Meus dias estavam se esgotando de novo, e eu podia sentir o colapso se aproximando como uma tempestade. Era sempre o mesmo ciclo: eu sofria, desabava, passava mal, até que o milagre do beijo me salvava, eu era como a bela adormecida. Mas, dessa vez, eu queria ter algum controle. Eu tinha um roteiro. Não era uma obra-prima, mas era meu. Um texto curto, com diálogos simples e o mais importante: uma cena de beijo no final. Eu o apresentei aos colegas do curso de teatro depois da aula, tentando parecer confiante.
— É só uma cena rápida! Vai ser divertido. — eu disse, segurando as folhas impressas com as mãos suando.
Os olhares foram de ceticismo a puro desinteresse.
— Ana, a gente tá cansado — resmungou uma colega, já enfiando o casaco.
— E o texto tá meio... clichê. — outro acrescentou, franzindo o nariz.
— Mas é experimental! — insisti, forçando um sorriso.
— E não vai levar mais que vinte minutos.
Alguns foram embora. Outros ficaram, talvez por pena, talvez por curiosidade. Não importava. Eu tinha meu elenco. Fizemos no pátio da faculdade e no gramado do jardim, sem plateia, sem cenário. Só nós, o texto e a urgência que ninguém além de mim entendia. A cena era simples: dois estranhos se encontram numa estação de trem, falam sobre a vida e, no final, se beijam. Clichê? Talvez. Eficaz? Com certeza.
Quando chegou a hora, meu coração batia tão forte que eu quase achei que ia desmaiar antes do beijo. Mas então o Carlo, o colega que topou fazer meu par, inclinou a cabeça e nossos lábios se encontraram. Foi rápido. Técnico. Nada romântico. Mas funcionou. O calor voltou a correr pelas minhas veias, como se alguém tivesse ligado um interruptor dentro de mim. Suspirei aliviada.
— Até que foi divertido. — uma colega admitiu, rindo.
E, de repente, todo mundo estava rindo, brincando, como se aquele fosse só mais um dia normal. Eu sorri. Funcionou. Naquela noite, deitada na cama, eu refleti. E se eu tentasse resistir mais? Eu já sabia que sete dias era meu limite. Mas e oito? Nove? Quanto tempo eu aguentaria antes de desmoronar de vez? Decidi testar.
No dia seguinte, fui à farmácia e comprei vitaminas. No mercado, enchi o carrinho com frutas, verduras, tudo que prometia "energia" e "vitalidade". Comecei a correr de manhã, tentando fortalecer meu corpo. Os primeiros dias foram fáceis. No quarto dia, já sentia um cansaço diferente. No sexto, minhas pernas pareciam de chumbo. No sétimo, eu mal conseguia me levantar da cama. No oitavo, desabei.
Estava no corredor da faculdade, tentando chegar à sala de aula, quando o mundo começou a girar. Os alunos ao meu lado pareciam se mover em câmera lenta, seus risos distorcidos como um disco arranhado.
— Ana?
A voz de Marian veio de longe. E então tudo ficou preto. Quando acordei, Marian estava a meu lado, segurando um suco de laranja como se fosse um remédio milagroso.
— Bebe! — ela ordenou, empurrando o copo na minha mão.
Eu engoli o líquido doce, sentindo minha visão aos poucos se normalizando.
— O que foi isso, Ana? — Marian sussurrou, pálida.
— O oitavo dia — respondi, fraca. No oitavo eu posso colapsar. Não tem jeito. Eu acho que vou morrer.
Ela não precisou de mais explicações. Entendia tudo, sabia do perigo que eu corria e da minha necessidade urgente. Ela me levou para casa, para descansar. Já no meu quarto, deitada na cama, eu olhava para o teto enquanto Marian ficava sentada na minha escrivaninha, os olhos cheios de preocupação.
— Precisamos de um plano melhor — ela disse, decidida.
— Já tentei de tudo...
— Não tentamos isso. — Ela sorriu, maliciosa. — Toda semana, boate.
Eu arregalei os olhos.
— O quê?
— É perfeito! Lá todo mundo beija todo mundo, ninguém faz perguntas. A gente vai, você arruma um cara bonito, beija e vai embora. Fácil.
— Você tá sugerindo que eu beije desconhecidos?
— Melhor que desmaiar no meio do corredor, não é?
Eu abri a boca para protestar, mas... ela tinha razão. Não demorou muito e lá estávamos nós. A boate era escura, barulhenta e cheia de gente suando. Exatamente o tipo de lugar que eu odiava.
— Escolhe um. — Marian sussurrou no meu ouvido, apontando para um grupo de rapazes perto do bar.
— Isso é estranho...
— Ana. — Ela me encarou. Você vai desmaiar de novo a qualquer momento. Respirei fundo.
O rapaz era bonito, cabelo escuro, sorriso fácil. Fui até ele, puxei conversa.
— Você vem aqui sempre? — Ele perguntou, inclinando-se para me ouvir.
— Primeira vez!
Cinco minutos depois, estávamos nos beijando. Foi... vazio. Sem emoção. Só lábios e língua e o gosto de cerveja barata. Mas funcionou. Quando cheguei em casa, me joguei no chão do quarto e chorei. Chorei até ficar sem ar, até meus olhos queimarem. Porque eu não queria isso. Não queria ser uma mendiga de beijos, uma viciada em contato alheio. Eu só queria ser normal.
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Atualizado até capítulo 31
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