A poeira tóxica do experimento vulcânico de Alalu ainda pairava na atmosfera rarefeita de Nibiru, um véu fúnebre sobre um mundo que já definhava. Nos grandes salões do palácio de Agade, o silêncio era denso, quebrado apenas pelos relatórios sombrios dos cientistas e pelos murmúrios de descontentamento que nem mesmo a guarda real conseguia abafar completamente. Alalu, o rei que prometera salvação através do fogo, encontrava-se isolado em seu trono, sua autoridade desmoronando como as encostas instáveis dos vulcões que ele despertara em vão. O calor artificial que suas erupções trouxeram fora breve e enganoso; o frio que se seguiu, intensificado pela mortalha de cinzas que obscurecia o sol distante, era mais profundo, mais desesperador.
Foi nesse cenário de fracasso e medo que Anu fez sua entrada. Não como um conquistador à frente de exércitos, pois sua legitimidade não precisava de armas para se anunciar, mas como a própria personificação da Lei Anunnaki, antiga e imutável. Sua chegada ao Grande Salão do Conselho, onde Alalu presidia uma reunião tensa e infrutífera, foi como a de uma estrela fria e distante que subitamente se materializa, irradiando uma autoridade que silenciava qualquer oposição. Os membros do Conselho, antes divididos entre o apoio relutante a Alalu e o temor do futuro, curvaram-se instintivamente diante da figura alta e ancestral de Anu, cuja barba branca como a neve dos pólos de Nibiru contrastava com a energia sombria que emanava de seus olhos profundos.
Alalu, em seu trono, enrijeceu. A chegada de Anu era o golpe de misericórdia em seu reinado já moribundo.
"Alalu, filho de Anshargal," a voz de Anu ecoou pelo salão, calma, mas com um poder que fazia os cristais de iluminação vibrarem sutilmente. "Você se sentou neste assento sagrado, o Trono de Nibiru, através de métodos que a Lei questiona e que a história julgará. Prometeu restaurar a glória de nosso mundo. Em vez disso, mergulhou-o em mais escuridão."
Anu caminhou lentamente em direção ao trono, cada passo ecoando a gravidade de eras. "Você ousou despertar os poderes primordiais da criação, usando as Armas de Terror que nossos ancestrais selaram com juramentos de sangue, para seus experimentos irresponsáveis. Olhe ao redor, Alalu! Olhe para o céu de Nibiru, envenenado por sua arrogância! Olhe para o desespero nos olhos de nosso povo! Você não apenas falhou; você profanou!"
Alalu tentou encontrar palavras, uma justificativa para suas ações desesperadas. "Eu agi pela sobrevivência de Nibiru! Lahma nos levaria à extinção com sua inércia!"
"Você, meu primo," – a forma de tratamento soou quase como um escárnio na boca de Anu, lembrando a todos da linhagem questionável de Alalu em comparação com a sua própria, descendente direta dos primeiros reis divinos – "quebrou a lei sagrada, desonrou a coroa com loucura e precipitação! Você fala em sobrevivência, mas trouxe apenas mais morte e desolação!" A voz de Anu elevou-se, não em fúria descontrolada, mas na indignação fria da autoridade incontestável. "Vou lhe mostrar que para ser o rei, é preciso conhecer a lei! A Lei que nos rege, a Lei que mantém o equilíbrio dos mundos! Eu, Anu, descendente de An, protetor da Lei Eterna de Nibiru, reclamo este trono que me é devido por direito ancestral e pela necessidade premente de nosso planeta!"
O desafio estava lançado. Alalu olhou para os rostos dos conselheiros, buscando um último vestígio de apoio. Encontrou apenas o vazio, o medo, a condenação silenciosa. Sua base de poder, construída sobre promessas vazias e medo, desmoronara sob o peso de seu próprio fracasso. Com um suspiro que pareceu carregar toda a amargura de sua ambição frustrada, ele se encolheu no trono. A luta, se alguma vez houve chance de uma, terminara.
O Conselho Anunnaki, com uma unanimidade que beirava o alívio, aclamou Anu como o novo Rei de Nibiru. Guardas leais a Anu, que surgiram como que por magia dos cantos sombrios do salão, avançaram. Alalu foi despojado de suas insígnias reais – a coroa, o cetro, o selo – e conduzido para fora, não para a morte imediata, pois Anu era um rei de leis, não de vingança cega, mas para um confinamento seguro em seus aposentos, onde aguardaria o julgamento formal do Conselho sobre seus crimes contra Nibiru.
Anu assumiu o trono, e uma sensação de ordem, ainda que sombria e frágil, começou a retornar a Agade. Sua primeira tarefa foi confrontar a realidade aterradora da crise atmosférica, agora agravada pela aventura vulcânica de Alalu. Convocou Enki, seu filho, cuja sabedoria científica era sua maior esperança.
