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2—capitulo: família de loucos

A moto de Jaque cortava a noite como um animal selvagem, o ronco do motor ecoando pelas ruas desertas. O vento batia em seu rosto, mas ela não parecia sentir nada além da adrenalina ainda pulsando em suas veias. Seu sorriso estava intacto, e as manchas de pólvora e fuligem em sua jaqueta de couro eram quase como medalhas de uma noite bem-sucedida.

Quando ela chegou à casa dos Matty, o portão de ferro enferrujado rangeu ao abrir. A mansão da família, um casarão sombrio e decadente, era iluminada apenas por algumas luzes amareladas que pareciam tremer diante da escuridão ao redor. Jaque parou a moto na entrada, descendo com movimentos rápidos e precisos.

Ela empurrou a porta principal com força, fazendo-a bater contra a parede. Lá dentro, Álvaro e Lena estavam sentados na sala, discutindo em voz baixa. Ao verem Jaque entrar, as conversas cessaram imediatamente.

— E aí, família, sentiram minha falta? — disse ela, jogando a MP5 no sofá como se fosse um brinquedo e tirando a jaqueta.

Álvaro foi o primeiro a falar, tentando esconder o nervosismo na voz.

— Que porra você fez dessa vez, Jaque? A cidade inteira tá falando de ti!

Ela arqueou as sobrancelhas, fingindo surpresa.

— Sério? Nossa, que honra. Achei que iam falar só amanhã.

— Não é brincadeira, Jaque! — Lena interveio, levantando-se do sofá. — Você acha que sair por aí, explodindo tudo e matando gente, não tem consequência?

Jaque soltou uma risada curta e seca, andando até a cozinha e pegando uma garrafa de uísque no balcão. Ela encheu um copo até a borda, sem olhar para os irmãos.

— Consequências? — disse ela, virando-se com o copo na mão. — A única consequência que importa é que eu estou aqui, viva. E eles? Estão todos fodidos.

— Você tá levando isso longe demais. — Álvaro insistiu, tentando se impor. — A polícia tá atrás de você, e a Costa não vai deixar barato.

Jaque deu um gole longo no uísque, pousou o copo na mesa e se aproximou lentamente de Álvaro. Ele tentou manter a postura, mas a presença dela era como um peso esmagador.

— Escuta aqui, Álvaro. Eu sou a única coisa que mantém essa merda de família de pé. Se não fosse por mim, vocês já teriam virado história. Então, em vez de ficar me dando sermão, talvez você devesse me agradecer. — A voz dela estava baixa, quase um sussurro, mas carregada de uma ameaça que fez Álvaro engolir seco.

Lena deu um passo à frente, tentando intervir.

— Você não pode continuar assim, Jaque. Um dia, isso vai voltar pra gente.

Jaque se virou rapidamente, os olhos faiscando como brasas.

— Voltar? — ela disse, rindo com desdém. — Deixa eles tentarem. Eu sou Jaque Matty, porra. Eles sabem quem manda aqui.

Ela pegou a MP5 do sofá e apontou para o teto, disparando uma rajada que fez todos na sala se encolherem. Pedaços de gesso caíram do teto, e o eco do tiro reverberou pela casa.

— Tá vendo? É assim que eu lido com problemas. Vocês deveriam aprender.

Álvaro e Lena ficaram em silêncio, trocando olhares tensos. Eles sabiam que Jaque era perigosa, mas naquele momento, a ideia ficou mais clara do que nunca: até mesmo dentro da própria família, ela era alguém a ser temido.

Jaque sorriu de novo, satisfeita com o silêncio que havia imposto.

— Agora, se me dão licença, vou tomar banho. Essa cidade podre já me deu diversão suficiente por uma noite.

Ela saiu da sala, a MP5 ainda na mão, enquanto Lena e Álvaro ficavam para trás, paralisados e cientes de que a pessoa mais perigosa para a família Matty estava bem ali, sob o mesmo teto.

O sol mal havia nascido, mas a mansão Matty já estava tomada por uma tensão que poderia cortar o ar. Todos os membros da família estavam presentes, sentados em torno da grande mesa de jantar na sala principal. Homens e mulheres que carregavam o nome Matty, todos conhecidos por sua frieza e autoridade, se reuniram para um único propósito: confrontar Jaque.

No centro de todos, Jaque estava sentada de pernas cruzadas em uma cadeira, com um sorriso debochado no rosto e um cigarro entre os dedos. Ela usava sua jaqueta de couro habitual, ainda com marcas da noite anterior, como se ostentasse as evidências de seu caos como troféus.

No topo da mesa, estava o patriarca da família, Don Hector Matty, um homem de olhar severo e voz imponente, que governava o clã com mão de ferro. Ao seu lado, sua esposa, Dona Lucia, mantinha um semblante neutro, mas os olhos denunciavam desaprovação.

— Jaqueline! — Don Hector finalmente quebrou o silêncio, sua voz reverberando pelo salão. — O que diabos foi aquilo ontem à noite?

Jaque ergueu uma sobrancelha e soltou uma nuvem de fumaça no ar.

— Você vai ter que ser mais específico, vovô. Eu fiz muita coisa.

Um murmúrio de irritação percorreu a mesa. Álvaro, que estava sentado mais à frente, tentou intervir:

— Para de gracinha, Jaque! Você colocou a Costa contra a gente, explodiu metade do ferro-velho e ainda atraiu a porra da polícia!

Ela deu um sorriso irônico, apoiando o cotovelo no braço da cadeira e encarando Álvaro.

