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JASON LEVINSKY

Desisto de tentar dormir e levanto indo acender um cigarro. Meu cérebro não entende que posso dormir cedo os dias que não tem show. São muitos anos trocando o dia pela noite, o sono desregulado e a insônia são constantes.

Abro a janela da varanda do meu quarto, coloco uma cadeira pra fora e pego meu violão. Toco as notas baixas e fumo enquanto olho para o céu negro com poucas estrelas. Fico pensando na banda, no último show e isso me dá uma ideia para uma nova música, estico o braço pegando um caderno velho e anoto algo pequeno, mas que posso trabalhar com Peter. Quando estou terminando de escrever ouço batidas em minha porta.

- Entra. - Falo simplesmente. Kristen aparece com os cabelos bagunçados e olhos fundos\, vestindo um pijama surrado. - Foi mal! - Falo pelo barulho. A noite de ontem foi o suficiente para me vingar dela. Pelo menos por hora\, já que estou sendo zoado por todos os nossos conhecidos\, graças aquela maldita aposta.

- Não.. eu já não estava conseguindo dormir! - Ela explica e se senta em minha cama cruzando as pernas em posição de ioga. Eu jogo a ponta do cigarro fora e afasto a cadeira pra trás.

- Está parecendo um daqueles zumbis de The walking dead! - Falo sorrindo e ela joga uma almofada em mim me chamando de imbecil.

- Não paro de pensar em Jack e em algo para ajudá-lo! - Kristen fala passando a mão no rosto.

- Vamos dar um jeito Bell\, só pare de pensar um pouco! - Falo passando os dedos pelas cordas do violão.

- Eu não acredito que Jack está com essa doença maldita! - Ela fala e vejo uma lágrima escorrer por sua bochecha rosada. - Hope acaba de ir e então isso! Ele não merece! - Ela fala com a voz embargada pelo choro.

Levanto da cadeira e me sento ao seu lado na cama, não sei muito o que fazer nessas situações. Mas apenas tento consolar ela.

- Jack é forte\, ele vai ficar bem. Estava pesquisando sobre o tipo de câncer dele\, e não é algo impossível de cura\, entende? - Falo e ela me olha com um brilho de esperança no olhar.

- Eu sei que a banda está crescendo\, e vocês querem expandir os shows\, deixar de tocar em bares. Mas Jason\, o movimento é outro quando os thugs estão tocando no Jack's. Isso já ajudaria muito a entrar dinheiro\, e poderíamos criar alguns eventos\, não sei.. - Ela fala sem pausas.

- Nós vamos voltar a tocar la. - Explico o que já tinha acertado com Jack\, mas não vamos cobrar\, mesmo ele insistindo muito.

- Oh meu Deus Jason! - Ela fala jogando seus braços ao redor do meu pescoço e me abraçando. - Isso vai ser muito bom para o movimento! - Ela fala suspirando aliviada e se afasta.

- Apenas durante a semana\, nossa agenda do fim de semana está lotada. A banda está disposta a não cobrar\, mas não podemos perder os outros shows. - Explico e ela me olha sorrindo\, parecendo um pouco mais esperançosa.

Já faz algum tempo que Jack deixou de nos contratar, por falta de grana, e eu não me importei porque foi exatamente quando os shows começaram a crescer por aí a fora, mas eu não sabia que era tão sério. Hoje no ensaio expliquei por alto para a banda que ele estava com alguns problemas financeiros e todos se propuseram a tocar mesmo que de graça. Em agradecimento pelos primeiros anos, quando ele acreditou nos thugs, e nos deixou usar seu espaço divulgando a banda. Jack sempre foi um cara bacana, no início não dávamos nenhum tipo de lucro, apenas prejuízo nas cervejas. E quando começaram a vir clientes por nossa causa, ele foi o primeiro a nos propor um cachê. Por isso seremos eternamente gratos.

Kristen levanta empolgada e pega o caderno que eu estava usando, começa a fazer planos e pensar em como poderíamos ajudar Jack. Acendo outro cigarro e continuo tocando.

