Tomioka e a Pilar do Gelo
proteção ou ciúmes?
Você não sabe exatamente quanto tempo ficou desacordada.
A dor ainda pulsa no ombro, mas está menor — abafada por remédios e ataduras bem feitas. O cheiro da pomada medicinal e o som suave de vento batendo na madeira indicam que você está em um dos refúgios do Esquadrão de Caçadores. Um quarto simples, de tatames limpos e luz fraca passando por uma janela de papel.
Você pisca lentamente, os olhos se ajustando. Vira o rosto para o lado — e ali está ele.
Tomioka. Sentado no chão ao lado da porta, com o haori dobrado sobre os joelhos, olhos fechados. Mas não está dormindo. Você percebe pela tensão dos ombros. Pela rigidez das mãos apoiadas nas coxas.
Abre os olhos. Os encontra com os seus.
Você sorri de leve, a voz ainda um pouco rouca:
Kuroi
Nossa... até parece que você ficou me vigiando.
Ele responde, automático. Rápido demais.
Você ergue uma sobrancelha.
Kuroi
Então o que você tá fazendo aqui, no meu quarto, com essa cara de quem não piscou desde ontem?
Ele hesita. Depois olha pro lado.
Tomioka
Estavam ocupados nos outros quartos.
Tomioka
E você... estava agitada. Achei melhor alguém ficar.
Kuroi
Você podia só admitir, sabia? Que ficou preocupado. Que ficou… com medo
Kuroi
Não sei o que passa na sua cabeça
Os olhos dele se voltam lentamente pra você. E pela primeira vez, ele não responde. Ele apenas fica ali, te olhando. Como se você tivesse dito exatamente o que ele passou a noite inteira tentando não pensar.
Depois de alguns segundos, ele se levanta. Anda devagar até o seu futon. Ajoelha ao seu lado. E, com uma delicadeza que você nunca imaginou ver vinda dele... ele toca sua mão.
Só com a ponta dos dedos. Rápido. Mas ainda assim, foi um toque. Voluntário.
Tomioka
Não se machuca de novo
você sorri, sem tirar os olhos dele:
Kuroi
E se eu me machucar... você vai estar lá, né?
O silêncio entre vocês, dessa vez, não é desconfortável.
É cheio de coisas que ainda não foram ditas.
E de sentimentos que ele — ainda — não sabe como lidar.
O sol da manhã invade o quarto com delicadeza. A brisa que entra pelas janelas carrega o cheiro de folhas e terra molhada. Você está sentada no futon, com o kimono levemente aberto no ombro, deixando à mostra a atadura que cobre seu ferimento.
Tomioka entra em silêncio, como sempre. Mas carrega um pequeno kit: gazes limpas, pomada, e um pano úmido.
Tomioka
Vim trocar os curativos
Ele diz sem te encarar, colocando o material ao lado.
Você sorri, já sentindo que vai se divertir com aquilo.
Kuroi
Nossa, serviço completo. Também serve chá?
Ele não responde. Ajoelha-se ao seu lado e, lentamente, começa a desfazer a atadura. Os dedos dele tocam sua pele com uma precisão quase exagerada — como se estivesse evitando ao máximo qualquer contato desnecessário.
Mas só de tocar, você sente: os dedos dele estão gelados. Um pouco trêmulos.
Você vira o rosto, fingindo inocência.
Kuroi
Tá nervoso, Tomioka?
Ele franze o cenho, sem olhar pra você.
Kuroi
Jura? Porque sua mão parece que vai cair de tanto que tá tremendo.
Você sorri, inclinando levemente o corpo, fazendo o pano escorregar mais do que precisava. A curva do ombro aparece por completo. E a ponta da atadura também.
Os olhos dele — por reflexo — descem
E voltam rápido. Rápido demais.
Tomioka
Você… podia não provocar.
Kuroi
Eu? Eu tô parada aqui, quietinha. Só tô respirando.
Ele limpa o ferimento com o pano úmido, e dessa vez, o toque é um pouco mais firme. Mas você sente: ele se concentra demais. O olhar fixo no machucado, como se aquilo fosse a missão mais importante do mundo.
Kuroi
Vai ficar uma cicatriz?
Tomioka
Mas mesmo se ficasse... não mudaria nada.
Kuroi
Olha só... isso foi um elogio?
Ele trava por um segundo.
Tomioka
Foi uma constatação.
Você morde o lábio pra não rir. Ele termina de enrolar a nova atadura, o olhar ainda focado, mas você percebe: as orelhas dele estão levemente vermelhas.
E então, no final, ele ajeita o tecido do seu kimono no ombro. Lento. Cauteloso. Como se aquele simples toque carregasse mil riscos.
Você segura a mão dele por um segundo, antes que ele se afaste.
você sorri, suavemente agora
Kuroi
Obrigada por cuidar de mim
Tomioka
Não é porque eu gosto de você
Ele diz, rápido, quase como se estivesse se defendendo de algo que nem foi dito.
Você levanta uma sobrancelha.
Kuroi
Mas você não gosta de mim?
Os olhos dele descem pra sua mão, ainda segurando a dele. Depois, voltam pro seu rosto.