— Ah, entendi. Vocês estão aqui pra reclamar que eu fiz o trabalho que ninguém mais teve coragem de fazer. Que bonitinho.

Don Hector bateu com força na mesa, silenciando os murmúrios.

— Isso não é uma brincadeira, garota! Você quebrou as regras! Ninguém age por conta própria sem minha ordem!

Jaque levantou-se lentamente, deixando o cigarro cair no chão e esmagando-o com o coturno. Seu olhar percorreu cada rosto ao redor da mesa.

— Regras? — disse ela, com um tom ácido. — Vocês estão preocupados com regras? Esse nome Matty só significa alguma coisa hoje porque eu tô lá fora, colocando a porra do meu pescoço na linha enquanto vocês ficam aqui sentados, tomando vinho e falando merda.

Um dos tios, Marco, levantou-se abruptamente. Ele era conhecido por ser um dos mais leais a Don Hector e não tolerava desaforos.

— Escuta aqui, garota! Você pode ser uma Matty, mas ainda é uma pirralha! Respeite sua família ou vai aprender do jeito mais difícil!

Jaque riu, uma risada alta e provocadora. Ela se aproximou de Marco, encarando-o de perto.

— Vai me ensinar, tio Marco? — disse, com um sorriso de escárnio. — Quero ver você tentar.

Marco levantou o braço, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Jaque o empurrou com força contra a cadeira, derrubando-o. O som do impacto ecoou pela sala, e todos ficaram em silêncio.

— Alguém mais quer tentar me "ensinar"? — Jaque perguntou, girando lentamente para encarar os outros.

Dona Lucia, que até então estava calada, finalmente falou:

— Jaqueline, você está brincando com fogo. Não importa o que você fez, mas desafiar a hierarquia da família é suicídio.

Jaque virou-se para ela, inclinando a cabeça levemente.

— Suicídio? Sabe o que é suicídio, vó? Ficar parado enquanto a Costa nos cerca e espera o momento certo pra nos ferrar. Se ninguém aqui vai fazer alguma coisa, eu faço.

Don Hector levantou-se, sua presença dominando o ambiente.

— Você pode achar que é esperta, garota, mas vou te ensinar uma coisa: aqui, eu sou a lei. Você não passa de uma peça no meu jogo.

Jaque caminhou até ele, desafiando-o com os olhos.

— Peça? — ela disse, com a voz carregada de sarcasmo. — Engraçado. Eu não me lembro de peças derrubarem reis.

O silêncio na sala era absoluto. Ninguém jamais havia desafiado Don Hector daquela forma, e o choque nos rostos dos outros era evidente. Mas Jaque não recuou. Ela sabia que tinha quebrado a hierarquia, e fez isso com orgulho.

— Se vocês querem que eu jogue pelas regras, talvez vocês devessem começar a agir como líderes, não como covardes. Até lá, eu faço as minhas próprias.

Sem esperar resposta, ela virou-se e saiu da sala, deixando todos atrás, imersos no caos que ela havia acabado de plantar.

O silêncio na sala era pesado, quebrado apenas pelo som da respiração de Don Hector, que encarava a porta pela qual Jaque havia saído. Os olhos do patriarca estavam cheios de ódio, e sua voz soou como um trovão quando finalmente falou:

— Essa garota não é mais uma Matty. Quero todos atrás dela. Matem-na. Ela não merece carregar nosso nome.

Os outros membros da família se entreolharam, alguns hesitantes, mas ninguém ousou desafiar a ordem do velho Hector. Jaque havia cruzado a linha, e, para ele, não havia perdão.

Mas antes que pudessem agir, algo inesperado aconteceu.

— Cheiro de fumaça... — sussurrou um dos primos, levantando-se de repente.

O cheiro forte começou a se espalhar pela sala, e em poucos segundos, gritos ecoaram pelo casarão.

— Fogo! A casa tá pegando fogo!

O caos tomou conta. Chamas começaram a surgir pelas escadarias e pelas cortinas da sala principal. O calor era sufocante, e os gritos desesperados ecoavam enquanto os Matty tentavam fugir.

Do lado de fora, sob o céu que começava a clarear com o nascer do sol, Jaque estava sentada em sua moto, observando a mansão arder. O fogo refletia em seus olhos, dando a ela uma aparência quase demoníaca. Sua jaqueta de couro balançava com o vento da manhã, e um sorriso diabólico se espalhou por seu rosto.

— Vocês se acham os reis dessa porra de tabuleiro... — disse ela, acendendo um cigarro com o isqueiro que usara para iniciar o incêndio. Ela tragou lentamente, olhando para as chamas que consumiam o símbolo de poder da família Matty.

— Mas esqueceram que o curinga aqui sou eu. — completou, com uma risada alta e insana que ecoou pelas ruas vazias.

Jaque deu partida na moto, o ronco do motor cortando o som do fogo e dos gritos. Enquanto acelerava pelas ruas, as sombras da mansão em chamas ficaram para trás. A fumaça subia, pintando o céu de cinza, enquanto ela ria como se fosse o final de um espetáculo que ela mesma dirigira.

Ela cruzou as ruas desertas, o vento batendo em seu rosto enquanto a cidade começava a despertar. Para Jaque, aquela era a primeira de muitas jogadas. Ela não precisava de família, de regras ou de um nome. Ela era Jaque. Uma força caótica, incontrolável, e, acima de tudo, livre.

E naquele momento, a cidade percebeu: o verdadeiro perigo não estava na família Matty. Estava na garota que acabara de destruir o trono.

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