A mansão Castellazzo ainda despertava quando Leonardo se levantou. Os primeiros raios do sol atravessavam as janelas altas com moldura de ferro, iluminando os corredores de mármore com uma luz amarelada e suave. A casa, construída com heranças italianas e toques orientais deixados por Mi Sum, era um reflexo das muitas gerações que nela viveram — mas agora, cada cômodo parecia carregar o peso do silêncio, do luto e da ausência.
Era a primeira manhã desde que Leonardo impusera o castigo com as próprias mãos. Fabrizio Leone agora era apenas um lembrete aos olhos da máfia de que desobedecer o novo Dom teria consequências — rápidas e impiedosas. Mas o sangue derramado não preenchia o vazio que o luto deixara. Aquele não era um dia de guerra. Era um dia de família.
Leonardo desceu para o andar térreo e encontrou os irmãos na cozinha. Mariana estava sentada na bancada, mexendo o celular com expressão entediada. Victor preparava café do jeito que ele achava que era profissional, enquanto Yng, como sempre, estava afundado no notebook, monitorando câmeras, e-mails e redes clandestinas.
— Bom dia — disse Leonardo, entrando de forma casual, apesar da autoridade silenciosa que carregava até no pijama de algodão.
— O milagre da sua presença sem gravata — comentou Mariana, levantando uma sobrancelha. — Eu já estava achando que você dormia com ela.
— Não dava tempo de tirar ontem — respondeu ele, pegando uma caneca. — Tive que ensinar uma lição.
Victor lhe estendeu o café.
— E a lição foi bem dada, pelo que os boatos dizem. A lealdade tá voltando aos poucos... Mas a vovó...
— Nona — corrigiu Leonardo, baixando o tom de voz. — Ela ainda não saiu do quarto?
Yng fechou o notebook.
— Não desde o enterro. Recusou o almoço ontem. A comida que mandaram pro quarto voltou intacta.
Leonardo encarou os irmãos por um momento. A imagem de Camila Castellazzo — sua nona — era uma das mais sólidas que ele tinha da infância. Ela não era apenas a esposa de Vincenzo. Ela era a rainha por trás do rei. Forte, destemida, a única capaz de encarar o velho Dom e mandar ele calar a boca sem temer consequências. Durante anos, ele a ouvira chamar Vincenzo de “senhor convencido”, como quem disfarça amor profundo com ironia carinhosa.
Agora, sem ele, a mulher que atravessou guerras, traições e perdas, parecia encolhida.
Leonardo terminou o café em silêncio e subiu as escadas. Os passos firmes e lentos carregavam a mistura de preocupação e saudade. Parou em frente à porta de madeira esculpida com o brasão Castellazzo, bateu duas vezes e falou com ternura:
— Nona... sou eu. Posso entrar?
O silêncio foi longo. Mas então veio um leve “entra”, quase um suspiro.
Leonardo abriu devagar. O quarto estava com as cortinas semiabertas, permitindo que a luz filtrasse pelas bordas. Camila estava sentada na poltrona de veludo verde-escuro ao lado da janela, envolta em um xale. Nos braços, segurava uma das camisas antigas de Vincenzo, que ela ainda mantinha perto, como se o cheiro fosse uma âncora contra a dor.
— Trouxe café. Tá um pouco amargo, Victor ainda não acertou a mão — ele disse, tentando arrancar um sorriso.
Camila ergueu os olhos para ele. Estavam vermelhos, cansados. Mas ainda havia um brilho discreto neles. A força adormecida que Leonardo tanto admirava.
— Ele era um teimoso, sabia? — ela disse, com a voz embargada. — Sempre achou que ia morrer em pé. Nunca me deixou imaginar a casa sem ele. E agora... é só isso.
Leonardo se ajoelhou diante da nona e segurou suas mãos com cuidado. Eram mãos frágeis, mas com a pele marcada pela vida. Mãos que seguraram armas, remédios, filhos e netos.
— Eu sinto falta dele também, Nona. Todos nós sentimos. A casa parece diferente. Até o silêncio soa mais alto.
— Cinquenta e dois anos de casamento — ela murmurou. — E ele continuava me chamando de mulher geniosa. E eu... eu dizia que ele era o senhor mais convencido da Itália. Deus, como ele era!
Ela riu entre lágrimas. Um riso curto, dolorido, como se a lembrança machucasse e curasse ao mesmo tempo.
— Ele te amava, Nona. Isso todo mundo sabia. Mesmo quando fingia que estava mandando, era você quem ditava o rumo das coisas.
— Eu não era nada sem ele, Leonardo.
— Não diga isso — respondeu, com firmeza. — A senhora foi e é o coração da nossa família. Meu avô pode ter sido o Dom, mas a senhora foi o equilíbrio, o escudo, a verdade. O que a gente tem hoje só existe porque vocês foram um time.
Ela soltou um longo suspiro.
— E agora?
— Agora eu carrego o nome, mas eu ainda preciso da senhora ao meu lado. Como meu conselheira. Como minha nona.
Ela o olhou nos olhos por longos segundos. Então pousou a mão enrugada no rosto dele, acariciando com o polegar.
— Você tem os olhos do seu avô quando ele estava furioso... e o coração da sua mãe quando ele se acalmava.
Leonardo sorriu.
— Então estou no caminho certo.
Ela fechou os olhos por um instante e, com esforço, levantou-se da poltrona.
— Me ajuda a descer?
Leonardo a apoiou com delicadeza. Desceram juntos as escadas, e quando chegaram à sala de estar, Mariana soltou um gritinho surpreso.
— Nona?!
Victor saiu correndo com a bandeja de frutas e Yng apenas fechou o notebook com um sorriso discreto.
Camila parou diante deles, respirou fundo e disse:
— Alguém me arruma um chá decente? O da bandeja ontem parecia água de enxágue.
Todos riram, até Mariana, que correu para preparar a infusão como a avó gostava. Leonardo a observou com o peito mais leve. Ela estava ali. Frágil, sim. Mas viva. E isso bastava por enquanto.
Talvez ele não tivesse o luxo de parar, mas por um instante, permitiu-se apenas ser o neto. Porque, mesmo na guerra, a família era seu refúgio — e sua razão.
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Atualizado até capítulo 52
Comments
Marli Batista
Que lindo amor deles nossa estamos perdendo os melhores da máfia mais eles deixaram os melhores ja pronto pra carregar o legado quanto mais eu leio a história desta família mais eu amo ♥️❤️♥️❤️♥️❤️
2025-06-24
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