E ele solta, num tom mais baixo... mais honesto:
Tomioka
Eu ainda estou tentando entender por que gosto tanto
Dias depois, você já está bem o suficiente pra treinar leve. O braço ainda dói um pouco, mas você insiste em voltar aos treinos no pátio do Esquadrão. Sozinha, no começo.
A manhã está tranquila. O som dos pássaros se mistura com o ritmo do seu katana cortando o ar. Uma sequência rápida da sua Terceira Forma: Tempestade de Gelo levanta folhas congeladas ao redor de você — uma dança fria e afiada.
kaname
Impressionante, como sempre.
É Kaname Mitsuru, um caçador experiente que já lutou ao seu lado uma vez. Bonito, gentil, e claramente encantado por você.
kaname
Parece que o gelo dança quando você se move
kaname
Quase esqueci que é uma técnica de combate mortal.
Você sorri, mantendo a postura:
Kuroi
Quer tentar acompanhar? Só pra lembrar que é mortal mesmo
Ele ri e se aproxima, oferecendo a mão pra corrigir sua postura de kata:
kaname
Posso? Só um ajuste no equilíbrio aqui...
Mas ele nem chega a encostar.
Porque alguém surge de repente atrás dele.
Tomioka
Ela não precisa da sua ajuda.
A voz fria e cortante interrompe tudo. Você sente até a temperatura mudar.
kaname se vira, surpreso — e dá de cara com Tomioka.
Ele está sério. O haori balançando com o vento. O olhar fixo, direto. E cheio de algo que já não dá mais pra disfarçar:
diz Mitsuru, tentando rir.
kaname
Só estava ajudando...
Tomioka
Ela é Hashira. Ela não precisa que você encoste nela pra “ajudar”
Kaname engole seco. Você observa tudo em silêncio, e por dentro, se diverte muito.
Você diz, tranquila, olhando de Tomioka pra Mitsuru.
Kuroi
Agradeço a intenção, Kaname. Mas já tô acostumada com esse tipo de... "treinamento".
Tomioka te lança um olhar afiado, como se dissesse "sério que vai continuar provocando?"
Kaname, constrangido, se despede e vai embora.
Tomioka
Isso foi... proteção
Ele diz, seco, olhando pra onde Mitsuru foi.
Tomioka
E você devia ser mais cuidadosa com quem deixa chegar perto.
Você dá um passo em direção a ele, desafiadora.
Kuroi
Mas você pode chegar perto, né?
Ele te encara. Sem piscar. Sem fugir.
Tomioka
Posso. Porque eu sei o que fazer... se alguém tentar tirar você de mim.
Você sente o coração acelerar. O dele, você quase ouve de onde está.
Ele se aproxima mais. De tão perto, você sente o cheiro da chuva nos cabelos dele. A tensão no corpo dele. A luta interna entre o “não posso” e o “já é tarde demais”.
Kuroi
Então quer dizer que sou sua agora?
Ele fecha os olhos por um segundo. Inspira fundo.
Ele abre os olhos, fixando nos seus.
Tomioka
Mas você está cada vez mais perto de ser.
Você permanece ali, firme, com aquele sorrisinho provocador no rosto.
Kuroi
Então devo lhe desejar boa sorte, Tomioka.
Ele não responde de imediato.
Só te encara. Os olhos afiados, o maxilar trincado, o peito subindo e descendo devagar, como se estivesse tentando não explodir ali mesmo.
E então, sem aviso, ele dá um passo à frente.
Você não se move. Mas sente o corpo reagir — o ar entre vocês fica elétrico. O olhar dele queima mais que qualquer chama do Rengoku.
Ele se inclina levemente, falando baixo, mas com a voz carregada de tensão:
Tomioka
Eu não preciso de sorte, Kuroi
Você arqueia uma sobrancelha, desafiante:
Kuroi
Ah, não? Vai me conquistar só com cara fechada e silêncio?
Tomioka
Eu vou te conquistar do meu jeito.
Tomioka
E quando você perceber… já vai ser tarde pra fugir.
Seu coração dispara. Mas você não deixa transparecer. Ou tenta.
Kuroi
Isso soa como uma ameaça, Tomioka...
Ele se aproxima mais. A respiração dele agora roça sua pele.
Você sente o estômago virar.
A mão dele levanta — e para bem perto do seu rosto. Ele não toca. Só paira ali, centímetros de distância. É quase pior do que o toque. A tensão, o não-dizer, o quase.
Tomioka
Você pode brincar, Kuroi
Ele diz, quase num sussurro.
Tomioka
Pode provocar o quanto quiser.
Ele agora olha nos seus olhos com algo que nunca tinha deixado escapar antes: posse. Desejo.
Tomioka
Mas lembra bem do que vou dizer agora...
Quando você for minha, vai ser por completo. Sem espaço pra ninguém mais.
Você engole seco, mas ainda mantém o sorriso nos lábios. Malicioso. Curioso.
Kuroi
Tô começando a achar que você realmente quer me ter, Tomioka.
Ele sorri de canto, por incrível que pareça. Mas agora, com uma confiança nova. Fria. Letal.
E então… ele vira as costas e sai andando como se nada tivesse acontecido. Deixa você ali, com o coração disparado e o sorriso se desfazendo aos poucos, substituído por um calor que te invade dos pés à cabeça.
Ele sabe o que está fazendo agora. E você sabe que já não tem mais tanta certeza de quem está no controle da provocação.
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