Camila
As horas seguintes foram de silêncio, chá morno e reflexões muito sérias sobre como não morrer tragicamente como a vilã de um romance. Eu estava em território perigoso. Literalmente.
E por mais que tudo ainda parecesse um sonho estranho, uma coisa era certa: se eu estava mesmo dentro do livro que li mil vezes, então era melhor agir com a sabedoria de quem já viu esse filme — e não quer repetir o final.
Decidi começar com um pedido simples à Matilde, que me olhou com o mesmo susto de antes, como se eu fosse uma bomba prestes a explodir.
— Matilde, você poderia... me trazer uma lista das pessoas que foram demitidas por minha causa?
Ela arregalou os olhos como se eu tivesse acabado de pedir para ela me envenenar.
— Senhora?
— Por favor. Não vou fazer nada com essa informação, eu só... quero consertar as coisas.
Matilde hesitou, mas acabou obedecendo. Algumas horas depois, voltou com uma pilha de nomes maior do que o número de amigos que eu já tive na vida. Eram jardineiros, criadas, tutores, cozinheiros... até um harpista. Um harpista!
Senti meu estômago embrulhar. Eu não conhecia aquelas pessoas, mas o pensamento de ter sido o motivo do sofrimento delas me incomodava de um jeito inesperado.
Então, tomei uma decisão.
— Matilde, preciso de papel, tinta, envelopes... e também que me diga onde posso vender alguns vestidos.
Ela, mais uma vez, ficou em pânico.
— Senhora, aqui todos recebem compensações justas por trabalharem com... com a senhora. Recebemos bem mais que a senhora imagina
— Não é o bastante — respondi, firme. — Eu preciso fazer isso do meu jeito. Com o meu dinheiro. Ou melhor, com os meus vestidos.
Durante os dias seguintes, comecei a escrever cartas à mão, uma a uma, com o pedido de desculpas mais sincero que consegui elaborar. A cada envelope selado, algo em mim se aliviava. Era como se, pouco a pouco, eu estivesse limpando o peso do passado da Camila original. Mesmo que ele não fosse meu.
Enquanto isso, também decidi me desculpar com os empregados que ainda trabalhavam na mansão. Alguns choraram. Outros pareciam confusos, como se eu tivesse sido substituída por uma sósia de outro planeta. Mas logo os olhares desconfiados começaram a mudar. Pequenos sorrisos apareceram. Gestos gentis. E pela primeira vez, eu não me sentia odiada.
Entre uma carta e outra, fiz o que qualquer pessoa sensata faria em uma situação dessas: criei uma lista de sobrevivência.
Plano Camila: Como Não Morrer no Final
Pedir desculpas a todos (feito — ou em progresso)
Ser amável e dedicada (mesmo quando quiser esganar alguém)
Ficar longe do príncipe (cabelos dourados? Não, obrigada)
Evitar qualquer contato com a protagonista (heroína \= encrenca)
Juntar uma boa quantia de dinheiro (vestidos vendidos até agora: 4)
Mudar-se para uma cidade pacata com flores, paz e um gato talvez
Achar o diário da Camila original (quem sabe ela deixou dicas?)
Entender meus poderes mágicos (porque sim, eu tenho... talvez?)
Foi aí que me lembrei de um detalhe importante: na história original, a vilã foi acusada de bruxaria. Mas nunca ficou claro se ela realmente tinha poderes ou se foi só mais uma tragédia empurrada pela narrativa. E, sinceramente, se eu tiver uma faísca de magia nesse corpo... vou descobrir. E aprender a usar.
Porque desta vez, a vilã vai sobreviver. E quem sabe até... ser feliz?
Os dias passaram como folhas levadas pelo vento. Eu começava a me adaptar à nova rotina: cartas, desculpas, sorrisos desconfiados e o som de passos cautelosos pelos corredores. Mas algo ainda me incomodava. Faltava uma peça. Uma ponte entre a Camila de antes e a de agora. E se eu quisesse mesmo entender onde havia me metido — e principalmente quem eu era nesse corpo — eu precisava da verdade.
Eu precisava encontrar o diário.
Revirei quartos, armários, gavetas. Vasculhei móveis antigos, desci até o porão da biblioteca e até me arrastei por detrás de cortinas empoeiradas. Nada. Até que, ironicamente, foi atrás de uma velha lata de biscoitos atrás da cômoda do meu escritório que encontrei um pequeno volume de couro envelhecido, escondido como um segredo.
Meus dedos tremiam quando o abri.
As primeiras páginas tinham uma caligrafia apressada, ansiosa, como se a dona daquelas letras estivesse sempre com pressa para desabafar.
*"Eles não vieram hoje. Nem sequer perguntaram por mim. Mamãe mandou flores. Papai mandou silêncio. Eu só queria que um dos dois sentasse ao meu lado e me perguntasse como estou. Mas ninguém pergunta. Nunca perguntam."*
Virei mais uma página.
*"A cozinheira sorriu pra mim. Fui ríspida de novo. Por que faço isso? Por que falo com tanta frieza? Talvez porque se eu parecer forte, ninguém veja o quanto estou quebrada por dentro."*
*"Hoje, algo estranho aconteceu. Eu estava chorando no quarto e de repente as janelas se abriram sozinhas. O espelho rachou. Senti como se uma onda tivesse saído de dentro de mim, como se meus sentimentos ganhassem forma e quebrassem o mundo ao meu redor."*
Parei, o coração apertado. Era como se a antiga Camila estivesse me sussurrando em cada palavra.
*"Eu não queria machucar ninguém. Só não sei controlar o que acontece quando estou triste, quando estou com raiva. Algo dentro de mim... pulsa. Queima. É assustador."*
Virei mais páginas, com lágrimas se acumulando nos olhos.
*"Gostaria de ir a um baile. Usar um vestido azul claro, com flores no cabelo e dançar com alguém que me olhe como se eu fosse importante. Mas ninguém me convida. Dizem que sou amarga. Mas a verdade é que estou... vazia."*
Fechei o diário devagar, abraçando-o contra o peito. Agora eu entendia. A Camila desse mundo não era só a vilã que as páginas do romance contavam. Ela era uma menina sozinha, esquecida, desesperada por amor e compreensão. E seus poderes... talvez fossem a manifestação de tudo o que ela nunca pôde dizer.
— Eu vou cuidar de você agora — murmurei baixinho, mesmo que ela já não estivesse aqui. — Prometo.
Estou bem mais que decidida viverei uma boa vida, farei tudo o que ela sonhava farei isso por nós duas. Antes que eu terminasse a linha de pensamento, um dos empregados entrou correndo no meu quarto.
— Senhora! Senhora! Chegou uma carta do seu pai.
Ilustração do diário
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Atualizado até capítulo 70
Comments
Antonia Silva
É ser desprezada pela família e demais pessoas é muito doido não ser amada por ninguém é muito complicado, espero que essa semana encarnou como Camila possa mudar o rumo da história sem se machucar 🥹🥹🥹🥹🥹🥹🥹🥹🥹🥹
2025-06-16
0
Edna César
coitada
são as pessoas que criam um vilão.
2025-05-31
7
Vó Ném
Verdade é esse vilão corrói a pessoa , minando-a!!
2025-06-04
2