Esposa Indesejada
...OBSERVAÇÃO: Eu não gosto de imagens nos meus livros. NÃO É GIBI. Se você gosta de livros com fotos, não leia meus livros. Só coloquei no final em alguns, porque algumas pediram. Mas eu não gosto, detesto. Prefiro que imaginem os personagens com os detalhes que eu dou. ...
Naquela tarde abafada, o sol já baixava no horizonte, tingindo as calçadas rachadas de dourado sujo.
O cheiro agridoce de comida vencida se misturava ao odor persistente de gordura velha, vindo da lixeira metálica nos fundos de um restaurante fino. Ali, com os joelhos no chão encardido e os dedos delicados sujos de resíduos, estava Cleia.
Era uma figura que destoava daquele cenário miserável. Seu rosto, apesar da fuligem e do cansaço, exibia uma beleza que o mundo insistia em ignorar. Tinha olhos azuis tão intenso que pareciam violetas sempre atentos, sempre desconfiados. Sua pele clara trazia marcas de sol e frio, mas ainda conservava um viço surpreendente.
Os cabelos, presos de forma desajeitada, como folhas outonais tocadas por ouro.
Cleia não nasceu ali.
Antes, havia uma casa.
Havia uma família.
Os pais se foram cedo demais. A dívida da casa engoliu tudo, seu passado a destruiu e ela acabou ali - aprendendo a se defender, a endurecer a alma, sozinha, faminta e sem esperança.
Aprendeu a se defender, a não chorar, a não confiar.
O lixo se tornou sua despensa.
Naquele instante, encontrou algo raro: restos de uma refeição quase intacta. Um pedaço de frango grelhado, algumas batatas ainda crocantes, e até um pão macio com queijo derretido. Um verdadeiro banquete.
Ela se sentou sobre a calçada e começou a limpar cuidadosamente a comida com a barra do moletom suja, ajeitando cada item como se fosse sagrado.
Ergueu os olhos um instante, contemplando a rua quase deserta à frente do restaurante.
E então viu.
Um Bentley preto e reluzente estacionava na calçada oposta.
Um motorista uniformizado abriu a porta traseira e de dentro saiu um senhor idoso, elegante em um terno cinza de corte refinado, bengala de madeira escura na mão. Ele olhava para o celular, distraído, e começou a atravessar a rua devagar, com passos arrastados.
Foi nesse momento que Cleia ouviu o grito abafado de pneus cantando.
Um carro preto vinha em velocidade — talvez não esperasse ver alguém atravessando ali.
Sem pensar, largou a comida no chão, o estômago roncando de revolta. Saltou como uma flecha, atravessando a rua em segundos, o coração disparado. Quando alcançou o velho, empurrou-o com força suficiente para jogá-lo no chão, mas a tempo de tirá-lo da rota do carro que passou a centímetros deles, buzinando tarde demais, com o motorista gritando algo que ninguém ouviu.
Ela caiu ao lado dele, as mãos arranhadas no asfalto, os joelhos ralados, a respiração ofegante. Por um segundo, tudo silenciou.
O velho tossiu e tentou se erguer, confuso. Ela olhou para ele e soltou, entre uma risada nervosa e um gemido de dor:
— O senhor é tão rico… mas muito desatento, viu?
Dois seguranças vieram correndo em pânico, chamando pelo idoso, que ainda estava caído com a bengala ao lado.
Quando viram Cleia ali, quase deitada no chão ao lado dele, se prepararam para tirá-la dali, julgando-a uma ameaça ou uma pedinte inconveniente.
Mas o senhor levantou a mão, pedindo calma.
Seus olhos; olhos experientes, acostumados a julgar homens e negócios estavam fixos nela.
Não com medo, mas com interesse e até admiração.
— Ela me salvou. - Disse ele, erguendo-se com a ajuda da bengala. Depois se virou para Cleia: — Qual é o seu nome, garota?
Ela hesitou por um segundo, depois disse com firmeza:
— Cleia, senhor.
O homem sorriu, como se tivesse acabado de encontrar algo que há muito procurava.
E os seguranças, confusos, recuaram.
O idoso ajeitou a bengala, ainda ofegante do susto, e encarou Cleia com uma expressão firme, mas gentil.
— Tenho uma gratidão com você, menina. - Disse, a voz grave, mas carregada de respeito.
