Dia 01 - Abra os olhos
“Escuridão. Bela por sua ausência de tudo. Calma pelo mesmo sentido de antes, mas acrescentemos o silêncio, uma vez que este é inquietante em sua maioria.”
“Ah… Estou divagando mais uma vez.”
“Me desculpe por estar interrompendo…”
“Infelizmente, não posso prometer que não farei isso de novo.”
“Certo, estou me alongando.”
“Por ora, apenas me ignore.”
“Mas… não se esqueça, nós nos veremos mais uma vez.”
“Esteja preparado para escolher…”
Sentado em uma cadeira azul, minimamente confortável, e a alguns centímetros do chão liso e cinza, estava uma pessoa.
Embora os cabelos longos e brancos pudessem criar alguma dúvida, era um jovem.
Sua cabeça, assim como os óculos de armação preta, pendia para a direita; os óculos, se descessem mais alguns centímetros pela curva do nariz dele, cairiam no chão.
Ele parece estar dormindo tranquilo.
Dormindo como se o mundo fosse irrelevante.
Em uma última definição, ele passa a imagem de um viciado em trabalho, voltando do emprego após um dia exaustivo, onde só teve o estagiário para lhe auxiliar.
Então, uma vibração incômoda o retira da escuridão, distanciando-o do confortável sono.
As pálpebras pesadas de seus olhos demoram a se abrir, como se quisessem mantê-lo no acolhedor estado de inexistência e solitude… talvez fosse o melhor.
Peculiarmente, suas arredondadas pupilas, imersas em íris de prata, expressam melancolia e astúcia…
Há uma certa intimidação também, mas o jovem parece sereno demais para violência.
Enquanto uma das mãos vai à têmpora, com o intuito de aliviar a repentina e crescente dor de cabeça, a outra vai à coxa direita.
Passados alguns segundos tateando desajeitadamente o bolso, enfim, ele consegue retirar o que vibrava incessantemente.
Consequentemente, ele fica mais cego do que já é.
No entanto, a súbita luz branca apenas o ofusca por um momento, uma vez que seus dedos, de modo automático, abaixam a claridade de algum modo.
Quando ele consegue ver novamente, ele vê algo que não reconhece: um objeto retangular, aberto em uma tela escura com balões azuis de mensagem.
Naturalmente, ele lê as últimas mensagens:
?
Você está recebendo isso?
Do outro lado de uma tela escura com balões de mensagens roxos, estava um garoto baixinho, que recostava as costas contra a madeira áspera de uma árvore.
Apenas seus olhos áureos, cabelos roxo-claro e a luz branca do celular eram visíveis no ambiente.
Usando ambas as mãos para escrever, ele pergunta:
Ainda massageando a testa com os dedos da mão esquerda, os olhos prateados do jovem de cabelos brancos percorrem o lugar…
Ele não faz a mínima ideia de onde está.
Parece levemente familiar.
Sua atenção vai para as janelas: cada uma arredondada nas bordas e com algo preto em seu entorno…
?
“Borracha?” murmura o jovem, tentando fazer as peças bagunçadas em sua cabeça se encaixarem.
A cadeira em que estava sentado era igual às outras presas na parede de metal, tendo até uma barra prateada de metal na lateral.
No entanto, quando os olhos dele se fixaram no túnel escuro por detrás das janelas, uma palavra surgiu em sua mente, completando o quebra-cabeça e respondendo à pergunta do garoto.
?
Metrô. Eu acho, pelo menos.
?
Cê não tá brincando, certo?
O garoto de cabelos roxos observou seu, infelizmente, costumeiro lugar, ou melhor, o breu. Nem lua, nem estrelas. Somente a ausência inquietante de tudo.
O silêncio ensurdecedor era interrompido apenas pela respiração dele.
?
Parece uma floresta, mas não é uma. Tenho certeza disso.
Repentinamente, quase fazendo o jovem de cabelos brancos derrubar o objeto brilhante de sua mão, o metrô, ou melhor, o vagão de metrô em que estava, começou a se mover para o lado.
Os ombros dele se ergueram pelo susto; mas, logo, ele viu as luzes brancas do lado de fora, iluminando sutilmente o túnel escuro, passarem como borrões devido ao movimento.