- E se a gente conseguisse organizar um grande festival de verão? Você pode contatar algumas bandas conhecidas\, colocamos as cervejas artesanais de Jack a venda\, com jogos\, rifas e o ingresso do festival poderemos arrecadar um bom dinheiro para ele! - Kristen fala do nada ainda anotando algo no caderno. Suas pernas estão cruzadas e ela está apoiando a cabeça no meu travesseiro.

- Boa ideia Hobbit! Por que não colocamos uma grande placa na entrada do bar também\, contando para todos sobre o câncer de Jack? - Falo cortando sua animação. Apesar de ser realmente uma boa ideia\, Jack me pediu segredo. Só eu e Kristen sabemos e ninguém mais. Ele não aguentaria olhares de pena vindo de todo mundo\, seria pior do que o câncer em si\, como ele disse.

- Jack tem funcionários! Todos podem trabalhar normalmente como se fosse um festival qualquer de parceria entre os thugs e o bar! Ninguém precisa saber da doença\, é apenas uma forma de divulgar a banda e o Jack's! - Ela fala tentando me convencer e começamos a discutir a ideia.

- Para ter um bom lucro teria que ser algo beneficente\, com doações. A estrutura de um festival envolve muito dinheiro Bell. - Falo e vejo Kristen quebrar a cabeça por bastante tempo\, jogando várias ideias no ar. Enquanto ela anota coisas deitada em minha cama\, eu fico tocando meu violão até ela finalmente parar de falar. Quando olho pra Kristen\, seus olhos estão fechados e ela dorme tranquila. Fico um tempo só olhando pra ela assim\, tão acomodada em minha cama. Mesmo vestindo esse pijama furado\, ela ainda consegue ficar sexy\, pelas curvas pequenas do seu corpo..

Quando isso acaba virando uma riff em minha mente, eu paro de olhar pra ela com esses olhos, me odiando por sequer pensar nessas coisas.

Ela estava com dificuldade de dormir, e agora que pegou no sono preciso acorda-lá. Não me importaria de deixar ela aí, mas amanhã não ia gostar de explicar ao Tyler que está no quarto ao lado, o que sua namorada está fazendo na minha cama. Precisaria contar sobre Jack e tudo se espalharia.

Abro o cesto de roupas sujas e pego uma meia que está lá a bastante tempo, coloco no nariz de Kristen e vejo ela acordar fazendo uma careta, quando vê a meia fica brava me xingando e jogando pra mim. Ela abre a porta do quarto e sai tropeçando enquanto sorrio.

•

No dia seguinte acordo tarde, tenho duas chamadas perdidas de Eleanor, minha genitora. Enquanto faço algumas flexões escuto as mensagens de voz que ela deixou. Desde que Tyler veio morar comigo ela vem tentando se aproximar. Mesmo que ninguém entenda o porquê.

Eu não tenho nenhum vínculo com a mulher que me pariu, fui criado nessa casa pelos meus avós paternos, e ela pra mim seria uma estranha. Mas a alguns anos Ty me contatou, criamos uma amizade e estreitamos os laços. Só deixei claro que o fato dele entrar em minha vida, não significava que aquela mulher faria parte também.

Meus avós diziam que eu precisava perdoa-la. Mas eu não acho que tenha algo para perdoar. Ela engravidou com 16 anos, era uma garota estúpida que não sabia o que estava fazendo. Mas quando quis fazer um aborto, meu pai não deixou. E quando eu nasci ele me trouxe para Seattle, onde conheci meus avós. E tive as melhores pessoas do meu lado por vinte anos. No fim Eleanor me fez um grande favor, me livrando de crescer com uma mãe que não me desejava.

Meu pai mora no Texas, apesar de não ver ele com frequência, ainda nos damos super bem. Passamos os feriados juntos e ele me liga as vezes.

Desço as escadas e preparo um café, forte e sem açúcar. Enquanto tomo fico lendo as letras que escrevi ontem, tentando juntá-las em uma melodia.