Cleia se encolheu levemente, incomodada com a atenção repentina. Seus olhos desviaram dos dele por um instante.
— Não foi nada... - Respondeu, encolhendo os ombros e dando um passo para trás: — Preciso ir.
Mas ela mal teve tempo de se virar. De imediato, quatro seguranças se moveram Como sombras, surgindo em sua frente e nas laterais, cercando-a com firmeza, mas sem hostilidade.
Ainda assim, seus músculos se retesaram. Ela conhecia o cerco. Sabia o que era ser encurralada, mesmo que por "cortesia'.
Um deles até levantou a mão em um gesto educado, mas firme, pedindo que ela aguardasse.
Cleia, de instinto aguçado e acostumada a lidar com ameaças, enrijeceu o corpo, pronta para correr se necessário. Mas seus olhos se fixaram novamente no velho. Ela não via perigo nele. Apenas autoridade.
E uma curiosidade difícil de definir.
— Na família Castelier... - Disse o idoso com uma voz que agora ecoava como uma ordem sagrada: — ninguém é ingrato.
A palavra "Castelier" soou estranha nos ouvidos de Cleia. Algo antigo, importante. Ela não sabia quem eram, mas aquilo soava como um Sobrenome que abriria portas ou trancaria cofres inteiros.
Ele deu dois passos à frente.
— Venha comigo até ali. - Apontou com a cabeça em direção à entrada elegante do restaurante, cujas portas de vidro espelhado refletiam os carros caros na rua: — Deve estar com fome.
Cleia hesitou. Seu orgulho gritou para recusar. Ela balançou a cabeça, tentando manter a pose.
— Não estou... - Começou a dizer, mas nesse instante, o próprio corpo a traiu.
Um ronco alto, vindo de seu estômago, interrompeu a frase e preencheu o silêncio. Ela arregalou os olhos, surpresa e vermelha de vergonha.
O velho sorriu.
Ela sabia o que um convite podia esconder. Observou os ternos alinhados, os olhos atentos dos seguranças com gestos Contidos, treinados.
O idoso seguiu seu olhar e notou as roupas gastas dela - O moletom largo, encardido, com pequenos rasgos, o jeans desbotado, os tênis furados.
Não zombou, não disfarçou.
Cleia riu de si mesma e ergueu o queixo, tentando recuperar a dignidade perdida.
— Tudo bem... - Disse com uma falsa arrogância debochada: — Mas aviso logo que não vou comer pouco.
Ele soltou uma risada curta, genuína.
— Melhor assim. Gente corajosa merece fartura.
Os seguranças abriram caminho enquanto ele a guiava com gestos tranquilos.
Ela caminhava ao lado dele, ainda se sentindo um peixe fora d’água, mas curiosamente segura.
As portas do restaurante se abriram automaticamente com um leve zumbido, revelando um ambiente luxuoso: lustres de cristal pendiam sobre mesas cobertas por toalhas de linho branco, garçons vestindo preto e branco moviam-se com precisão, e o aroma que saía da cozinha era tão intenso quanto sofisticado.
Os olhares dos clientes se voltaram imediatamente para a cena: o patriarca dos Castelier — um nome conhecido e respeitado nos círculos da elite — entrando no salão ao lado de uma jovem claramente vinda das ruas, com roupas rasgadas, sapatos gastos e sujeira nas mãos.
Murmúrios começaram a se espalhar entre as mesas.
Mas o velho ignorou todos.
— Mesa privativa. - Disse ele a um dos maîtres, que acenou respeitosamente e os conduziu para o andar superior, mais reservado.
Cleia seguia com passos contidos, os olhos absorvendo tudo como se estivesse em outro planeta. O mármore, as taças cintilantes, os talheres de prata... nada disso parecia ter espaço no mundo dela.
Mas, por algum motivo, ela não se sentia tão deslocada quanto esperava.
O ambiente no andar superior do restaurante era silencioso, envolto em um luxo quase intimidador. O som dos talheres era suave, controlado, e o aroma dos pratos refinados pairava no ar como um lembrete de exclusividade. As luzes eram quentes, refletindo nos espelhos dourados e nos cristais das taças.
O senhor Castelier ajeitava a bengala e sinalizava algo para o chefe de segurança e se afastou para dar instruções.