Quando o jovem voltou o olhar para a tela do objeto, ele pensou um pouco, tentando se lembrar o que era uma floresta e… o que ele estava fazendo naquele metrô.
No fim, apenas a imagem de um lugar cheio de coisas verdes e enormes veio à sua mente.
?
Floresta? É tipo um lugar muito verde, certo?
?
Exatamente, mas aqui não é uma.
?
Como você tem tanta certeza?
?
Acho que é algo como um instinto ou coisa parecida, mas não tenho total certeza sobre isso.
?
Parece que minha cabeça está meio vazia.
?
Às vezes, entendo o que penso, mas, outras vezes, não faço ideia do que se passa na minha cabeça…
Uma respiração profunda escapou pelo nariz do jovem no metrô.
Apesar de tentar muito, mais uma vez juntando peças na sua cabeça, sua mente era um abismo, cheia de absoluto nada.
Escreveu o garoto, após bater o punho contra o chão de folhas abaixo de si. Por sorte, não sujou a mão.
?
Você estava sendo a minha esperança.
?
Por que você está pedindo desculpas?
?
Não sei. Me pareceu natural dizer.
?
Esquisito, mas eu te perdoo.
Respirando profundamente, o garoto na “não-floresta” inclinou a cabeça para trás e tentou pensar na situação…
Dois minutos foram tempo suficiente para ele perceber o cansaço e o sono em seu corpo e que, em algum lugar longe do seu crânio, estava seu cérebro…
Talvez estivesse a alguns quilômetros, considerando o quanto ele teve que correr.
Com as pálpebras cansadas e íris exibindo apenas pesar, ele escreveu devagar:
?
Eu realmente não sei como continuar essa conversa. Estou muito cansado.
?
Eu também não sei como continuar
De repente, aparecendo novamente na parte superior, só que, desta vez, foi o garoto de cabelos roxos quem percebeu o surgimento da imagem de perfil de uma nova pessoa, enquanto era exibido:
Um par de All Stars vermelhos estava a alguns centímetros de distância de uma parede, ambos iluminados por uma luz amarelada vinda do teto.
De frente para as pontas arredondadas de cada tênis, íris escarlates, tão semelhantes a sangue pela cor, tornaram-se visíveis com o abrir lento de pálpebras pesadas.
Largada contra a parede de cor creme do corredor, a pintura mais branca do que amarela, estava uma jovem, com os braços flácidos jogados ao lado do corpo.
Da raiz do seu cabelo até um pouco das pontas, ele era pintado de rosa; porém, algumas mechas ciano se destacavam na curta imensidão de rosa, uma vez que seu cabelo nem chegava aos ombros.
Após algumas piscadelas, e mesmo com a crescente sensação de que alguém havia acertado sua cabeça com uma marreta, o rosto dela virou para os lados; o mundo ainda estava ganhando resolução.
Enfim, ela notou que, preso em torno de seu pulso esquerdo e também ao celular, estava uma corrente prateada.
Ela piscou os olhos duas vezes e depois ergueu o olhar para a luz amarelada no teto, murmurando baixinho para si:
“Onde caralhos voadores eu tô?”
Enquanto ela se levantava do chão — ou, detalhando melhor, enquanto apoiava as mãos na parede e quase caía de cara contra o chão diversas vezes por conta do peso do próprio corpo — indiscutivelmente, suas pernas dormentes não estavam ajudando.
Ela notou o vibrar do celular reverberando da corrente até seu pulso.
Segurando o celular na mão esquerda, sua mão direita se ocupava em mantê-la em pé e firme de alguma forma.
Semelhante aos outros celulares, a tela de mensagem estava escura, mas os balões de mensagem eram de uma cor vinho.
Ela leu a última mensagem, escrita rapidamente pelo garoto na floresta:
Antes que ela pudesse começar a escrever as inúmeras perguntas na ponta de sua língua, o garoto de cabelos roxos foi mais ágil:
?
Antes de tudo, onde você está?
Ela também queria saber isso.
Com um desvio de olhar para a direita e para a esquerda, ela viu… apenas escuridão.
