5 Amanhecer

Depois do jantar, Henrique se levantou com a mesma tranquilidade com que chegou. Guardou o guardanapo com calma, ajeitou a manga da camisa e me lançou um último olhar antes de deixar a sala.

Henrique - Se precisar de algo, meu quarto fica no final do corredor à esquerda. Mas descanse, Juliana. Hoje foi um dia longo… você merece um pouco de paz.

A forma como ele disse aquilo — pausada, quase gentil demais — me deixou sem resposta. Apenas assenti com a cabeça, murmurando um “obrigada” que mal saiu dos meus lábios. E então ele se afastou, sem pressa, e desapareceu na penumbra do corredor.

Fiquei ali por mais alguns minutos, sozinha à mesa, com a mente barulhenta e o peito ainda meio apertado. Mas quando me levantei e comecei a subir a escada para o quarto que seria agora o meu, percebi que algo em mim havia mudado.

Eu não estava com medo.

Nem ansiosa.

Pela primeira vez desde o casamento, sentia… alívio.

Meu quarto era espaçoso, com móveis antigos de madeira escura e lençóis brancos limpos, bem esticados. Uma janela grande dava vista para o campo, e a brisa que entrava por ela trazia o cheiro da terra molhada e do mato recém-cortado. Havia silêncio — um silêncio que não gritava solidão, mas sim tranquilidade.

Tirei os sapatos devagar, como se ainda não acreditasse que não teria que dividir aquela cama com Eduardo. Deitei devagar, sentindo o colchão me receber como um abraço inesperado. Meu corpo relaxou aos poucos, e foi ali, no escuro, com os olhos voltados para o teto alto e a madeira antiga, que percebi:

Aquela casa era estranha para mim, mas não hostil.Henrique, com toda a sua seriedade e presença forte, não me intimidava — ele me dava segurança.

E Eduardo… bom, sua ausência falava mais alto do que qualquer presença forçada.

Fechei os olhos.

Respirei fundo.

E dormi, pela primeira vez em dias, com a alma em paz.

Acordei antes mesmo que o sol estivesse alto no céu. A luz suave invadia o quarto por entre as cortinas claras, e por um breve momento tive dificuldade em lembrar onde estava. Mas então o silêncio — calmo e acolhedor — me trouxe de volta à realidade. A fazenda. Meu novo lar.

Minha primeira noite ali havia sido tranquila, mais do que eu imaginava. Nenhum peso no peito, nenhum medo sufocante. Apenas um vazio leve, como se eu finalmente pudesse respirar depois de tanto tempo prendendo o fôlego.

Levantei devagar e tomei um banho quente, permitindo que a água levasse consigo qualquer resquício de tensão. Vesti uma calça leve e simples, de tecido claro, joguei um blusão e coloquei uma bota afinal estou na fazenda soltei meus cabelos de forma despretensiosa ..

Quando desci para a cozinha, a casa ainda estava silenciosa. Eduardo, como esperado, não havia voltado.

Apenas a empregada, Dona Marta, se movimentava de um lado para o outro, organizando a mesa do café com aquela eficiência tranquila de quem já conhecia cada canto daquela casa melhor do que qualquer um. Ela sorriu ao me ver, um sorriso sincero, de boas-vindas.

Marta - Bom dia, dona Juliana. Dormiu bem?

Juliana- Bom dia, Marta. Dormi, sim… obrigada — respondi, devolvendo o sorriso enquanto observava a mesa posta com cuidado.

Juliana - Eduardo já chegou?

Marta balançou a cabeça levemente, sem surpresa.

Marta - Ainda não, querida. Não o vi desde ontem à tarde.

O aperto familiar no peito tentou se instalar, mas eu o afastei rapidamente. Não havia mais espaço para criar expectativas que só me machucariam depois.

Juliana - E o senhor Henrique? — perguntei, tentando soar natural.

Marta- Foi pro celeiro logo cedo. Está cuidando de uns cavalos novos que chegaram ontem.

Assenti, lançando um breve olhar pela janela, onde a luz dourada começava a iluminar os campos ao longe. O cheiro de café fresco preenchia a cozinha, misturando-se com o aroma doce de pão recém-assado.

Sentei-me e tomei meu café com calma. O silêncio da casa parecia diferente pela manhã — mais vivo, mais cheio de possibilidades. Mesmo sem Eduardo ali, não me sentia perdida. Havia algo reconfortante na rotina que se desenhava diante de mim.

Quando terminei, agradeci a Marta e, num impulso que nem eu mesma esperava, decidi que iria até o celeiro.

Talvez fosse apenas curiosidade. Talvez fosse a necessidade de agradecer a Henrique pela forma como me acolheu na noite anterior. Ou talvez eu só quisesse entender um pouco mais daquele homem que parecia carregar o peso de tantas responsabilidades, mas que ainda assim encontrava tempo para me oferecer um cuidado silencioso.

Peguei um casaco leve e segui pelo caminho de terra que levava até o celeiro. O ar da manhã era fresco, carregado com o cheiro da grama molhada pelo orvalho, e cada passo parecia me levar para mais perto de algo que eu ainda não conseguia nomear.

O celeiro se erguia imponente ao longe, com suas portas largas entreabertas e o som suave de cavalos se movimentando lá dentro. Meu coração acelerou levemente enquanto me aproximava, mas não de medo — era uma inquietação diferente, quase curiosa.

Parei na entrada e, por um instante, apenas observei.

Henrique estava lá dentro, de costas para mim, sem camisa , as mãos firmes enquanto cuidava de um dos cavalos. Havia algo fascinante na naturalidade de seus movimentos, na maneira como sua presença preenchia o espaço sem esforço.

Ele parecia pertencer àquele lugar. Forte, sereno, completamente no controle de tudo ao seu redor. E, por alguma razão que eu ainda não compreendia, ver aquilo me trouxe uma estranha sensação de paz.

Respirei fundo e, finalmente, me anunciei:

Juliana- Bom dia, Henrique.

Ele se virou devagar, e quando nossos olhos se encontraram, senti o mundo ao meu redor ficar um pouco mais silencioso.

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