Noto que no canto da parede ainda está apoiado o quadro estranho que Kristen trouxe pra casa. Ela passou a semana passada inteira enchendo nosso saco pra colocar na parede da sala, e não tivemos tempo. Com uma brisa leve de bom humor decido que mais tarde vou fazer isso. Agora estou terminando a melodia que comecei.. Mudo algumas coisas que tinha pensado ontem, me sentindo mal de alguma forma por ter me inspirado da forma errada. O que me faz deixar o caderno de lado e ir até a garagem procurar um martelo.

- Não acredito que aquela safada finalmente comprou sua moto! - Falo sorrindo e analisando a motocicleta preta. Kristen deixou Tyler louco no último mês falando sobre isso\, claro que todos achamos perigoso\, mas não é como se ela fosse andar por aí empinando e fazendo manobras\, ainda é apenas a Kristen. Mesmo que seja a parte mais divertida e menos careta dela.

Dou uma olhada nos pneus da moto, constatando que estão em péssimo estado. Só de olhar o motor já vejo que o nível de óleo está baixo, a corrente está fora da coroa, fora os cabos da embreagem que estão rompidos e as lanternas quebradas. Nem quero saber quanto Kristen pagou por essa moto, mas já imagino o quanto ela vai ter que pagar para consertar, isso porque nem tentei ligá-la para ver mais a fundo como está o motor.

Escuto meu celular tocando na cozinha e volto pra lá.

- Fala Pete! - Me sento atendendo.

- Patrick ligou da gravadora\, o disco está pronto cara! - Ele fala todo empolgado e eu sorrio.

- Mas e a capa? Você deu um jeito? - Pergunto e ele responde prontamente.

- Não! Eu achei que você estava cuidando disso! Patrick só está aguardando a capa para começar a divulgar. E ele também me pediu uma espécie de evento para o lançamento do disco! O que acha disso? - Peter divaga fazendo várias perguntas enquanto eu analiso a nossa geladeira de duas portas que está completamente preenchida com fotos. Quando Kristen se mudou pra cá\, ela trouxe no mínimo cinquenta almofadas\, algumas plantas que ela nunca lembra de molhar e todas as fotos que ela tinha guardada\, dos shows\, da galera no bar\, do Tyler e das paisagens de Seattle \, ela decidiu colocar em nossa geladeira. Eu nunca tinha visto algo assim\, mas até que é bacana comer olhando para as fotos e lembrar das histórias por trás delas. Todos os meses Kristen renova algumas\, passando outras para a grande parede do seu quarto. Eu acho legal essa coisa que ela tem fotografias\, e nesse exato momento\, olhando uma foto dos thugs em um show do mês passado\, me vem à melhor ideia que poderia ter para a capa.

- Pete! Não se preocupa\, estou resolvendo tudo isso\, e ainda digo mais\, a divulgação do álbum vai ser em grande estilo! - Explico subindo as escadas pro meu quarto.

•

Mais tarde quando escuto o barulho da Kristen chegando, desço e ligo a tv. Ela passa da cozinha pra sala e me olha.

- Está fazendo minha garagem de ferro velho agora? - Falo encarando a tv. Ela para de andar e me olha brava. Tenho que segurar o riso.

- Ferro velho Jason? Só se for pelo Camaro nascido em 1960 que está lá definhando! - Ela fala me olhando indignada e eu não aguento segurar o riso.

- O que deu na sua cabeça de comprar uma moto toda estragada? Me diz que não pagou mais que mil dólares naquela porcaria? - Falo e ela se encolhe\, seu rosto fica vermelho e ela está a ponto de me bater por estar falando mal da sua motocicleta. Sei disso porque também tenho o meu bebê. E não permito que ninguém fale mal dele!

- Eu vou arrumar! O preço estava ótimo e você não tem nada a ver com isso! - Ela fala dando as costas e sigo ela pela casa.

- Ah claro\, talvez você gaste uns 2 mil com mecânico\, e se der sorte\, apenas mil com peças. - Falo exagerando\, mas ela não percebe. No topo das escadas ela para me olhando surpresa com olhos arregalados.

- Eu não tenho esse dinheiro! - Ela fala mais para si mesma e entra em seu quarto\, coloca a mochila no canto enquanto eu deito em sua cama\, jogando metade das almofadas coloridas no chão.

