Capítulo 5 – Pétalas de Sangue

Beatriz era o tipo de garota que sempre soube manter segredos.

Naquela noite no lago, ela tinha rido.

Tinha segurado o celular de Júlia enquanto tudo acontecia.

Tinha filmado, sim.

Tinha apagado o vídeo depois, como se apagar a imagem apagasse a culpa.

Mas a memória... essa não se apaga tão fácil.

E agora, ela estava voltando.

Gota por gota.

Sussurro por sussurro.

 

Na sexta-feira, Beatriz acordou com a sensação de estar sendo observada.

A janela do quarto estava fechada. As cortinas, também. Mas o espelho da penteadeira estava embaçado — mesmo sem umidade no ar.

No centro do espelho, escrito com um dedo invisível:

> “Você filmou.”

Beatriz recuou com um salto.

O coração martelava nas costelas.

Ela esfregou o vidro com a manga da blusa — apagando as palavras.

— “Devo estar sonhando...” — murmurou.

Mas a sensação de presença continuava.

Como se alguém estivesse ali, deitada com ela, sentindo cada batida do seu coração.

E no travesseiro, uma pétala seca de flor.

 

Na escola, tentou fingir que estava tudo bem.

Riu alto. Reclamou da aula de matemática. Comentou sobre a roupa das outras meninas. Tudo como sempre. Mas, por dentro, algo corroía.

Ela sentia os olhos de alguém nela.

Não os de alunos.

Nem de professores.

Eram olhos mortos.

Famintos.

Lívia a observava de longe, sentada no fundo da sala, escrevendo em seu caderno com uma caneta vermelha.

Beatriz tentou desviar o olhar.

Mas naquele momento, Lívia levantou os olhos e sorriu.

Um sorriso sem dentes.

Só olhos.

 

Na aula de literatura, a professora pediu para os alunos escreverem sobre um arrependimento que nunca confessaram.

Beatriz travou.

O papel diante dela permanecia em branco, mas sua mente estava em chamas.

Na lembrança, Helena gritava.

Se debatia.

Beatriz, com o celular em mãos, murmurava: “Finge que não é com você…”

A voz de Helena agora voltava, mais nítida:

— “E você fingiu tão bem, não foi, Bia?”

A caneta escapou da mão dela. Caiu no chão. E por um segundo, ao se abaixar para pegá-la, ela viu dois pés descalços sob sua carteira.

Molhados.

Ela se levantou tão rápido que quase tombou a cadeira.

— “Tá tudo bem?” — a professora perguntou.

— “Preciso... preciso de ar,” respondeu Beatriz, já saindo da sala.

Mas o ar lá fora parecia mais pesado.

 

No banheiro feminino, Beatriz jogou água no rosto. Encarou o espelho.

Nada estranho.

Ainda.

Mas então, as luzes começaram a piscar.

A porta atrás dela fechou com estrondo.

E o espelho embaçou outra vez.

Desta vez, a frase era diferente:

> “Agora é sua vez.”

Helena surgiu. Não no reflexo, mas atrás dela, escorrendo pela parede como sombra líquida.

Beatriz gritou. Mas não havia som.

A água da pia subiu, como se desafiando a gravidade, e se moldou à forma de uma mão, que agarrou seu pescoço. Não apertava. Só tocava.

Fria.

Intensa.

— “Você me filmou. Mas nunca me viu de verdade.”

Beatriz chorava.

— “Eu era só uma garota, Bia. Uma garota implorando por ajuda.”

Helena se aproximou, o corpo translúcido, ainda encharcado, os cabelos cobrindo parte do rosto. Mas seus olhos ardiam com fúria e desejo.

— “E agora... você vai sentir.”

A água da pia envolveu Beatriz. A blusa se grudou ao corpo. O ar ficou escasso. Mas havia também prazer naquilo. Uma excitação desconcertante, como se o toque de Helena acendesse nervos que ela nem sabia que tinha.

A mão da água desceu por sua pele. Não era violento. Era lento. Profundo. Como uma confissão feita com os dedos.

— “É isso que você queria gravar, não era? Algo que você pudesse guardar só pra você...”

Beatriz gemeu, quase em transe.

E então, tão repentinamente quanto veio, Helena desapareceu.

Beatriz caiu de joelhos no chão molhado, encharcada, arfando.

E no espelho, a última mensagem:

> “Você me verá sempre que se olhar.

E vai desejar não ter assistido calada.”

 

Na saída da escola, Lívia a encontrou no portão.

— “Você viu, não foi?”

Beatriz não conseguia nem falar.

Lívia apenas abriu o caderno.

O nome de Beatriz, agora, também estava riscado.

— “Você sentiu o toque da verdade.”

Beatriz não respondeu. Só se afastou, como se fugir de Lívia fosse suficiente para fugir dela também.

Mas não era.

Helena estava em todo lugar.

 

Naquela noite, Gabriel sonhou com Beatriz deitada no lago, nua, com os olhos abertos e fixos no céu. Ao lado dela, Helena mergulhava em silêncio.

E, entre as duas, uma flor flutuava.

Vermelha.

Com pétalas queimadas.

 

No caderno de Lívia, a próxima página se virou.

E o nome apareceu sozinho.

Caio.

O que ria mais alto.

O que zombava enquanto ela gritava.

Helena queria ele por último.

Porque a dor dele... seria a mais demorada.

Na madrugada, Beatriz teve um sonho estranho — ou talvez nem fosse um sonho.

Estava de pé sobre a ponte do lago. O mesmo onde tudo aconteceu.

O vento cortava seu rosto, frio como o gelo. Ela vestia o uniforme escolar, mas ele estava ensopado, pesado.

Do lago, emergia Helena. Flutuava sobre a água, os cabelos grudados no rosto, os olhos como fendas abertas no escuro.

Beatriz queria correr. Mas não conseguia mover os pés. Estavam colados à madeira molhada da ponte.

— “Você me deu à escuridão, Beatriz... Você me apagou,” sussurrou Helena, com voz de vidro trincado. “Agora eu vou acender algo dentro de você.”

Helena se aproximou. Tocou a mão de Beatriz, que, para sua surpresa, não recuou.

O toque era morno.

Íntimo.

Como o de alguém que conhecia cada parte do seu corpo e da sua alma.

E ali, no limiar entre o medo e o êxtase, Beatriz compreendeu o que Helena queria.

Não só vingança.

Queria reconhecimento.

Queria ser sentida.

Queria ser imortal na carne de quem a ignorou.

Quando Helena a beijou, Beatriz não resistiu. Sentiu-se derreter por dentro.

Era dor e prazer ao mesmo tempo.

Era punição e batismo.

Quando acordou, a cama estava molhada — mas não de suor.

Havia gotas de água espalhadas pelos lençóis.

E no centro de seu travesseiro, mais uma flor seca.

Agora, com sangue na ponta de uma pétala.

 

Longe dali, Lívia fechava o caderno.

Ela estava com as mãos tremendo, mas sorria.

— “Você está ficando mais forte,” murmurou, olhando para o teto.

— “Mais presente. Mais viva.”

Gabriel, deitado no colchão ao lado, observava. Ele não entendia tudo — mas sabia que não havia mais volta.

— “Ela já está entre nós, não está?”

Lívia o olhou.

— “Ela nunca saiu, Gabriel.

Só estava esperando que os culpados abrisse a porta.”

E agora a porta estava escancarada.

Helena tinha sede.

E Caio seria o próximo gole.

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