Dela, ele só sabe o nome

E hoje cê vai entender que o coração do Davi tá igual elevador de favela: sobe, desce, trava no meio e ainda tem aviso sonoro.

O dia amanheceu meio torto no morro. Sabe quando o céu fica claro, mas o ar parece pesado? Tipo prenúncio de confusão. Pois é. E confusão tinha nome — Camila.

Davi acordou com aquele sorriso bobo no rosto, lembrando do beijo da noite anterior. Foi um beijo simples, mas não era qualquer beijo. Era beijo com gosto de perigo e cheiro de coisa errada. Beijo que gruda na memória igual chiclete no tênis novo.

Desde então, ele tava rindo sozinho, andando leve, achando que tava vencendo no jogo do disfarce... Mal sabia ele que tava jogando damas enquanto ela já tava no xadrez há anos.

Saiu do quartinho que tava alugando com a desculpa de “ir comprar pão”. Mentira. Foi dar uma volta, ver se trombava com ela. Porque agora era isso: Davi procurava Camila no movimento da rua, no som alto dos vizinhos, na risada das meninas que passavam rebolando com filtro solar no rosto e olho no prêmio.

Mas nada dela.

Nem sinal da braba. Nem sombra da doce. E aí é que mora o problema: Davi só conhecia a Camila da cerveja, do papo torto e do beijo quente. A Camila do bar. A Camila da risada fácil. A Camila que ele achava que tava pegando… mas que, na real, já tava era com ele na palma da mão.

— Fala comigo, parceiro — a voz veio do fone de ouvido, meio chiada, vinda lá da base da polícia. Era Murilo, o parceiro da operação. — Qual é a dessa tal de Camila?

Davi congelou na hora. Coração até fez moonwalk no peito.

— Como assim? — disfarçou, tentando parecer calmo.

— Tô vendo aqui no relatório da quebrada. Nome dela aparece em umas conversas suspeitas, coisa antiga… Nada direto, mas tem fumaça, mano.

Davi deu um riso seco, tipo quem tenta tirar onda mas já tá com a pulga tatuando o lóbulo da orelha.

— Ah, cê tá de zoeira. A mina é de boa. Só trombei no bar, troquei ideia, normal.

Murilo não comprou.

— Davi… tu tá aí pra desmascarar a tal da Arlequina, certo? E essa mina, essa tal de Camila, ninguém conhece de verdade. Só sabem que ela brotou no morro tem um tempo, se enturmou com geral, mas nunca se entrega muito. É gente demais olhando pra ela com medo... ou respeito.

Davi ficou em silêncio. E em silêncio o pensamento bate mais forte, né?

Camila.

A mulher que tinha um sorriso de anjo e um olhar que parecia esconder bomba relógio. Que falava manso mas já tinha jogado frases afiadas o suficiente pra arrancar verdade de bandido.

— Dela, cê só sabe o nome — Murilo completou. — E se o nome for falso?

Davi desligou o rádio. Não porque não queria ouvir. Mas porque, no fundo… já tinha ouvido tudo.

Saiu andando, mas agora com outro olhar. Onde antes tinha encanto, agora tinha dúvida. Começou a lembrar das entrelinhas, das risadas que vinham com pergunta, dos silêncios calculados. Camila não era só bonita — era estratégica. E isso doía mais do que atraía.

Foi andando pela viela principal, cabeça girando mais que CD de forró na laje. Lembrou de cada detalhe daquela noite no bar. O jeito que ela segurou o copo. Como olhou nos olhos dele como quem já sabia tudo. A piadinha sobre investigação. A provocação sutil.

E se Murilo tivesse certo? E se a mina fosse mais do que só um rolinho perigoso? E se ela fosse a própria missão?

Parou num barzinho menor, sem muito movimento. Pediu uma água — olha que ironia, depois de uma noite de cerveja e beijo. Sentou de canto, tentando raciocinar.

Foi quando ouviu atrás dele:

— Esperando alguém… ou fugindo de mim?

Camila.

A voz mansa. A risada debochada. E o susto que veio como tapa sem aviso.

Davi tentou manter a pose.

— Tava por aí. Pensando.

— Pensando se eu aparecia?

Ele fingiu que não entendeu, mas ela se sentou na cadeira à frente sem pedir licença, como quem já era dona do espaço — e dele.

— Tô com sede — ela disse, já chamando o garçom. — Mas hoje não quero cerveja. Quero tua atenção.

Davi engoliu seco.

— Cê sempre é direta assim?

— Só quando o alvo é difícil de acertar.

Eita. Camila atirando pra matar. Só que agora Davi começou a se perguntar se o alvo era o coração dele ou o distintivo que ele escondia na cintura.

— Cê vive perguntando e desviando. Parece que tá procurando algo em mim — ela disse, com o olhar cravado nele. — Tá querendo saber de onde eu vim?

— Talvez — ele respondeu.

— Que bom. Porque eu também tô querendo saber de onde cê veio, Davi.

Silêncio.

Se olhasse bem, dava pra ver que os dois estavam armados — não de pistola, mas de intenção.

Ela se levantou, passou a mão no ombro dele e deixou um bilhete dobrado em cima da mesa.

— Se quiser mesmo me conhecer, aparece.

Saiu antes que ele pudesse responder.

Davi desdobrou o papel e leu:

“Nem tudo que brilha é ouro. Mas às vezes, o perigo brilha mais do que o certo.”

Assinado: C.

Ele leu aquilo com o estômago virando cambalhota. Porque agora ele não sabia mais se queria descobrir quem era Camila… ou se queria continuar se enganando só pra ter desculpa pra vê-la de novo.

Uma coisa era certa: dela, ele só sabia o nome. E talvez nem isso fosse verdade.

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