O som suave da chuva batendo contra as janelas da livraria criava uma melodia tranquilizante. Laura estava concentrada em seu trabalho, revisando o manuscrito de Rafael com um olhar minucioso. Ele escrevia de maneira intensa, e cada linha parecia carregar uma carga emocional tão densa que era quase palpável.
De repente, a porta da livraria se abriu, e Rafael entrou, sacudindo um guarda-chuva encharcado. Ele parecia desconfortável, como se aquele ambiente pequeno e acolhedor fosse um território estranho para ele.
“Bom dia, Laura,” disse ele, com um aceno contido.
Laura esboçou um sorriso leve. “Bom dia. Decidiu visitar mais cedo hoje?”
Ele se aproximou do balcão, observando-a por um instante antes de responder. “Estava curioso para saber o que achou do meu livro. A opinião de uma editora é sempre... esclarecedora.”
Ela segurou a pilha de páginas que havia lido até agora e suspirou. “Para ser honesta, é uma leitura intensa. Seus personagens parecem lutar contra sombras próprias, como se estivessem constantemente em guerra com o passado.”
Rafael inclinou a cabeça, surpreso com a precisão da análise. “Você captou bem a essência. Acho que todos nós carregamos algumas sombras, não?”
Laura desviou o olhar. Ele estava certo, mas ela não estava disposta a expor suas próprias feridas, pelo menos não para alguém que acabara de conhecer.
“Talvez. Mas nem todos conseguimos escrever sobre elas,” respondeu ela, mudando de assunto. “Posso te oferecer um café? Costuma ajudar nas discussões literárias.”
Ele aceitou, e logo os dois estavam sentados em uma das mesas da livraria, com duas xícaras fumegantes entre eles. Rafael olhava ao redor, absorvendo o ambiente, enquanto Laura tentava decifrar aquele homem enigmático que aparecera tão de repente em sua vida.
“Essa cidade é... peculiar,” disse ele, rompendo o silêncio. “Não é o tipo de lugar que eu frequentaria normalmente.”
“Então, por que escolheu Porto das Gaivotas para seu refúgio?” perguntou Laura, curiosa.
Rafael hesitou, e por um instante, parecia que estava prestes a confessar algo importante. Mas, então, ele apenas deu de ombros. “Talvez eu estivesse precisando de um lugar onde ninguém me conhecesse. Onde eu pudesse me reconectar com algo que perdi ao longo do caminho.”
Laura o observou em silêncio, sentindo haver muito mais por trás daquelas palavras. Mas, em simultâneo, ela entendia a necessidade de distância. Afinal, não eram apenas as palavras de Rafael que escondiam mistérios; ela mesma tinha os seus próprios segredos guardados a sete chaves.
Depois de um longo silêncio, Laura respirou fundo e resolveu arriscar uma pergunta mais direta.
“E... você encontrou o que veio buscar?”
Rafael desviou o olhar, fixando-o nas gotas de chuva escorrendo pela janela, como se elas pudessem lhe trazer alguma resposta.
“Não sei,” respondeu, com a voz baixa. “Às vezes, penso que o que estou procurando está perdido há tanto tempo que talvez nem exista mais.”
Laura assentiu, compreendendo mais do que gostaria de admitir. Sentia que ele era alguém em busca de algo indefinível, como ela mesma. Rafael pegou a xícara de café e a girou lentamente entre as mãos.
“Mas você parece se identificar com isso,” ele disse, como se a tivesse lido com a mesma profundidade com que escrevia. “De alguma forma, essa cidade... esse silêncio... combina com você.”
Laura sorriu, sem dar mais explicações. Rafael não precisava saber que ela havia escolhido Porto das Gaivotas justamente para se esconder das feridas do passado, da mesma forma que ele buscava algo que mal sabia nomear.
Por fim, Rafael pousou a xícara na mesa e a olhou de um jeito quase inquisitivo. “E você? Por que escolheu ser editora?”
Ela hesitou, mas respondeu: “Porque é mais fácil ajudar os outros a contar suas histórias do que encarar as nossas.”
Os dois se encararam em silêncio, e, por um momento, parecia que todos os mistérios que eles tentavam esconder pairavam entre eles, suspensos, esperando para serem desvendados.
A chuva lá fora parecia mais forte, como se o mundo lá fora fosse uma extensão de seus próprios conflitos internos. E ali, naquela pequena livraria, sob a luz fraca e o cheiro de café, ambos sabiam que, de alguma forma, o que procuravam talvez estivesse mais próximo do que imaginavam.
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Atualizado até capítulo 38
Comments
Kamiblooper
Meu Deus, que história incrível!
2024-11-13
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