A casa abandonada

Sempre fomos as três.

Inseparáveis desde a infância.

Eu, a cautelosa.

Marina, a ousada e curiosa.

E Fernanda, a mais enigmática de todas.

Sempre soubemos que havia algo estranho em Fernanda. Não apenas na inteligência afiada ou no olhar frio. Era outra coisa. Algo que morava atrás dos olhos.

Foi ela quem trouxe a história da casa abandonada.

— Eu sei de um lugar. - disse, com o sorriso de quem sabe mais do que devia. — A casa que ninguém ousa entrar. Mas eu sei o que realmente acontece lá.

Marina arqueou a sobrancelha. Eu revirei os olhos. A lenda era velha: a casa cinzenta na periferia, onde ninguém vivia. Diziam que quem entrasse lá nunca voltava.

Mas Fernanda sempre soube convencer.

— Vamos lá. - insistiu, com aquele brilho inquietante. — Vocês não vão se arrepender.

E nós fomos.

A casa era imensa.

Cinza, úmida, coberta de musgo.

As janelas estavam opacas de tanta sujeira.

O jardim, tomado pelo mato, parecia ter esquecido o que era vida.

Mas o pior era a sensação, como se a casa estivesse esperando.

O ar tinha cheiro de madeira úmida e ferro.

Um vento leve passou, frio, e a porta rangeu.

Entreaberta.

Convidativa.

Eu hesitei.

Mas Fernanda já havia cruzado a entrada, o sorriso cortando o escuro.

Marina foi logo atrás.

E eu fui a última.

Assim que pisei dentro, a porta se fechou com um estalo.

O som ecoou pelas paredes.

Silêncio.

Um silêncio tão denso que parecia ter peso.

Tentei falar, mas Fernanda me fez um gesto com o dedo nos lábios.

— Vocês não fazem ideia do que eu sou. - disse, a voz mais grave, mais funda, quase metálica.

O sorriso dela se abriu devagar.

Os olhos, começaram a brilhar. Uma luz pálida, impossível.

A pele tremia, como se algo rastejasse sob ela.

E então, ela começou a mudar.

A coisa que estava dentro dela se mostrou.

A Fernanda que eu conhecia não existia mais.

Marina deu um passo para trás, confusa.

— Fer...? - foi tudo o que conseguiu dizer.

Fernanda avançou.

O movimento foi rápido, quase um borrão.

Os dedos dela se alongaram, virando garras.

O som do ar sendo cortado veio antes do grito.

Marina caiu.

O corpo dela atingiu o chão com um som seco, e o silêncio voltou, pesado.

Eu fiquei paralisada.

Não conseguia respirar.

Os olhos da criatura se voltaram para mim.

Brilhavam com uma fome antiga.

Ela deu um passo.

Depois outro.

Os pés mal faziam som no assoalho.

O ar ficou espesso e eu recuei, tropeçando. Caí de costas.

O chão estava frio.

Ela se abaixou sobre mim.

O rosto se é que ainda era um rosto estava distorcido, pulsante.

As mãos dela tocaram minha garganta.

Geladas. Fortes demais.

— F-Fer… - tentei dizer.

Nada.

O som morreu dentro de mim.

As sombras da casa se moveram.

Pareciam respirar junto conosco. Pareciam assistir.

Senti a força aumentar, o mundo começou a escurecer nas bordas. A dor virou calor.

Depois, silêncio.

Meu último pensamento foi simples e inútil:

eu sabia que não escaparia.

E então, tudo parou.

A dor se desfez, lenta. O frio se espalhou.

E minha alma se esvaiu junto, dissolvendo-se no mesmo ar que agora cheirava a ferrugem e medo.

Lá fora, o vento soprou de leve.

E a casa permaneceu à espera.

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