Sussurros (2)
A morte de Luan era o que Nathan ainda superava, morreu como muitos morrem, numa invasão, corpo jogado na laje, notícia de rádio, mais um número na estatística.
Nathan, que andou sempre à margem do crime, foi forçado a caminhar no fio da navalha, mas escolheu o lado certo — ou pelo menos o que parecia o certo naquele mundo distorcido.
Trabalhou como carregador, moto táxi, ajudante de feira, e agora como ajudante de cozinha durante o dia, e moto boy a noite.
Com o respeito que Luan deixou, conseguiu o que muitos não acreditavam: terminou os estudos. Colocou Erika na escola.
O dinheiro ainda era apertado, mas pelo menos conseguia pagar o aluguel e terem o que comer.
Mas numa noite, após mais uma operação das Forças militares.
Foi então que tudo mudou. O Digão foi morto num confronto com a polícia, e a cúpula do crime — formada por nomes antigos e perigosos — elegeu um novo comandante: Thiago, o Trem Bala.
Trem Bala era de Zona Oeste do Rio.
Trem não conhecia o mundo fora do crime o seu pai era do crime, ( Dos mais perigosos.)O seu irmão foi do crime, Seus primos também.
Ele era um garoto prodígio, terminou o ensino médio com dezassete anos, e logo, começou a fazer faculdade ( Por obrigação e insistência da mãe.)
Não era um sonho dele se formar em enfermagem, a mesma profissão que fora da sua mãe.
Na cidade de Deus, trem atuava como um segurança, já que quem comanda o lugar é o Tinei, seu primo.
A família, para além da União que tinham, também eram conhecidos pelo temperamento forte e do pavio curto, matavam antes e perguntavam depois.
Trem cresceu não sabendo ouvir um "não". Não porque era mimado (Em partes talvez, já que era o caçula.) Mas também porque tudo o que queria, ele ia atrás até conseguir.
Era teimoso, diga-se de passagem que pode ter puxa o pior dos dois lados que o criaram.
A sua vida foi complicada, o seu pai não era presente, estava sempre fugindo, preso ou sendo caçado, então raramente o via desde moleque, sua mãe, apesar de tentar, sabia ser impossível livrar os filhos do caminho do pai.
Quando recebeu o toque da cúpula o avisando que iria assumir uma comunidade, ainda mais um complexo, Thiago não soube o que dizer.
Prometeu a mãe que não iria aceitar promoção, pois sabia que quanto maior a patente, maiores são os riscos.
No entanto, o seu irmão mais velho foi executado numa invasão pelos alemães, receberam o corpo dele dentro de um saco de lixo na porta de casa.
Desde esse dia, Trem sabia que a sua mãe não era mais a mesma, nenhum deles era.
Mas aquela proposta não podia ser recusada.
Davi G. Oliveira
Vai aceitar? - Leva o beck na boca e puxa o fumo, e tira e estende para o amigo.
Thiago G. Gomes
- Pega a droga. - Não posso recusar, a ideia foi clara. - Levou aos lábios.
Os dois estavam sentados num muro, um lugar onde se encontravam desde pivetes.
Davi G. Oliveira
O que tu piou pra tia?
Thiago G. Gomes
Há, que ia numa missão. - Puxa o fumo e solta.- Mas ela não caiu muito.
Thiago G. Gomes
O velho perguntou se tava afim de levar alguém, falei tu.
Thiago G. Gomes
Mas se não puder, sem neurose.
Davi G. Oliveira
- Da um soco no ombro deste de toque. - Sabe que vou contigo até pra abraçar o capeta, né?
Thiago G. Gomes
- Sorri. - Valeu aí mano.
Naquela noite, Trem foi para casa da mãe, que era alguns quarteirões depois do seu barraco.
Usou a chave reserva que tinha, e entrou no comodo.
Da porta da cozinha sai Dona Lúcia, sua mãe.