- Talvez eu possa te ajudar.. - Falo tentando soar descontraído.. Ela vira de frente pra mim\, semicerrando os olhos.

- O que você quer Jason? - Pergunta desconfiada. - Estou impressionada com seu esforço para depreciar minha moto! Vamos lá\, abre a boca! - Kristen fala colocando as mãos na cintura. Se fosse qualquer outra pessoa não entenderia meus planos assim tão facilmente. Mas Kristen está mais do que acostumada a lidar comigo.

- Posso dar um jeito na sua moto\, talvez passe um perrengue\, mas vou fazer ela andar.. - Apoio as mãos atrás da cabeça e ela continua me olhando desconfiada.

- E o que você ganharia com isso? - Ela fala tirando o casaco por cima da cabeça\, fazendo sua blusa de baixo levantar junto\, e mostrar sua cintura fina. Desvio o olhar e tento voltar para mesma a linha de raciocínio. Enquanto expulso da mente a fantasia de Kristen levantando toda a blusa.

- Na verdade\, nessa só você sairia ganhando Bell! - Falo pegando uma almofada e jogando para o teto\, até ela cair de novo e eu repetir o processo. - Os thugs estão precisando de uma boa capa para o novo álbum\, e também de algum material de divulgação. Sei que você gosta de fotografar\, e ainda vai mostrar o seu talento por aí\, é claro. - Falo dando de ombros e ela pega a almofada no ar\, irritada comigo por estar jogando pra cima.

- Talento? Sou talentosa então Levinsky? - Ela pergunta com a mão na cintura.

- Eu não colocaria qualquer pessoa para fotografar os Thugs. Você leva jeito pra essa coisa! - Falo levantando da cama.

- Obrigada\, mas não! - Ela fala e se vira. Minha boca se abre sem acreditar que ela recusou.

- Não? Como assim? - Pergunto confuso enquanto ela pega na gaveta o uniforme do Jack's.

- Não confio mais em você Jason\, está me devendo uma ainda\, se lembra? - Ela fala e eu reviro os olhos.

- Depois da sua trapaça de ontem não te devo mais nada! - Falo irritado mas ela faz menção de sair do quarto e eu mudo a tática. - Ok eu te pago algumas cervejas hoje. - Falo no desespero e ela se vira brava.

- Você está cansado de saber que eu não bebo! Idiota! - Fala pegando uma toalha atrás da porta. Todos nós sabemos que isso não é verdade\, mas não posso retrucar\, apenas balanço a cabeça.

- Não está sendo justa Bell! O novo álbum vai trazer mais fãs\, e isso também pode ajudar o Jack! Você sabe! - Falo andando atrás dela pelo corredor.

- Então\, está disposto a me ajudar com o festival? - Ela pergunta parada na porta do banheiro.

- Não. - Falo de uma vez e ela ameaça fechar a porta. - Não acho que isso possa funcionar Bell! É muito investimento! - Falo segurando a porta com o pé.

- Eu só preciso que você me ajude a tentar\, se não der certo\, ok! Vemos outro jeito! - Ela fala e então entendo o seu jogo duro\, é lógico que ela aceitou o trato que propus. Mas ainda deu um jeito de me fazer aceitar o festival em troca disso. Kristen bell aprendeu a negociar comigo\, e virou uma rata ardilosa.

- Ok! - Me dou por vencido encarando aqueles grandes olhos verdes. - Mas você compra todas as peças da moto! E também preciso de um site da banda\, pra colocar nossa agenda e divulgar as músicas. - Falo e ela concorda com a cabeça.

- Quero minha moto funcionando em um semana\, nada mais do que isso Jason! - Ela fala e eu sorrio.

- Uma semana? Vou ter que ressuscitar aquela lata velha em uma semana? - Gargalho até perceber que ela fala sério.

- É isso ou tiro o site do ar. - Ela fala e eu suspiro.

- Fechado. - Falo estendendo o braço\, ela aperta minha mão e entra pro chuveiro.

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