"Pai," disse Enki, após apresentar os dados desoladores sobre o estado da atmosfera e as parcas reservas de energia do planeta, "a situação é mais grave do que quando Alalu tomou o poder. Suas ações selaram qualquer esperança de uma solução interna a curto prazo. Precisamos olhar para fora, e rapidamente."
Ele então reapresentou, com novos dados e uma urgência renovada, a antiga proposta – talvez baseada em fragmentos de pesquisa do próprio Alalu antes de sua ascensão, ou em conhecimentos mais profundos dos arquivos de Eridu em Nibiru – sobre o potencial aurífero de Ki, a Terra. O ouro, em quantidades massivas, pulverizado e espalhado na alta atmosfera, era a única tecnologia viável que os Anunnaki conheciam para criar um escudo térmico duradouro.
Anu ouviu, o rosto uma máscara de concentração. A ideia de uma missão interestelar para minerar um planeta primitivo era de uma complexidade e um risco assustadores. Mas os dados de Enki eram convincentes. As alternativas eram a morte lenta de Nibiru ou apostas ainda mais perigosas do que a de Alalu.
"Assim será feito," declarou Anu finalmente, sua voz ecoando com a autoridade de quem toma uma decisão que definirá o destino de sua raça. "A Grande Expedição a Ki será lançada! Enki, meu filho, você, com sua sabedoria e sua perícia, liderará a vanguarda. Vá à Terra. Estabeleça nossa base. Confirme as fontes de ouro. E inicie a extração que trará a salvação a Nibiru. Faça-o sob a Lei, com ordem, com propósito. Que esta missão seja o símbolo da restauração de nossa esperança e de nossa honra."
A notícia do decreto real espalhou-se por Nibiru. Uma nova e cautelosa esperança começou a substituir o desespero. As grandes docas espaciais subterrâneas, silenciosas por tanto tempo, voltaram à atividade. Naves de exploração e transporte, as "Carruagens Celestiais", começaram a ser preparadas, revisadas, equipadas para a longa e perigosa jornada. Cientistas, engenheiros, geólogos, pilotos e trabalhadores foram convocados, selecionados, preparados para a maior empreitada da história Anunnaki.
Enquanto Nibiru fervilhava com os preparativos da missão de Enki, Alalu, em sua reclusão vigiada, não se entregara ao desespero. Seu corpo podia estar preso, mas sua mente astuta ainda trabalhava. Sabia que seu tempo em Nibiru estava contado. Anu, embora justo, não poderia permitir que um usurpador que quase destruíra o planeta permanecesse impune ou como um foco de futuras conspirações. O exílio final, ou a morte, eram seus destinos mais prováveis.
Mas Alalu não era homem de aceitar o fim sem lutar. Ele ainda tinha alguns lealistas, aqueles que se beneficiaram de seu breve reinado ou que temiam represálias sob Anu. E ele tinha conhecimento de locais secretos, de arsenais esquecidos onde as Armas de Terror remanescentes – aquelas não usadas em seu plano vulcânico – ainda poderiam ser encontradas.
Numa noite escura, enquanto a maior parte da atenção de Agade estava voltada para os preparativos da partida da frota de Enki, Alalu pôs seu plano de fuga em ação. Os detalhes se perderam nas sombras, mas o resultado foi claro: ele escapou de sua prisão, conseguiu acesso a uma nave menor e mais rápida – talvez um antigo cruzador pessoal que mantivera escondido – e, crucialmente, carregou consigo um punhado daquelas armas proibidas, seu último e terrível trunfo.
“Ele partiu na calada da noite cósmica,” narrou Enki a Endubsar, a voz carregada de um pressentimento sombrio. “Um lobo solitário escapando do julgamento, uma sombra veloz e silenciosa cortando o negrume entre as estrelas. Seu destino: Ki. A Terra. O mesmo planeta para onde nossa frota se preparava para ir em missão de salvação. Mas Alalu não ia para salvar Nibiru. Ia talvez para salvar a si mesmo, ou para encontrar um novo reino onde pudesse ser rei, ou talvez, em sua amargura, para usar o poder que carregava para fins que nem mesmo eu ousava imaginar.”
E assim, enquanto as grandes Carruagens Celestiais de Enki, pesadas com equipamentos, pessoal e a esperança de um planeta inteiro, alinhavam-se nas rampas de lançamento, prontas para partir na penumbra da longa noite nibiruana, a pequena e rápida nave de Alalu já estava muito à frente, uma estrela cadente de ressentimento e poder proibido, rasgando o vazio em direção ao mesmo ponto azul e distante no firmamento.
A história dos Anunnaki na Terra, Endubsar compreendeu, não começaria com um único propósito, mas com dois. A missão oficial de Enki, ordenada por Anu para buscar a salvação através da ciência e da lei. E a jornada não oficial de Alalu, nascida do desespero, da ambição frustrada e do poder roubado. Duas carruagens partindo na mesma penumbra, carregando destinos que se entrelaçariam e colidiriam de formas trágicas e inesperadas no novo mundo que os aguardava.
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Atualizado até capítulo 61
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