O beijo terminou, mas o silêncio permaneceu entre eles, denso como a névoa que agora tomava o terraço. Kelly encostou a testa no peito de Erik, sentindo o coração dele pulsar forte, descompassado, como o dela. Era um momento suspenso no tempo — o tipo de pausa que antecede o impacto.
— Eu não vou te soltar dessa vez — ele disse, com a voz rouca.
Ela queria acreditar. Queria muito. Mas a culpa ainda latejava sob a pele.
Desceram as escadas lado a lado, sem pressa, os passos ecoando entre as paredes velhas da escola. Lá fora, a madrugada já beijava o chão, e o frio cortava mais do que antes. Erik tirou o casaco e colocou sobre os ombros dela sem dizer uma palavra. O gesto simples fez os olhos de Kelly arderem.
— A gente não pode fingir que nada aconteceu, Erik — ela murmurou, encarando o chão.
— Eu não tô fingindo. Mas quero lutar. Mesmo que doa.
Ela respirou fundo. Aquela verdade ainda estava presa na garganta, como um espinho. E quanto mais adiava, mais crescia, mais queimava. Talvez fosse a hora.
— Tem uma coisa que você precisa saber... — começou, parando de andar. — Algo que eu devia ter contado muito antes.
Erik parou também. O olhar dele encontrou o dela, e havia ali uma calma estranha, mas firme.
— Se for pra doer, que doa agora. Não quero mais construir nada em cima de silêncios.
Kelly hesitou. A noite parecia segurar o fôlego com ela. O vento parou. Até o tempo parecia ouvir.
— Naquela noite... a que mudou tudo... eu não fui só embora. Eu menti pra você. Eu escondi algo — seus olhos marejaram. — Eu fiz uma escolha. E essa escolha envolveu outra pessoa.
Erik franziu o cenho, mas não disse nada. Esperou.
— Eu achei que estava protegendo você. Mas, no fundo, eu estava me protegendo. Eu fiquei com alguém. Não porque eu te esquecesse, mas porque eu queria me punir... por ter te amado tanto. Por ter acreditado que podia dar certo.
Silêncio.
Erik não se mexeu. Só o olhar dele se perdeu por segundos, como se processasse cada palavra, cada ferida antiga reaberta.
— Foi com o Henrique? — ele perguntou, por fim, sem raiva.
Kelly assentiu devagar.
Ele fechou os olhos. Por um segundo, Kelly pensou que ele fosse ir embora. Mas ele apenas respirou fundo, depois abriu os olhos novamente — e havia uma sombra a mais ali. Mas não o ódio.
— Eu preferia que tivesse doído antes do que viver mais mentiras. Mas... obrigado por me contar.
Ela se encolheu um pouco. Esperava o fim. Estava pronta pra ele.
— Isso muda tudo? — perguntou, quase num sussurro.
— Muda. Mas talvez não do jeito que você pensa. — Ele estendeu a mão pra ela. — Agora a gente tem a verdade. E a partir daqui, só continua quem aguenta carregar ela junto.
Kelly olhou a mão dele por alguns segundos que pareceram horas. Então, sem dizer nada, segurou.
E ali, naquele início torto, ferido e cru, eles deram o primeiro passo — não pra esquecer o passado, mas pra carregar ele com mais coragem.
Porque alguns amores não se apagam. Eles queimam. E, às vezes, sobrevivem ao incêndio.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 37
Comments