A mulher estava vestido de branco, uma camisa de Renda, um saia grande e redonda, e no peito um lenço amaredo, na cabeça, o lenço era azul escuro.
Lúcia Carla C. Gomes
Ah, chegou, vá trocar esse calção que vamos sair. - Pega a bolsa no sofá.
Thiago G. Gomes
Sair? Vai pra onde? Mãe, já falei que é perigoso sair essas horas. - Suspira.
Lúcia Carla C. Gomes
Quem me faria mal? Conheço todos os moleques dessa cidade, Hm! - Diz convicta. - E nos vamos para o barracão, anda, já me atrasei te esperando.
Lúcia Carla C. Gomes
E nem me venha com um "não", nos vamos e ponto final. - Diz ameaçadora.
Trem suspira uma última vez, antes de caminhar até ao seu quarto, tirou o calção, e pegou uma calça no guarda-roupa.
A mulher já estava na porta, abriu a mesma quando o filho apareceu.
Os dois saíram da casa, e Lúcia trancou a porta, começaram a caminhar, Thiago um pouco atrás.
A caminhada durou alguns minutos, até que dava para ver a casa ao longe.
Com imagens dos do Exu, dos orixás e de algumas falanges.
Ao chegarem na porta, a sua mãe abaixou-se, tocou no chão e levou a testa, sussurrando algo que o Thiago não entendeu.
O rapaz fez o mesmo, mas mais por hábito, já que via a sua mãe fazer aquele gesto diariamente, desde criança.
???
Lúcia! - Chamou uma mulher, se aproximando da dupla.
???
Finalmente chegou mulher.
Lúcia Carla C. Gomes
Aí, me atrasei porque tava esperando o Gabriel chegar. - Indica o filho com a cabeça.
Dona Carmem era a mãe de Santo do terreiro, ela e a Lúcia eram grandes amigas.
Thiago G. Gomes
- Acena em cumprimento.
???
Thiago, quanto tempo não temos sua presença aqui? - Sorri simpática.
Thiago G. Gomes
É, muitos corres para resolver.
Recebeu um tapa na cabeça da mãe.
Lúcia Carla C. Gomes
Responde direito moleque, e tira essa cara amarrada!
Thiago G. Gomes
Porra mãe. - Leva a mão a cabeça.
???
Venham, a gira já vai começar.
As duas seguiram caminho, passando por uma barreira de cordas, Thiago ficou para trás.
Não demorou para os batuques começarem, a sua mãe ia de um lado para o outro, todos ali se movimentavam em perfeita sincronia, por mais bagunçado que pareça por fora.
Após um tempo, Trem virou-se, e saiu, precisava fumar.
Não queria aceitar aquela missão, não queria deixar a mãe sozinha.
Acendeu um beck e começou a fumar, quando percebeu, já tinham se passado meia hora, decidiu voltar.
Thiago G. Gomes
- Joga o enrolado no chão, pisa e volta para dentro.
Assim que chegou, deu de caras com a mãe, ela procurava-o com o olhar e assim que o viu, veio até si.
Lúcia Carla C. Gomes
Onde esteve?
Thiago G. Gomes
Fui fumar um pouco. - Da de ombros.
Lúcia Carla C. Gomes
- Suspira.
Atrás de si, uma mulher aproximou-se, ela usava um Chapéu Panamá branco com detalhes vermelhos, as suas roupas era uma saia Branca com bordados vermelhos e uma blusa branca.
O terreiro está quase silencioso. O toque dos atabaques é mais lento, mais profundo. Lúcia virou-se observa com respeito.
Ela gira, gira, gira... e para. Cigarro aceso, sorriso vermelho, olhos que parecem enxergar além da carne. Ela caminha direto até ele — mesmo sem nunca tê-lo visto. Como se já o tivesse sentido em outra vida
???
— Hummm…- Diz, olhando para o Trem intensamente, levou o cigarro a boca pintada de vermelho, puxou o fumo e soltou para o alto.
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