[ Clínica | Início da tarde]
Ethan estava na sala de repouso da clínica, sentado com um café já frio nas mãos. A cabeça longe. A cena da noite anterior com Kael repetia como um filme quebrado.
"Vai embora hoje. Só por hoje. Antes que eu me arrependa de não ter te beijado."
Desde que começou com Kael, Ethan sentia que estava cruzando linhas que passou a vida evitando. Não era só sobre ética. Era sobre sobrevivência. Porque Kael o fazia sentir — e sentir era perigoso.
— Você tá bem? — perguntou Carla, colega de trabalho, ao entrar na sala.
— Tô. Só cansado.
— Você sumiu esses dias. Tá atendendo alguém em domicílio?
— Um caso especial — respondeu, sem olhar.
Ela sorriu.
— Especial mesmo, hein?
Ethan ignorou a provocação, mas sentiu o rosto esquentar.
[Apartamento de Kael | Sexta sessão]
Kael estava quieto. Muito quieto.
Deitado no colchonete, camisa larga cobrindo os ombros. Olhava pro teto como se houvesse algo escrito lá.
— Dormiu melhor? — Ethan perguntou, iniciando os exercícios passivos.
— Não. Mas sonhei com você de novo.
Ethan hesitou por um segundo. Fingiu que não ouviu.
Kael não deixou passar.
— No sonho você me deixava tocar. E não corria.
— Não é assim que funciona, Kael.
— E como funciona?
— Eu te ajudo a recuperar seu corpo. Você cuida do resto.
— E se o resto já estiver morto?
Ethan parou o movimento, apoiou a mão sobre o peito de Kael para estabilizar o ombro. Sentiu a respiração dele mudar.
— Então talvez você precise começar de novo. E não dá pra começar se você só constrói muros.
Kael virou o rosto. Pela primeira vez, a voz saiu mais fraca.
— Eu não construí muro. Eu cavei um buraco. E fiquei nele. Sozinho.
Ethan ficou em silêncio por alguns segundos. Depois falou baixo:
— E eu fui enterrado vivo. Pela mentira de alguém.
Kael o encarou. Longamente.
— A acusação. Aquilo foi verdade?
— Não. — Ethan respondeu sem hesitar. — Mas isso não impediu o mundo de me julgar.
— Eu sei como é — Kael disse. — Falam de você como se você não estivesse mais ouvindo. Como se você fosse só... ruído.
[ Intervalo na sessão | Cozinha de Kael]
Kael abriu a geladeira e jogou uma garrafinha de água pra Ethan.
— Eu treinei ontem.
— Com autorização?
— Não. Sozinho. Só pra testar.
— E?
— Doeu. Mas doeu menos.
Ethan sorriu de leve.
— Tá melhorando.
Kael bebeu um gole d’água, depois encarou Ethan por cima da garrafa.
— Já teve alguém?
— Tive.
— Ele te deixou?
— Ela me traiu. E depois me apagou da vida dela como se eu nunca tivesse existido.
Kael assentiu devagar.
— E mesmo assim você ainda se importa com os outros.
— Eu não me importo com todo mundo.
Kael chegou mais perto. Olhos firmes.
— Mas se importa comigo?
Silêncio.
Ethan respirou fundo.
— Me importo. E isso me assusta pra caralho.
[Final da sessão]
Ethan arrumava os equipamentos. Kael o observava da porta.
— Você vai voltar segunda?
— Vou.
— Mesmo se eu pedir pra não vir?
Ethan parou, virou-se.
— Vai pedir?
— Não sei. Parte de mim quer manter você aqui. Parte de mim quer expulsar antes que eu me acostume com você.
Ethan sorriu, triste.
— O problema de se acostumar... é que quando a pessoa vai embora, parece que faltou ar.
Kael deu dois passos. Agora estavam perto. Muito perto.
— Eu sou tóxico, Ethan.
— Eu sou impulsivo.
— Isso dá errado.
— Ou dá certo de um jeito que ninguém entende.
Kael estendeu a mão, sem encostar. Mas deixou ali, no ar, entre eles.
— Se eu encostar, não tem volta.
Ethan olhou pra mão. Depois pro rosto dele. Depois pra porta.
— Ainda não. Mas um dia... talvez eu não consiga dizer não.
E saiu. Sem olhar pra trás. De novo.
Mas dessa vez, Kael não sorriu. Ele apenas fechou a porta devagar, como quem sente que, por mais que tente, já está sendo tocado por dentro.
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Atualizado até capítulo 45
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