Capítulo 1 - O Começo do fim. (Leandro)

A luz dourada dos lustres refletia nas paredes de mármore do Hotel Passione, dando à recepção um brilho quase celestial. Mas nada naquele lugar poderia redimir o inferno que eu tinha acabado de criar.

Encostado no corrimão da escadaria principal, vestia meu terno preto amarrotado, a gravata solta no colarinho e o gosto amargo de um erro imperdoável na boca. O coração batia descompassado, não por culpa, mas por remorso. Eu sabia que meu irmão apareceria a qualquer momento. E ele sabi

Leonardo Morelli surgiu no topo da escada como uma tempestade prestes a cair. Alto, ombros largos, os mesmos olhos castanhos que os meus — mas neles havia algo que eu nunca consegui ter: paz. Vestia a camisa social branca aberta no pescoço, as mangas dobradas até os cotovelos e o olhar firme cravado em mim.

— O que você aprontou agora, Leandro? — A voz dele era uma lâmina.

Cruzei os braços, sustentando o sarcasmo no rosto.

— Só me diverti um pouco. Nada que você já não tenha feito.

Ele desceu os degraus com raiva contida, os passos ecoando no mármore como marteladas.

— Sério que você vai me dizer isso com essa cara de pau? — Ele parou à minha frente. — Com a Thalita? A Thalita, Leandro? Ela confiava em você... e em mim. Como você pôde ser tão estúpido?

Não tive tempo de responder. O soco veio seco, certeiro, me fazendo cambalear. Levei a mão ao rosto, o gosto de sangue se espalhando pela língua.

— Estúpido? — cuspi. — Estúpido é você, Leonardo. Vivendo uma vida de conto de fadas, achando que tudo se resolve com sorrisos e abraços. Você sempre teve tudo fácil. Ninguém te manipula. Ninguém cobra nada de você. Você vive leve... eu não posso.

Ele me agarrou pelo colarinho.

— Isso justifica trair seu irmão?

— E você? Justifica fingir que é melhor do que eu, quando também tem seus podres?

Ele me empurrou com força.

— Entra no carro. A gente vai conversar longe daqui.

— Você não manda em mim.

— Cala a boca, Leandro. Entra no maldito carro.

Fomos. Sem olhar para trás, entramos na Range Rover preta dele. Leonardo assumiu o volante, e eu me joguei no banco do carona, ainda sentindo o rosto latejar.

— Você sempre foi assim. — Ele apertava o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. — Frio. Calculista. Egoísta. Mas eu nunca imaginei que fosse capaz disso.

— Eu errei, tá? Mas você também erra. Só que ninguém aponta o dedo pra você.

— Porque eu não destruo as pessoas por diversão.

As palavras ficaram no ar. Cortantes. Insuportáveis.

— Cala a boca, Leonardo!

— Não! Você vai ouvir!

Não ouvimos mais nada. O som do impacto cortou a noite como um trovão.

Vidros estilhaçados. A escuridão invadiu tudo.

Depois, silêncio.

Acordei olhando para um teto branco e insuportavelmente calmo. As luzes frias do hospital piscavam de tempos em tempos, o bip constante da máquina era o único som que me fazia lembrar de estar vivo. Não sabia quanto tempo havia passado, só sabia que estava sozinho.

Sem meus pais.

Sem meu irmão.

Comigo mesmo.

Semanas depois, o motorista da família apareceu para me buscar. Ele não estava sozinho. Meu avô, Leonardo Morelli — o verdadeiro pilar da família — me aguardava ao lado da porta do carro. Alto, cabelo branco impecavelmente penteado, o terno cinza escuro contrastava com seu semblante grave.

— Onde estão meus pais? — perguntei, ao entrar no carro. — A mamãe... ela ficou com o Leonardo?

Meu avô me olhou com uma expressão que eu nunca tinha visto nele. Não era raiva. Era... tristeza.

— Ninguém te contou?

Engoli em seco.

— Contar o quê, vô?

Ele respirou fundo.

— O seu irmão não resistiu ao acidente, Leandro.

Meu coração parou por um instante. A dor veio como uma maré, arrastando tudo.

— Não... — murmurei. — Não... não pode ser. A gente... a gente brigou, mas éramos irmãos.

— Eu sei.

— Ele não pode ter morrido... Eu...

Meu avô se manteve em silêncio.

Duas semanas depois, ele me levou ao cemitério. Diante do túmulo de Leonardo, vi pela primeira vez o fim de mim. A parte mais humana do meu ser foi enterrada junto com ele naquele dia. Eu chorei. Não de forma bonita. Eu chorei como quem queria sair correndo da própria pele.

Ali nasceu o Leandro que meu irmão odiaria.

Presente

O reflexo no espelho mostrava um homem que não existia nove anos antes. O cabelo preto penteado para trás, o queixo firme, os olhos endurecidos por nove anos de culpa. Minha barba estava milimetricamente aparada, o terno impecável, mas nada disso escondia quem eu me tornei.

Frio. Solitário. E, pior, leal à pessoa errada.

Laura Morelli entrou no quarto como um furacão.

— Você vai deixar seu avô te deserdar? — gritou.

— O dinheiro é dele — respondi, com desdém. — Se você quer tanto, Laura, é só pedir. Afinal, você é a filha dele, não eu.

O tapa estalou forte na minha bochecha.

— Eu sou sua mãe, seu imbecil!

Meus lábios se curvaram num sorriso seco.

— Não foi tão mãe assim, foi?

Ela gritou mais alguma coisa, mas eu já tinha saído. Atravessei os corredores da Mansão Morelli ignorando os olhares dos funcionários. Cada quadro nas paredes, cada mármore no chão era um lembrete do império que eu ajudei a corroer.

Meu avô estava em seu escritório, como sempre. O ambiente cheirava a couro, charuto e tradição. Ele não levantou os olhos quando entrei.

— Sente-se.

Obedeci.

— Você sabe por que está aqui.

— Porque minha mãe não tem coragem de fazer o trabalho sujo sozinha?

Ele me encarou com severidade.

— Porque você traiu sua família. Prejudicou seu primo Dante. E eu já perdi um neto. Não vou perder outro.

Suspirei.

— Vai me mandar embora?

— Estou te deserdando. Mas... ainda há algo que pode fazer. Um último fio de redenção.

Me endireitei na cadeira.

— Que tipo de punição o senhor preparou dessa vez?

— Vai assumir o Hotel Passione, em Florianópolis.

Fiquei em silêncio por alguns segundos. O nome do hotel soava como um soco.

— Eu nunca mais voltei lá desde o acidente.

— E vai voltar agora. Ou é isso... ou a rua.

Levantei.

— Eu não quero aquele hotel.

— Mas ele é seu. Faça algo útil, Leandro. Antes que seja tarde demais.

Subi para o quarto em silêncio, os passos abafados pelo tapete grosso da mansão. Dentro de mim, algo se agitava. Não era raiva. Não era tristeza.

Era o começo de alguma coisa.

E talvez... apenas talvez... fosse o começo do fim.

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Comments

Aldeci Marinho

Aldeci Marinho

Menina esse primeiro capítulo foi de tira o fôlego por um instante esqueci até como se respira ... mais vamos prós outros capítulos

2025-05-17

0

Helena

Helena

ahhhhh que dor.perder o irmão e nem se despediu.mas ele não teve culpa do acidente ne

2025-05-25

0

Sônia da Paz

Sônia da Paz

gostaria de saber o que tinha acontecido com o Leandro depois da surra que levou do Dante kkkkk
olha nós aqui de novo kkkk

2025-05-20

2

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