Capítulo 3 - Afundar (Leandro)

Narrado por Leandro Morelli.

Fiquei sozinho na suíte depois que Thalita saiu. O silêncio parecia mais barulhento do que qualquer grito.

Joguei a pasta de documentos sobre o sofá, tirei o paletó e comecei a abrir os botões da camisa social como se estivesse arrancando uma armadura. Soltei um suspiro longo e me joguei na cama king-size, afundando no colchão macio.

O sol entrava pela varanda, dourando o quarto com uma luz quente e silenciosa. Pela primeira vez em muito tempo, não havia ninguém me dando ordens. Nenhuma obrigação. Nenhuma manipulação. Nada além de mim e o vazio que eu carregava no peito.

O celular vibrou em cima do criado-mudo. Peguei sem nem olhar o visor. Só atendi.

— Onde você tá, Leandro?! — gritou a voz de Laura, minha mãe.

— Já saí da mansão — respondi, seco.

— Você tá maluco? Como sai assim sem me avisar? Depois do papai ter uma conversa com você, ele foi atrás do Dante! Do Dante, Leandro! — A voz dela subiu ainda mais, quase um chilique. — Ele vai entregar definitivamente o comando da empresa pro inútil do Dante.

— Não me importo mais com a empresa — murmurei.

— Como assim não se importa?! Você tem ideia do que isso significa pra nossa família? Pra mim? Você é um ingrato, um inútil, um fraco! Eu me esforcei tanto pra te colocar no lugar certo! Você tá jogando tudo fora por causa de um velho gagá!

Fechei os olhos, inspirando fundo. A voz dela era como uma faca arranhando minha memória. A mesma que me manipulou desde que eu era criança. A mesma que dizia que amar era fraqueza. Que confiar era burrice. Que família era só um meio para conseguir poder.

— Chega, mãe! Aquele velho gagá e teu pai se entendam vocês dois.— falei, e antes que ela respondesse mais alguma coisa, apertei o botão vermelho e desliguei. A tela do celular apagou. E com ela, um pouco do peso que carregava nos ombros.

Levantei, tirei a camisa por completo e fiquei ali, olhando para o horizonte através da varanda. O mar era uma linha azul se fundindo ao céu alaranjado. A luz do fim de tarde invadia o quarto, tingindo as paredes de ouro.

Pela primeira vez... eu apenas respirei.

Não sei quanto tempo fiquei ali, parado. Só sei que, quando o céu escureceu e a lua apareceu, resolvi sair.

Vesti um short bege, uma camisa de linho leve e calcei tênis brancos. Peguei minha carteira e o cartão magnético da suíte e desci pelo elevador.

O saguão estava mais movimentado agora. Hóspedes entrando, saindo, funcionários andando de um lado pro outro. Mas eu passei por todos como um fantasma.

Fui até o bar do hotel, um espaço sofisticado com iluminação baixa, balcões de madeira escura e prateleiras cheias de garrafas cintilantes. O barman um homem jovem, alto, de barba bem-feita e tatuagens no braço me recebeu com um sorriso.

— Boa noite, senhor. O que vai beber?

— Um copo de uísque. O melhor que tiver, Sem gelo.

Ele serviu. O líquido âmbar desceu queimando pela garganta, como se quisesse arrancar de dentro de mim tudo o que eu me recusava a sentir.

Virei o primeiro. Depois o segundo. Terceiro. Quarto.

Perdi a conta depois do sexto

A música ambiente ficou mais alta. Risos começaram a ecoar pelo bar. Casais sentavam-se nas mesas ao redor. O som de taças brindando, passos, flertes, conversa fiada... tudo foi se tornando um borrão.

Me levantei. Cambaleei um pouco, mas continuei andando.

Saí pela lateral e fui em direção à área externa, onde as piscinas brilhavam sob a luz da lua. As águas estavam calmas, refletindo as estrelas. O barulho do mar ao longe misturava-se ao vento que soprava, carregando o cheiro de sal e cloro.

