Gael percebeu que seria arriscado demais deixar a elfa sozinha na cidade. Aqueles homens poderiam voltar a qualquer momento, e, mesmo sem ter muito a oferecer, tomou coragem e a convidou para se juntar a ele e sua irmã.
Sofi, ainda intrigada com o garoto à sua frente, aceitou de bom grado. Havia algo na determinação silenciosa dele que despertava sua curiosidade. No entanto, ela não estava preparada para o que encontrou.
Quando chegaram ao lugar onde Gael e sua irmã passavam as noites, Sofi sentiu o coração apertar. O local era pouco mais do que um abrigo improvisado: paredes de madeira lascada, o teto mal vedado que deixava entrar o vento frio, e um cantinho onde uma menina pequena dormia sobre cobertas puídas.
Ela nunca teve luxo, mas sempre contou com um teto decente e comida suficiente. Aquilo a atingiu como um soco no estômago. Como o sistema podia permitir que duas crianças vivessem assim? Como era possível que alguém fosse condenado à miséria sem sequer uma chance de escapar?
Dentro dela, um misto de revolta e impotência começou a crescer. A desigualdade era algo que sempre soubera existir, mas agora, vendo-a tão de perto, parecia uma ferida aberta e pulsante. Contudo, ela sabia que, sozinha, pouco poderia fazer.
Gael quebrou o silêncio.
— Bem... Eu ainda não sei o seu nome.
A voz dele era tranquila, mas havia uma desconfiança cuidadosa em seu olhar, como se estivesse sempre preparado para a próxima ameaça.
— Sofi. — Ela se apresentou, tentando disfarçar a angústia que sentia. — E o seu?
— Sou Gael. E essa aqui é a Lisa. — Ele apontou para a menina de olhos brilhantes que agora observava Sofi com curiosidade. — Ela tem só cinco anos, mas é bem esperta.
Lisa acenou timidamente, um sorriso breve iluminando seu rosto sujo, mas adorável.
— É um prazer conhecer você, Lisa. — Sofi se abaixou para ficar na altura da menina, sorrindo gentilmente antes de se voltar para Gael. — E... obrigada por me salvar. Não sei o que teria acontecido se não fosse por você.
Gael deu de ombros, desconcertado.
— Não fiz nada de especial. Só fiz o que qualquer um faria.
Mas Sofi sabia que ele estava errado. Nem todo mundo teria arriscado a própria segurança por uma desconhecida. Olhando para aquele garoto, com tão pouco, mas tão corajoso, ela sentiu algo novo nascer dentro de si: uma determinação silenciosa de mudar as coisas, mesmo que não soubesse por onde começar.
E talvez, ela pensou, ajudar Gael e Lisa fosse um bom começo.
Sofi se ajoelhou no chão, fechou os olhos e murmurou algo em sua língua ancestral. Em questão de segundos, raízes grossas e entrelaçadas começaram a brotar das rachaduras do chão e subiram pelas paredes. Com movimentos quase elegantes, elas cobriram o buraco no teto, bloqueando o vento frio que antes cortava o abrigo. Não satisfeita, Sofi fez crescer folhas largas e macias, que se estenderam até formarem duas camas improvisadas.
De sua mochila, ela retirou uma manta longa, de tecido fino, mas quente, e a entregou a Lisa com um sorriso gentil. Em seguida, colocou diante deles uma porção de alimentos que havia trazido para sua viagem: frutas, pães e um pequeno cantil de água.
Gael e Lisa observavam em completo silêncio, os olhos arregalados de espanto. Não era apenas o poder que os impressionava, mas também a graciosidade com que Sofi o usava. Para eles, ela parecia algo saído de uma lenda antiga, algo que nunca imaginaram ver de tão perto.
— Eu espero que não se importe com o que fiz — disse Sofi, a voz suave, mas carregada de sinceridade. — Considere isso um agradecimento.
Lisa não conseguiu conter a empolgação.
— Isso é incrível! Você viu, Gael? Ela fez mágica! — exclamou, apertando a manta contra o peito como se fosse um tesouro.
Gael assentiu, mas havia algo em seus olhos além do fascínio. Ele sabia que os elfos tinham uma conexão natural com a magia, mas nunca presenciara algo tão poderoso. Aquilo não era um "truque" como os que vira no mercado, feitos por mestiços ou charlatães. Isso era real.
E, apesar de grato, o alerta em sua mente soou alto. Um frio percorreu sua espinha. O uso de magia como aquele poderia atrair atenção — e não o tipo de atenção que eles poderiam se dar ao luxo de lidar.
— Sofi... — ele começou, hesitante. — Eu agradeço por tudo isso. De verdade. Mas... e se alguém nos viu?
Sofi franziu a testa, notando a preocupação na voz dele.
— Eu tomei cuidado. Ninguém nos seguiu.
Gael, no entanto, não parecia convencido. Ele sabia que o mundo era cruel, especialmente para alguém como Sofi, uma elfa que se destacava tanto. Se aqueles homens estavam atrás dela antes, podiam estar novamente. E, pior, agora ele e Lisa também poderiam estar na mira.
Um pensamento amargo atravessou sua mente: "Foi um erro ajudá-la. Um erro que pode custar nossa segurança." Mas, tão rápido quanto veio, ele afastou a ideia. Ele sabia, lá no fundo, que faria tudo novamente, mesmo que isso colocasse sua vida em risco. Proteger Lisa era sua prioridade, mas ignorar alguém em perigo nunca esteve em sua natureza.
— Acho que precisamos sair daqui — murmurou ele, mais para si do que para os outros.
Sofi inclinou a cabeça, confusa.
— Sair? Por quê?
— Esse lugar não é mais seguro. Se eles estiverem nos procurando... vão nos achar.
Sofi sentiu o peso da culpa se instalar. Sua intenção era ajudar, mas parecia que apenas aumentara o perigo para eles. Ainda assim, ela sabia que podia fazer mais.
— Então vamos juntos — disse ela, decidida. — Eu posso ajudar vocês.
Gael hesitou, seus olhos encontrando os dela. Ele queria recusar. Sofi era um risco, uma variável que ele não sabia como controlar. Mas quando olhou para Lisa, enrolada na manta que Sofi oferecera, ele sabia que talvez a elfa fosse o tipo de aliado que nunca imaginara ter.
Com um suspiro, ele assentiu.
— Tudo bem, já está tarde sairemos pela manhã.
Sofi sorriu levemente. Talvez aquele fosse o início de algo maior do que imaginavam.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 84
Comments
PR0_GGRAM3D
Escrita envolvente.
2025-01-18
1