As horas passam lentas, dolorosas.
Sentada no canto do quarto em que me trancaram, um cômodo amplo demais, bonito demais para alguém como eu observo a luz dourada do fim da tarde filtrando-se pelas janelas altas.
Então, a porta se abre.
Três mulheres entram, vestidas em tons claros, com rostos neutros e olhares baixos. Carregam baús, tecidos e frascos.
Eu me levanto de imediato, o coração disparado.
- Viemos preparar você para o casamento. Diz a mais velha, em um tom de voz quase frio, como se essa fosse a coisa mais normal do mundo.
Casamento.
A palavra pesa em meu peito como uma pedra.
Meus punhos se fecham.
- Eu não vou. Minha voz sai firme, mesmo que minhas pernas tremam.
As mulheres trocam olhares inquietos, mas continuam se aproximando.
- Será melhor para você não resistir. Uma delas diz, mais baixinho.
Não me importo. Meu orgulho ainda queima mais forte que o medo.
A porta range novamente, pesada, e, quando olho, meu sangue gela.
Ele está ali.
O Rei Raphael Valmont.
Vestido em roupas negras bordadas a ouro, ele parece ainda mais imponente, mais cruel, mais inalcançável.
Seus olhos me fixam, intensos.
- Vai resistir até o fim, Aurora? Pergunta, descendo alguns degraus na minha direção. Sua voz é suave, perigosa como o canto de uma serpente.
Engulo em seco.
Parte de mim quer gritar, quer lutar. Mas sei que seria inútil e perigoso.
Não posso vencê-lo assim.
Então, respirando fundo, levanto o queixo com dignidade.
- Eu irei... Digo, as palavras me ferindo mais do que qualquer corrente poderia.
- Mas quero... respiro fundo de novo.
- Quero ver meus pais antes.
Ele para diante de mim, tão perto que sinto seu calor, seu perfume de especiarias e couro.
Sua boca se curva em algo que poderia ser um sorriso... ou uma ameaça.
- Você não está em posição de pedir nada. Ele sussurra, inclinando-se para que apenas eu ouça.
Fecho os olhos por um segundo, tentando conter as lágrimas. Quando abro, falo novamente, mas desta vez com a voz mais suave que consigo reunir:
- Por favor, Vossa Majestade. Deixe-me ver meus pais. Só uma última vez.
Há um momento de silêncio que parece durar uma eternidade.
Então, ele endireita a postura e diz, sem emoção:
- Mandarei buscá-los.
Sinto minhas pernas fraquejarem de alívio.
Não confio nele.
Talvez seja uma armadilha, uma ilusão cruel.
Mas, ainda assim, é uma esperança.
Ele se vira e sai, sem me dar mais atenção.
Assim que a porta se fecha, as mulheres se aproximam de novo.
Não luto. Não agora.
Deixo que retirem minhas roupas sujas, sentindo minha alma se despir junto com os trapos que vestia.
Elas me banham com água morna, esfregam minha pele até quase doer. Passam óleos perfumados, penteiam meu cabelo com dedos ágeis, mas firmes.
Enquanto tudo acontece, eu me sinto como uma boneca.
Uma peça a ser embelezada para o prazer de um tirano.
As lágrimas ameaçam escapar, mas as engulo com força.
Eu não vou dar a ele o prazer de me ver quebrada.
Me vestem com um traje que jamais imaginei usar. Um vestido vermelho sangue, leve como o vento, com mangas de renda que caem pelos ombros e bordados delicados no corpete.
É lindo. Incrivelmente lindo.
Mas me sinto deslocada dentro dele.
Uma das mulheres coloca uma coroa de pequenas no meu cabelo solto e arrumado.
Olho para meu reflexo no espelho de prata.
Não me reconheço.
Vejo uma jovem pálida, de olhos inchados, vestida como uma princesa de contos de fadas distorcidos.
Um conto onde o monstro venceu.
As mulheres trabalham em silêncio, e a tensão é sufocante.
Quando terminam, apenas recuo até a janela, observando o pátio lá fora.
Será que meus pais virão?
Será que eles me verão assim, forçada a me tornar algo que nunca quis?
Meu estômago se revira.
- Está pronta. A mais velha diz, respeitosa.
Apenas aceno com a cabeça.
As horas se arrastam.
O céu escurece, tingido de azul profundo.
As tochas são acesas nos corredores.
Então, ouço cavalos chegando. Gritos. Passos correndo.
Meu coração bate mais forte.
As mulheres se enfileiram, baixando as cabeças.
A porta se abre novamente e um guarda entra.
- Seus pais estão aqui. Anuncia.
Sinto um nó na garganta. Minhas pernas querem correr até eles, mas me obrigo a manter a calma.
- Posso vê-los? Pergunto, minha voz saindo trêmula.
O guarda faz um gesto, e logo atrás dele meus pais surgem.
Minha mãe, com o avental ainda sujo da lã que tingia.
Meu pai, com as mãos calejadas de tanto trabalhar no tear.
Assim que me veem, lágrimas brotam nos olhos deles.
Corro para abraçá-los, sem me importar com a etiqueta ou o protocolo.
Meus braços se fecham ao redor deles com desespero.
- Minha menina... Minha mãe soluça, apertando-me contra si.
- Meu Deus, o que ele fez com você? Meu pai rosna baixinho, encarando os soldados como se pudesse enfrentar todos eles sozinho.
Eu apenas choro, aninhada entre eles, por um instante me permitindo ser apenas a filha deles, a Aurora que sonhava ensinar crianças, que amava os campos floridos e as histórias contadas à beira do fogo.
- Eu não tenho escolha...Sussurro para eles, mal conseguindo respirar.
- Nós sabemos, minha filha. Minha mãe diz, acariciando meus cabelos.
- Nós sabemos.
Não tenho palavras para dizer adeus.
Como se diz adeus à vida que sonhou?
Apenas os abraço mais forte.
Papai acaricia meu rosto, me abraça apertado e diz algo em meu ouvido:
- Minha pequena Aurora...você sempre sonhou em ajudar as pessoas, sempre lutou pelos mais pobres e sei o quanto ama o seu povo. Se o rei se apaixonar de verdade por você, você será a mulher mais poderosas do reino, e poderá influenciar decisões políticas, guerras, tratados. Poderá fazer o que é certo para o seu povo. Use isso ao seu favor.
Quando os soldados dão um passo à frente, indicando que o tempo acabou, eu recuo, forçando um sorriso para eles.
- Sejam fortes por mim. Peço.
Minha mãe leva a mão ao peito, como se quisesse arrancar o coração, mas acena com a cabeça.
Meu pai, com os olhos brilhando de raiva e dor, simplesmente diz:
- Nunca se esqueça de quem você é, Aurora. Os seus valores te guiarão.
Então eles são levados.
E eu fico sozinha de novo.
Uma noiva sem escolha, vestida para uma vida que não escolhi.
Respiro fundo, me endireito e olho para frente.
Eu enfrentarei isso.
Eu enfrentarei o tirano Rei Raphael Valmont.
E um dia... um dia, ele verá que a garota humilde de um povoado esquecido é mais valiosa do que pensa.
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Atualizado até capítulo 36
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