A pior lembrança da minha vida...

Dezoito horas. Esse foi o tempo que me separou do pior erro que já cometi na minha vida até o momento em que bati à porta do escritório do meu pai. E agora, ali estava eu, do lado de fora daquela porta pesada, com as mãos suando, o estômago revirado e o coração em frangalhos.

Quando Jean me deu passagem e anunciou minha presença, quase desejei voltar atrás. Meu pai estava sozinho, tentando entender onde havia errado. E eu era a resposta.

— Estou esperando — ele disse, firme. — Quero saber o porquê de você destruir o casamento da sua irmã e renegar a nossa família.

Engoli em seco. Meus olhos procuraram os dele, mas cederam e caíram para o chão. Eu tremia, mas não podia mais fugir.

— Minha tia Margot... ela me disse muitas coisas... entre elas que o senhor...

— Espera aí — ele me cortou, irritado. — Margot? A mãe da Charlotte? A mulher do homem que roubou vocês da sua família? E você ainda acreditou nela?

— Ela disse que quem roubou eu e Luiza foi o senhor...

A raiva do meu pai explodiu. Ele avançou e me segurou pela camisa com força.

— Você se lembra de como nos conhecemos? No orfanato, Luiggi. Você olhou para mim e me chamou de Papa. Você foi o primeiro a me chamar assim! E agora... agora você me acusa de ter roubado vocês? Qual seria meu objetivo? Tirar duas crianças de uma família?

As palavras dele me golpeavam como socos. Quis falar, explicar, mas o que eu tinha feito era imperdoável.

— Ela disse que foi culpa do Nono... Que o Nono Fabrício se casou com a Nona Bela para se apossar da máfia Castelazzo... Que ele queria o poder e que, depois disso, a LME foi crescendo e se apossando de outras máfias. Disse que o Nono fez de tudo para tirar os Dons do poder e se apossar da máfia Montreal...

Meu pai virou de costas, sua voz mais fria do que nunca.

— E você acreditou que me casei com sua avó por poder?

O silêncio tomou conta. Então ouvi passos. Quando olhei, era o Nono. Ele entrou com expressão cansada, mas determinada. Jean já havia nos deixado a sós.

— Ela me disse com tanta convicção, Nono... Eu não sabia o que pensar. Era minha família de sangue... contra minha família de coração.

O Nono se virou para mim com olhos marejados. Aquela dor... aquela decepção...

— De coração, Luiggi? Que sentimento é esse que não faz você pensar duas vezes antes de trair? Sabe o que eu ganhei me casando com sua avó? Uma família. Eu era um homem só, Luiggi. Só tinha meu pai, Florêncio. Mas conheci a Isabela, e ganhei tudo. Sorella, sogros, cunhados, filhos. Eu trocaria tudo o que conquistei por poder, só para ter minha família comigo.

Eu o vi se emocionar. A voz dele falhava. As lágrimas corriam livres. Ele não merecia aquilo. Nenhum dos dois merecia.

— Quando seu pai foi visitar o orfanato, eu achei uma loucura... eles já estavam esperando um bebê. Mas ele voltou com você nos braços e de mãos dadas com a Luiza. Naquele momento, você me chamou de Nono. E eu ganhei mais um neto. Me lembro quando disse que você seria o chefe da LME. E você sorriu, repetindo “chefe”, como se gostasse da ideia. E agora... você joga tudo isso fora, por acreditar em uma mulher que nem conhece?

Eu estava de joelhos por dentro. Nada me sustentava.

— Me perdoa, Nono... Eu fui um estúpido... Não sei o que deu em mim...

— Você não tem o mesmo sentimento de família que nós...

Mas ele parou. Colocou a mão no peito, cambaleou.

— Papa!

Foi o grito do meu pai. Em um segundo, o Nono caiu desacordado no chão. Me ajoelhei ao lado dele, sacudindo-o.

— NONO! Acorda! Por favor!

Meu pai checou sua pulsação, que estava fraca. Ele saiu correndo, gritando por uma ambulância e mandando mensagens. Eu não conseguia parar de chorar.

— Me perdoa, Nono. Fui um idiota. Não nos deixa...

— O que está acontecendo?! Meu amor! Fabrício!

A nona entrou desesperada, se atirando no chão, abraçando o corpo do Nono.

— Se acalma, Mama — meu pai tentou tranquilizá-la. — Ele está vivo... a ambulância está vindo...

Mas suas palavras pareciam mais uma súplica do que uma certeza. A casa virou um caos. Gente demais, barulho demais. Meu pai mandou todos saírem, inclusive eu. Eu resisti, mas ele me empurrou para fora. Fiquei na porta, chorando em silêncio, até ouvir a sirene.

Os paramédicos entraram, colocaram o Nono na maca, colocaram máscara, bombearam oxigênio. A Mama foi com ele. Eu quis ir também. Queria estar ao lado dele.

Enquanto o Nono era levado, todos queriam saber o que houve. Mas eu não conseguia falar. Não conseguia parar de chorar. E então, sem aviso, senti um soco me atingir. Forte.

Arthur.

Ele estava furioso, e com razão.

— Já não basta o mal que causou para nossa família? Quer acabar com ela também? O que fizemos para você, Luiggi? Mateus e Luciana só nos deram amor! Quem éramos antes deles? Crianças abandonadas em um orfanato! Tivemos sorte de sermos escolhidos! Ganhamos família, amor, proteção, educação, uma chance!

Ele se aproximava, me empurrando.

— Se hoje você é preparado para comandar uma máfia, se sabe lutar, se é um empresário, foi porque eles te ensinaram! Se somos homens com valores, é porque Isabela e Luciana nos criaram com amor! E você jogou tudo fora! Tudo isso! Por acreditar em uma mulher que você mal conhece!

— Parabéns, Luiggi — ele cuspiu com desprezo. — Seu nome, pra mim, morreu.

— Não fala assim, Arthur... — disse a Mama, em prantos. — Ele é seu irmão...

— Esse aí não é meu irmão, Mama. É um mimado que deixou o poder subir à cabeça.

Eu desabei ali. Não tinha mais o que dizer. Nenhuma palavra seria suficiente.

— Chega de brigas — meu pai cortou. — Temos algo mais importante agora. Vamos ver como está o avô de vocês. Depois continuamos essa conversa. Vai conosco, Luiggi? Ou volta pra França?

— Eu não vou sair daqui enquanto o Nono não estiver bem — respondi, quase sem voz.

— Vamos como família — meu pai disse, firme. — E não quero discussões no hospital.

Naquele instante, mesmo sentindo o peso do mundo nos ombros, fui com eles. Porque, no fundo, era tudo o que eu ainda tinha: a esperança de ser parte daquela família mais uma vez.

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