Cerveja e beijo

Já aviso: quando a cerveja desce gelada, o perigo sobe quente.

Tava uma noite daquelas no morro — nem muito quente, nem muito fria, só perfeita pra dar ruim. O tipo de noite que o vento carrega fofoca e os olhos se perdem em pele descoberta. Davi, já mais enturmado, resolveu colar num boteco que o pessoal chamava de “Refúgio”, mas que de refúgio não tinha nada. Ali era palco: palco de treta, palco de risada, palco de história pra contar no outro dia… se sobrevivesse.

E quem tava lá?

Ela.

Camila. Com o shortinho de sempre, sorriso nos lábios e um copo de cerveja tão gelado que dava até dó da garrafa. Sentada na mesa do canto, perna cruzada, rindo alto de algo que só ela achava graça. Porque Camila tinha dessas: ria como se soubesse mais que os outros. E quase sempre… sabia.

Davi chegou de mansinho, achando que ia passar batido. Que nada! Camila já tinha visto ele na entrada e já tinha tramado toda a cena mentalmente. Ela era dessas — não dava ponto sem nó.

— Olha quem apareceu — ela soltou, levantando o copo na direção dele como se fosse um brinde. — O moço do Wi-Fi.

— Tava sem sinal por aqui? — ele respondeu, com aquele sorrisinho torto que já era quase marca registrada.

— Tava sem graça, na verdade. Mas aí você chegou.

ZÁS! Primeira cutucada, e Davi tentou não tropeçar na própria marra. Sentou sem ser convidado, porque né… orgulho de macho é igual lata de refrigerante vazia: faz barulho, mas não tem nada dentro.

— Vai querer cerveja ou vai continuar nessa pose de funcionário público em horário de plantão?

Camila não perdoava. Ela alfinetava com charme e deixava a vítima feliz por sangrar.

— Só se você pagar — ele rebateu, entrando no jogo.

— Se eu pagar, cê vai beber ou vai me investigar?

PLAU! Segunda cutucada. E agora sim, o clima pegou fogo. Mas era fogo gostoso, fogo de olhar demorado, de sorriso de canto, de gente que já se sacaneia de propósito só pra ter motivo pra ficar perto.

Camila chamou o garçom com o estalar dos dedos e pediu duas.

— Cê não me parece muito de boteco — ela disse, passando a unha no rótulo da garrafa. — Parece mais aqueles boy que bebe vinho e finge que sabe o que é tanino.

— E você parece que lê gente demais.

— Eu leio mesmo. Principalmente quando o livro é bonito.

PÁ! Terceira. Davi até disfarçou, levou a garrafa à boca, mas a cerveja parecia esquentar no gargalo.

Ela era fogo. E ele, coitado, achando que tava no comando.

— Tu sempre é assim com todo mundo? — ele perguntou, meio rindo, meio tenso.

— Só com quem vale a pena perder tempo.

Aí ficou em silêncio por dois segundos. E em morro, dois segundos de silêncio é igual a cinco minutos de cidade grande. É muito.

— E tu? — ela devolveu. — Sempre anda todo certinho? Até no meio do bar parece que tá disfarçado.

Davi quase engasgou. O coração deu um pulinho ali, ó — igual peixe fora d’água.

— Disfarçado? Eu? — fingiu rir. — Cê tá vendo coisa.

— Tô vendo sim. Tô vendo um cara que não combina com esse lugar, mas mesmo assim se encaixa bem demais na minha mesa.

Ele não sabia mais se era paquera ou interrogatório. Só sabia que queria ficar.

O bar ao redor sumia aos poucos, virava só ruído. As luzes tremeluzentes piscavam como se tivessem opinando, e o cheiro de churrasquinho na brasa fazia a cena parecer mais real do que devia.

— Por que tu sentou aqui? — Camila perguntou, depois de virar o copo.

— Porque você me olhou.

— E se eu não tivesse olhado?

— Eu ia olhar do mesmo jeito.

Aí, minha filha… o jogo virou flerte assumido.

Ela sorriu. Um sorriso que carregava todos os pecados e nenhuma culpa.

— Então olha de novo.

E ele olhou. Dessa vez mais devagar, descendo pelo pescoço dela, parando no canto da boca, pousando nos olhos. Camila segurou o olhar. Tinha perigo ali. Mas um perigo tão gostoso que dava vontade de tropeçar só pra cair de novo.

— Tá quente aqui — ela disse, se abanando com a mão. — Ou cê que chegou fervendo?

— Deve ser a cerveja — ele disse, quase gaguejando.

E foi nesse clima que ela se aproximou. Chegou perto, com o cabelo balançando de leve, com o perfume dela tomando conta do ar entre eles. O rosto ficou a dois palmos, depois um, depois nenhum. Mas ela não beijou. Ainda não.

— Tá com medo de mim, moço do Wi-Fi?

— De você?

— É. Ou da mulher que eu sou quando o sol se põe.

Davi riu, nervoso. E ela, com aquela pontinha de mistério na fala, encostou os lábios nos dele. Devagar, como quem não tem pressa nenhuma. Um beijo sem compromisso, mas com intenção. Um beijo que prometia guerra. Um beijo que confundia coração e missão.

Quando se afastou, Camila limpou o canto da boca com o dedo e ainda lançou:

— Considera meu sinal desbloqueado agora.

Davi ficou ali, perdido. Entre o gosto da cerveja e o gosto da boca dela, sem saber se queria sair correndo ou ficar pra sempre.

Camila se levantou, pegou a bolsa com desprezo de rainha e antes de ir, ainda jogou:

— Valeu a cerveja. Na próxima, tenta não se apaixonar.

E foi embora. Rebolando.

E ele? Sentado. Tonto.

Porque agora era oficial: ele tava na rede dela, e nem sentiu o nó apertar.

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Thay Violet

Thay Violet

🤣🤣🤣

2025-09-02

1

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