A tarde caiu silenciosa sobre a floresta, trazendo consigo o canto distante dos pássaros e o sussurro do vento entre as árvores. Xīyán tentou se concentrar nas tarefas do dia, mas sua mente insistia em voltar à gata branca que dormia perto da lareira.
Ela falou.
A médica repetia isso para si mesma, como se tentasse racionalizar o impossível. Talvez fosse um truque da sua mente cansada. Talvez estivesse exausta demais para distinguir a realidade da imaginação.
Mas algo dentro dela dizia que não era apenas isso.
Com um suspiro pesado, Xīyán pegou um livro antigo que guardava entre suas coisas. Era um velho manuscrito sobre medicina e cura espiritual, presente de um viajante que conhecera anos atrás.
Ela folheou as páginas sem realmente ler, buscando distração. No entanto, uma ilustração chamou sua atenção.
Uma pintura delicada de uma figura de cabelos longos e brancos, vestes esvoaçantes e olhos azul profundo.
O título ao lado dizia:
“Os Espíritos Guardiões: Protetores dos Desamparados”
O coração de Xīyán deu um salto.
Seus olhos percorreram o texto, as mãos apertando o livro com mais força a cada palavra lida.
"Dizem que os Espíritos Guardiões assumem a forma de animais para se aproximar dos humanos necessitados, guiando-os sem que percebam. Sua presença traz cura e proteção, mas poucos reconhecem sua verdadeira identidade. Aqueles que os veem como são, mesmo que por um instante, terão suas vidas para sempre entrelaçadas ao destino dessas entidades.”
Xīyán sentiu o ar faltar por um momento.
Ela virou o rosto lentamente para a gata, que continuava imóvel.
Seu peito subia e descia suavemente, sua pelagem branca brilhando com uma estranha luz sob o reflexo do fogo.
Não podia ser.
Xīyán tentou afastar a ideia absurda, mas então, algo aconteceu.
Uma brisa fria atravessou a cabana, apagando parte das velas. O fogo da lareira tremulou, lançando sombras dançantes pelas paredes.
E foi nesse instante que Xīyán viu.
Por uma fração de segundo, a imagem da gata se sobrepôs a uma figura humana.
Uma mulher de cabelos brancos como a neve e olhos azuis profundos, vestida com um manto leve que flutuava ao redor de seu corpo.
Xīyán piscou, o coração martelando contra o peito.
Quando olhou novamente, a visão havia desaparecido.
A gata branca continuava ali, quieta, exatamente como antes.
Mas agora, Xīyán sabia.
Ela não era um animal comum.
Xīyán acordou com um sobressalto. O ar frio da noite parecia mais pesado dentro da cabana, e sua pele estava úmida de suor. Seu olhar correu pela sala, confuso, antes de pousar sobre a gata branca, ainda deitada ao lado da lareira.
Seu peito subia e descia tranquilamente, seus pelos brilhavam suavemente à luz das chamas.
Foi um sonho?
Xīyán levou a mão ao peito, tentando acalmar o coração acelerado. A imagem ainda estava viva em sua mente: a gata transformando-se em uma mulher de cabelos brancos e olhos azuis, vestida como um espírito antigo.
Mas a gata continuava ali, normal.
Ela respirou fundo. Foi um sonho. Apenas sua imaginação pregando peças.
Mas então, percebeu algo estranho.
Seu livro estava aberto sobre a mesa, exatamente na página que descrevia os Espíritos Guardiões.
Ela não se lembrava de ter deixado ali.
Será que…?
Sentindo um arrepio na espinha, Xīyán se levantou lentamente e caminhou até o livro. Tocou as páginas amareladas com dedos hesitantes.
Foi nesse instante que um vento gélido soprou pela cabana, fazendo os sinos de bambu tocarem levemente.
A gata se encolheu, murmurando algo baixo, quase como um sussurro.
Xīyán se virou bruscamente.
A gata estava… chorando?
Os sons que saíam dela não eram simples miados. Eram frágeis, trêmulos, carregados de uma emoção estranha.
Xīyán se aproximou lentamente, o coração batendo forte.
— Você… está sentindo dor?
A gata não respondeu, mas seus olhos brilhantes estavam levemente marejados.
Xīyán hesitou. Seu sonho a havia abalado, mas aquilo… aquilo era real.
Ela engoliu seco.
— O que você é?
A gata tremeu, fechando os olhos, como se lutasse contra algo dentro de si.
E então, num tom baixo e hesitante, ela murmurou novamente.
— Xī… yán…
Xīyán sentiu um frio percorrer sua espinha.
Desta vez, ela não estava dormindo.
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Atualizado até capítulo 27
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