entre as lobas da casa O’Faoláin. Três dias de rotina disfarçada, de sorrisos tensos e olhares trocados com códigos antigos. A casa seguia viva por fora. Mas por dentro, se transformava numa caverna secreta de resistência.
Arianwen passava boa parte das manhãs com a mãe, cuidando das ervas, secando raízes, peneirando pós curativos. Os dedos dela tocavam cada planta como se despertassem sua essência. Era um dom que ninguém mais no clã possuía, e talvez por isso fosse ignorado: eles não sabiam o que fazer com aquilo que não podiam controlar.
— Hoje você mistura estas aqui — disse Maebh, empurrando para a filha um punhado de folhas escuras e flores lilases.
Arianwen franziu o cenho.
— Estas são para rituais de conexão, não são?
Maebh não respondeu com palavras. Apenas assentiu com um leve aceno e se afastou, deixando a filha sozinha no canto mais calmo da cabana.
Arianwen fechou os olhos e começou a triturar as folhas com as mãos. O cheiro se espalhou de imediato: algo entre resina doce e terra molhada. Era familiar, mas também… estranho. Quase como se o aroma falasse uma língua que ela entendia sem ter aprendido.
De repente, seu corpo estremeceu.
Uma onda morna subiu da ponta dos dedos até o peito.
O mundo pareceu emudecer por um segundo.
E então ela viu.
Não com os olhos. Mas com algo dentro.
Uma floresta mais escura do que a sua, envolta em brumas cinzentas. Passos pesados quebrando galhos. Uma respiração forte. Selvagem. Um par de olhos dourados tão intensos quanto os seus, porém mais duros. Mais antigos.
E uma voz abafada como um trovão contido:
— Você está vindo…
A visão se quebrou com o tilintar dos potes de barro. Arianwen derrubou o almofariz no chão.
Maebh correu até ela, segurando seus braços.
— O que foi? Está pálida.
— Eu vi, ou senti alguma coisa. Uma floresta. Um lobo enorme. Mas não era do nosso clã. E ele falou comigo, mãe. Ele me sentiu.
Maebh apertou os lábios. Seu olhar se tornou mais sombrio.
— Os dons estão acordando. Mais cedo do que eu imaginava. O sangue da sua mãe verdadeira… está se mexendo.
Arianwen se abraçou, tentando conter o frio que sentia por dentro — não físico, mas ancestral.
Enquanto isso, do lado de fora, Eira caminhava em passos suaves entre as árvores, observando os limites do território. Ela media rotas, contava passos, marcava mentalmente trilhas secretas por onde poderiam escapar.
Taran a encontrou no caminho.
— Onde vai? — ele perguntou, desconfiado.
Eira tentou parecer casual.
— Só caminhando. O cheiro da casa anda pesado.
Taran a observou com olhos apertados.
— Você sabe que se forem pegas… não haverá misericórdia. O Alpha está inquieto. Ele tem pressentido algo também.
— Então que pressinta. — Eira respondeu. — Ele pode sentir o que quiser. Não vai mudar o que está errado.
— E o que eu devo fazer, Eira? Fingir que não vejo nada? Fingir que minha irmã está sendo entregue como cordeiro?
Ela parou.
— Não finja. Mas não se meta ainda. Se tudo der certo, não haverá necessidade. Só… cuide da retaguarda.
Taran suspirou, contrariado. Mas assentiu. Ele era lobo. E irmão. E sabia quando era hora de recuar para não atrapalhar a caçada.
À noite, Arianwen voltou à janela do quarto. As mãos ainda tremiam do ritual. O rosto dela refletia o luar, e a floresta parecia mais viva do que nunca. Cada folha sussurrava. Cada sombra parecia chamar.
O vínculo com o desconhecido se estreitava.
E em algum lugar distante… alguém sentia o mesmo.
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Atualizado até capítulo 39
Comments
Marcia Cristina Carneiro
Quem será esse lobo que falou com ela 04/07/25/
2025-07-05
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