Mas antes que ela pudesse se acomodar, um homem alto e esguio, de terno impecável e cabelo lambido para trás, se aproximou com passos ágeis e olhar gélido. Era o hostes do restaurante.
Ele parou diante dos dois, o olhar indo diretamente para Cleia. O desdém em seu rosto era tão claro quanto a luz do lustre acima deles. Ele a examinou dos pés à cabeça, franzindo o nariz como se o simples fato dela estar ali fosse um insulto pessoal.
— Mocinha?! - Disse com uma voz envenenada de formalidade: — Peço que se retire. Não aceitamos pedintes neste estabelecimento.
Cleia arqueou uma sobrancelha e olhou diretamente para ele, firme como uma parede.
— Eu nem sei quem você é - Disse com sarcasmo, erguendo o queixo: — E sou uma convidada.
Nesse momento, o idoso, com um brilho nos olhos, olhou para o chefe de segurança e fez um leve gesto com a cabeça, afastando-se alguns passos, em silêncio.
Queria observar.
Queria ver como ela defenderia a si mesma.
O hostes zombou, com um sorriso torto que escorria veneno.
— Um prato aqui custa mais do que sua vida parece valer. A senhorita não pagaria nem com três anos de trabalho. Quem, em sã consciência, seria tão equivocado a ponto de convidá-la a um lugar tão requintado?
Cleia não se abalou.
Em vez disso, sorriu com desdém, o mesmo que ele havia lançado a ela segundos antes. Com uma elegância debochada, virou o corpo de lado e apontou com o queixo para o velho senhor atrás dela.
— Ele. Quem mais?
O hostes arregalou os olhos. O sangue fugiu de seu rosto como um rio voltando à nascente. Seus olhos correram para a figura conhecida de Anton Castelier, o patriarca da poderosa família que não apenas era presença rara, mas o dono do restaurante em que trabalhava.
— S-senhor Anton... - Gaguejou, empalidecendo.
Anton se aproximou com calma, apoiado na bengala, mas a voz saiu com firmeza de aço:
— Quem ensinou que, no meu restaurante, as pessoas são julgadas pela vestimenta?
O silêncio caiu como uma sentença de morte. O hostes, agora quase tremendo, curvou-se imediatamente para Cleia, com a testa já brilhando de suor.
— P-peço desculpas, senhorita. Foi um terrível engano da minha parte. Eu a servirei pessoalmente, se permitir. Mil perdões, senhor Anton.
Cleia ergueu uma sobrancelha, surpresa por dentro, mas manteve a compostura com uma naturalidade desconcertante. Ela fingiu não ter percebido a revelação do nome Anton Castelier, como se ele fosse apenas o velho gentil com um Bentley.
— Eu ia exigir isso mesmo, você só vai se safar porque estou faminta. Caso contrário, eu pediria que fosse demitido. - Respondeu com um sorrisinho vitorioso: — Até porque quem vai pagar, não sou eu. Então anda logo, estou com fome.
Com a cabeça erguida, ela caminhou até o assento reservado, suas roupas velhas e surradas fazendo contraste com o couro das poltronas e os arranjos florais impecáveis. Sentou-se como uma dama, mas com a audácia de quem nunca implora por espaço — apenas o ocupa.
Anton a seguiu devagar, com um sorriso nos lábios, um sorriso raro, quase nostálgico. Como se estivesse revivendo algo do passado, ou talvez presenciando o nascimento de algo grandioso.
O hostes, ainda curvado, enxugava discretamente o suor da testa com um lenço de linho branco, mal conseguindo conter o tremor nas mãos.
Naquele instante, ninguém mais naquele salão via uma moradora de rua.
Eles viam alguém que o próprio Anton Castelier escolheu trazer consigo.
E isso era suficiente para reescrever qualquer julgamento.
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Atualizado até capítulo 68
Comments
marlene morais
Tem um início de estória arrebatadora. Tenho certeza que teremos muitas emoções chegando. Aguardo muita adrenalina.
2025-06-16
1
Bianca🌹
Quando a historia é boa o primeiro capítulo já prende atenção do leitor e essa parece ser muito interessante.
2025-07-06
0
Salete Michels de Gracia
Ela poderia pelo menos lavar as mãos antes de se sentar a mesa né 😜😜
2025-07-07
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