01

( ELIS )

Toc. Toc ..

_ Pode entrar.

_ Senhorita Elis.

_ Pois não.

_ Seu café da manhã foi servido. As nove e meia tem uma reunião com a filial de Boston. Seu motorista estára aguardando as nove e vinte nove no hall de entrada da mansão. Se me dá licença. Te aguardo no carro.

Pelo espelho em que me arrumo e ainda de costas, olho Lili dos pés a cabeça. Sorrio com a formalidade.

_ Pra que isso Lisandra? Sabe que não gosto quando me trata como se fosse a rainha Elizabeth.

_ Mas você é quase uma.

_ Entra logo e fecha a porta. Para de besteira.

Vejo ela apreensiva olhando de uma lado para outro com medo de ser vista entrando em meu quarto. Ela é uma ótima amiga, mas extremamente preocupada com seu profissional. Continuo em frente ao enorme espelho, analiso se tem algo fora do lugar. Se os botões estão certos, se a roupa tem algum amassado.

_ Está deslumbrante Elis. Como sempre. O que você tem hoje que tá amoada? Aliás está assim a dias.

_ Pensativa Lili. Com tudo. Minha vida desde que precisei assumir a presidência junto com aquele .. aquele ..

_ Pode Xingar amiga, não tem ninguém ouvindo.

_ Aquele mosntro. Está tudo de ponta cabeça. Sempre nos odiamos, mas desde que tive que assumir o lugar de Rodolph está de mal a muito pior. Só de pensar que tenho que ir pra empresa, sentar todos os dias naquela mesa ao lado dele, eu me desespero. Eu o odeio com todas as minhas forças Lili.

_ Elis, seja mais carinhosa consigo. E vê se xinga direito, monstro lá é xingamento? Deve ser isso que te falta. Extravasa um pouco, desce desse pedestal que te enfiaram, você nem gosta de ter que ser assim. Acabou de perder seu irmão mais velho num acidente aéreo trágico. Não te deixaram nem chorar direito. Teve que assumir a responsabilidade toda da empresa da sua família. É muita coisa em muito pouco tempo. E esse filho da mãe logo vai se acostumar com sua presença lá. Ele sabe que você tem peso tanto quanto ele lá dentro. Macho alfa e com medo é assim mesmo, daí pra pior. David nunca teve fama de bonzinho, quem fazia esse papel era seu irmão. Já era de se imaginar essas atitudes dele.

_ Ninguém me respeita ali Lili. Não só ele, nenhum diretor, aqueles bastardos me olham com desdém só porque não tenho duas bolas no meio das pernas.

_ É como te falei, ainda é muito cedo, eles ainda te veem como ameaça lá dentro. Eles respeitavam seu irmão e vão ter que te respeitar também. Dê tempo ao tempo. É que seu irmao era o retrato da bondade, nao se opunha a nada, as decisões eram sempre determinadas por David. Agora a história é outra contigo lá. Mas se acalma. As coisas vão pro seu devido lugar tá?

Abraço Lili, e ela sai, o nó na garganta aperta. Falar do meu irmão é muito difícil pra mim. Desde cedo crescemos sem nossos pais. Eles sempre estiveram muito ocupados nas festas de Paris ou em Galis ou nas ilhas do Sudeste Asiático, nos víamos uma ou duas vezes ao ano. As ligações eram apenas pra conferir se estávamos impecáveis, se nossas roupas estavam adequadas, se nosso comportamento não estava manchando o brasão da família, se meu cabelo já havia sido feito. A preocupação deles sempre foi em passar uma imagem impecável de educação e bons costumes, que eles mesmos nunca nos ensinaram. Sempre os empregados que cuidavam de tudo. Lembro quando tive meu primeiro período como mulher, mal sabia o que era aquele sangue, liguei desesperada pra minha mãe achando que estava doente, ela riu e disse que estava ocupada pra tratar de besteiras, em seguida entrou minha babá da época, com remédios e absorventes me explicando o que estava acontecendo. Quem ia nas minhas reuniões da escola, nos meus bailes de formatura sempre foi meu irmão, ele foi meu pai, minha mãe. Cuidava de tudo muito bem, dos negócios, da mansão. Me tratava como uma princesa. Se quer levantou a voz pra mim, nem quando fazia minhas besteiras na adolescência. Perde-lo tão cedo foi de longe a pior coisa que me aconteceu na minha vida. O mundo caiu no meu colo, a empresa que herdamos e meu irmao tanto amava e cuidava, os negócios, os problemas, as dívidas exarcerbadas dos meus pais pelo mundo, tive que lidar com coisas que eu nem de longe achei que precisaria, nem nos piores dias achei que meu irmão dava conta de tudo isso, porque ele sempre estava sorrindo e dizendo que tudo ia bem.

Pego meu paletó, minha pasta e saio do quarto. A mesa posta do café da manhã na varanda para apenas uma pessoa não me faz ter apetite, nada me chama atenção sozinha nessa imensidão de casa.

Passo direto pra onde Lili e meu motorista me esperam com roteiro do meu dia inteiro já feito e entro no carro.

_ Bom Dia seu Carmo.

O caminho até a empresa Lili repassa minha agenda, marca os horários com nosso motorista, faz algumas ligações e confirma antes das nove da manhã todos meus compromissos do dia. Sem Lili não sei como seriam meus dias.

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