capítulo 4- O porão respira

Capítulo 4 – O porão respira

As escadas para o porão do colégio Aokigahara eram estreitas, antigas, cobertas de poeira e sombras. Cada degrau rangia como se protestasse contra os passos de Ren e Hina. Era estranho: a escola inteira parecia viva agora. Ou talvez só estivesse acordando.

O ar ali embaixo tinha gosto de ferrugem. Era úmido, sufocante. O tipo de ar que se gruda na pele e não sai mais.

Ren segurava uma lanterna trêmula. A luz mal tocava as paredes. Hina vinha logo atrás, o caderno negro apertado contra o peito, como um escudo.

— Foi aqui? — ele perguntou, parando no pé da escada.

Ela não respondeu. Em vez disso, apontou para a porta no final do corredor. Aquela mesma porta de onde ele se lembrava vagamente — de risadas nervosas, de empurrões, da mão de Mika batendo por dentro.

Mas havia algo diferente agora.

A porta estava entreaberta.

Ren se aproximou devagar. Com cada passo, o silêncio ficava mais denso. Quase líquido.

Dentro do porão, não havia móveis. Apenas concreto cru e uma cadeira caída no canto.

E na parede, algo novo: dezenas de marcas riscadas com unhas. Como se alguém tivesse tentado sair dali por semanas.

Ele passou a lanterna pelas paredes… e então viu.

Mika.

Ou o que restava dela.

O vulto de uma garota, encurvado, de cabelos curtos e pele translúcida. Seus olhos estavam fixos no vazio, mas lágrimas silenciosas escorriam por um rosto que mal parecia humano.

Ren caiu de joelhos.

— Me perdoa.

O ar tremeu.

Hina permaneceu à porta. O caderno abriu-se em suas mãos, por conta própria, as páginas folheando como se algo procurasse.

A voz de Mika não veio da boca. Veio das paredes, do chão, do teto. Uma voz feita de dor e lembrança.

— Vocês me trancaram. Vocês ouviram meus gritos. E depois fingiram que eu nunca existi.

Ren começou a chorar.

— Eu era covarde. Eu devia ter aberto aquela porta. Eu devia ter... — sua voz se perdeu.

O vulto de Mika se aproximou. A luz da lanterna piscou e apagou.

No escuro, só se ouviu a página do caderno sendo arrancada.

E então, a voz de Hina:

— Ela aceitou.

Luz.

Quando Ren abriu os olhos, Mika havia desaparecido. O porão estava vazio outra vez.

Mas no chão, uma folha com um nome novo:

Aiko Hayashi.

Ren olhou para Hina, assustado.

— Aiko? Por quê?

Hina fechou o caderno devagar.

— Porque ela não se arrepende.

No corredor do terceiro andar, Aiko estava sozinha. As amigas tinham descido para o lanche, mas ela preferiu ficar para retocar a maquiagem. Olhava o espelho do armário com tédio, aplicando gloss.

Até que o espelho... mudou.

Ela piscou. Por um instante, seu reflexo a encarava com olhos vazios. E o fundo da imagem era o porão.

Ela girou nos calcanhares, tremendo.

— Deve ser cansaço — disse a si mesma, tentando rir. — Tô impressionada com essas historinhas.

Quando virou de novo para o armário, um bilhete estava preso na porta. Ela não lembrava de ter colocado nada ali.

Você já trancou alguém hoje?

Aiko engoliu em seco. Arrancou o papel e o amassou.

— Isso não é engraçado.

Atrás dela, passos lentos. Quando se virou, não havia ninguém no corredor.

Mas havia um som. Um sussurro. De dentro do armário.

Ela se aproximou devagar.

— Quem tá aí? Para de palhaçada...

E então, algo arranhou a porta por dentro.

Aiko deu um passo atrás.

— Chega! Eu vou chamar o diretor!

Mas a porta se abriu sozinha. E lá dentro, só escuridão.

A escuridão que ela conhecia.

A mesma onde trancaram Mika.

Aiko gritou quando a mão pálida saiu do escuro e segurou seu pulso.

Foi um segundo.

Mas quando ela recuou, sua pele já estava marcada. Uma palavra havia se gravado ali, em letras vermelhas, finas como lâminas:

Lembra.

Três meses antes

— Gente, isso é só uma brincadeira! — Aiko ria alto, segurando a porta do porão com as duas mãos. — A gente solta ela em cinco minutos!

Mika estava lá dentro, nervosa.

— Isso não tem graça! Me tirem daqui!

Ren, mais ao fundo, hesitava.

— Aiko, sério... vamos abrir. Tá escuro lá dentro, ela tá assustada...

— Ela vive colada na Hina como uma sombra — Aiko disse, rolando os olhos. — Talvez aprenda a se virar sozinha por cinco minutos.

Mika começou a bater na porta com força.

— POR FAVOR!

Aiko travou a tranca. Hina não estava naquele dia. Ninguém mais quis se meter. Todos riram, meio sem graça. Ren deu um passo à frente. E parou.

Cinco minutos passaram. Dez.

Quando abriram, Mika não estava mais lá.

Só o caderno.

E um espelho trincado na parede.

Presente

Hina observava tudo da escada, com o caderno fechado contra o peito. Não sorria. Não se emocionava. Apenas via.

Ren, ao seu lado, estava pálido.

— O que acontece quando todos os nomes forem lembrados?

Hina virou o rosto devagar.

— O caderno para de escrever.

— E você?

Ela demorou para responder.

— Talvez... eu pare também.

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