Fiquei parado por um instante, admirando a paz que vinha de fora. O oposto da bagunça dentro de mim.

Dei mais alguns passos... e tropecei.

Nem sei como aconteceu. Só sei que, de repente, estava caindo.

O impacto da água me despertou por um segundo, mas não o suficiente para me fazer reagir. Afundei. Fiquei lá, no fundo da piscina. Os olhos abertos, olhando para cima. A água me envolvia como um cobertor gelado, e pela primeira vez em muito tempo... eu não senti medo.

Não queria subir.

Não queria voltar.

Fiquei ali, como se o peso da culpa fosse o que me mantinha no fundo.

Então uma sombra cortou a água acima de mim.

Alguém mergulhou.

Braços firmes me puxaram pra cima, e quando emergi, tossindo e engasgando, ouvi a voz.

— Leandro! Meu Deus, o que você fez?! Tá maluco?!

Era ela.

Thalita.

Seu rosto estava molhado, os cabelos grudando na pele. A blusa branca colava ao corpo, revelando suas curvas. Os olhos cor de mel, arregalados, misturavam pânico e raiva.

— Você tá tentando se matar, é isso?! — gritou.

— Tava só... nadando — resmunguei, com a língua enrolada.

— Nadando? De roupa?! Cambaleando?! Leandro, você caiu! Podia ter morrido! — Ela se virou para um funcionário que havia corrido até nós. — Me ajuda, por favor. Vamos levá-lo até a suíte.

Com o apoio dele, me colocaram em pé. Eu mal conseguia andar sozinho. Cada passo parecia um esforço sobre-humano.

— Vai pegar um resfriado assim — murmurou Thalita, mais pra si do que pra mim.

Voltamos para a suíte. O funcionário abriu a porta e nos ajudou a me colocar sentado na beirada da cama.

Thalita agradeceu e pediu para ele trazer toalhas. Quando ficou só nós dois, ela começou a me secar com cuidado. Seus dedos tremiam.

— Não precisava disso, Leandro... não precisava chegar a esse ponto.

— Vai embora... — murmurei.

— Não.

— Eu falei... vai embora. Me deixa sozinho. Ninguém quer saber de mim mesmo.

— Você tá bêbado — disse, mais suave agora. — Tá machucado?

— Tô... — ri com amargura. — Tô machucado desde antes do Leonardo morrer.

Ela parou o que fazia. Me olhou nos olhos.

— Eu sei.

Engoli em seco. O álcool me deixava tonto, mas as palavras escapavam mais fácil.

— Eu destruí tudo, Thalita. A confiança do meu irmão. A minha família. A minha vida, o pouco de humanidade que me restava... Você devia me odiar.

Ela abaixou o olhar, respirou fundo.

— Eu odiei. Por muito tempo. Mas agora... agora eu só sinto pena.

Aquilo doeu mais do que se ela tivesse me dado um tapa.

— Que bom — murmurei. — Todo mundo sente alguma coisa por mim. Ódio, desprezo, pena, raiva... menos amor.

Ela se aproximou, me cobriu com a toalha e passou a mão nos meus cabelos molhados.

— Dorme, Leandro. Amanhã você encara seus fantasmas. Hoje, só descansa.

Não sei quando, mas apaguei. E mesmo no meio do caos, por um breve instante, me senti... cuidado.

Mais populares

Comments

Helena

Helena

essa mulher é uma cobra interesseira.manipuladora.o avó fez bem de mandar Leandro pra longe dela.elw disse que não quer perder outro neto.isso será a salvação de Leandro.

2025-05-26

3

Helena

Helena

esse cara é muito quebrado.coitado

2025-05-26

0

Aldeci Marinho

Aldeci Marinho

E o que dizer dessa mãe dele misericórdia que mulher mesquinha viu

2025-05-17

3

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!