A luz amarelada acima dela era a única coisa que a dividia da densidade obscura; qualquer coisa imersa na aparente ausência de tudo permanecia apenas na imaginação dela, visto a falta de formas e silhuetas.
Esse mesmo fato era presente no corredor, já que nenhum móvel ou porta se recostava nas paredes, além de não haver nenhuma janela visível, apesar de o ar circular perfeitamente pelo corredor.
Escreveu ela, abaixando os olhos para a tela do celular… Ter mantido o olhar por tanto tempo na completa escuridão a deixou um tanto inquieta demais.
?
Num corredor? Parece um, acredito.
Gradualmente, o vagão de metrô do jovem de cabelo branco diminuía a velocidade.
Comentou ele, enquanto via mais e mais gotas de água acertarem os vidros da janela…
Estranhamente, ele não achou isso tão estranho, mesmo que estivesse em um túnel e não em espaço aberto para chuva.
?
Espera, ele estava em movimento?
Perguntou a jovem no corredor, caminhando para a borda da luz e da escuridão no corredor, apesar de seu coração estar acelerado e sua visão fixa na luz do chão, longe da escuridão de propósito…
Ela queria testar se havia algo na escuridão e, quem não arrisca, não petisca, certo?
O garoto na floresta pensou bastante, mas ficou claro para si que.
?
Na verdade, eu também não faço ideia do que seja.
?
Complicado isso aí, hein.
Ao mesmo tempo que respondia, a garota pisou hesitante e devagar na escuridão, apenas para perceber que não havia muito mistério ou medo, só mais chão à frente.
Porém, a dor de cabeça piorou ainda mais, tornando-se insuportável.
?
A cabeça de vocês está doendo?
Respondeu o jovem no metrô, notando que não havia mais água batendo no vidro; no entanto, as luzes brancas das lâmpadas do túnel agora iluminavam o vagão de modo mais distorcido e ondulante, entrando como feixes claros em um ambiente que se escurecia cada vez mais para um azul-escuro.
?
A minha parou há muito tempo.
Enquanto escrevia a mensagem, o jovem na floresta achou ter ouvido algo, mas… não. “Aquilo” tinha o perseguido recentemente; ele não voltaria… certo?
Perguntou a jovem no corredor, ainda de frente para a escuridão, seus olhos vermelhos fixos na tela do celular.
?
Quanto tempo exatamente?
A dor de cabeça, embora intensa, não impediu o jovem de cabelos brancos de se perguntar: “o que são semanas?”
No entanto, antes que pudesse pensar mais um pouco ou perguntar algo, como no momento em que o vagão começou a se mover, de novo, embora mais fraco desta vez, seu corpo foi puxado para o lado.
O vagão de metrô parou completamente.
?
MERDA, NÃO MANDEM MENSAGEM
Entendendo que não havia ouvido errado desta vez, o jovem na floresta (ou “não-floresta”), desesperado e desastrado, levantou-se e correu para o breu ao seu redor, implorando para não haver galhos ou troncos caídos no caminho à sua frente.
O celular já estava enfiado no bolso do casaco.
“Na distância… um berro, um uivo? Não era possível discernir, parecia uma mistura de vozes e animais gritando.”
Antes que a garota no corredor fizesse a mesma pergunta, uma respiração ofegante e gelada acertou seu cabelo e um pouco do rosto.
Todos os pelos do corpo dela se arrepiaram, especialmente os da nuca.
O frio da respiração se espalhou por sua barriga, enquanto o suor escorria de sua testa até o queixo.
Embora todo o seu ser implorasse para não elevar os olhos… lentamente… ela olhou para cima.
Indo contra os padrões normais de um vagão, a cadeira na qual o jovem de cabelos se sentava, junto das outras óbvias, estava de frente para uma das portas duplas do metrô.
E, como se alguém derramasse água em um copo prestes a transbordar, o vagão de trem foi inundado com a rápida abertura de todas as portas.
O jovem de cabelos brancos só teve tempo de arregalar os olhos.
O impacto veio primeiro; logo depois, a pressão.
Ambas as forças empurraram sua cabeça com toda a força contra o vidro da janela atrás de si, deixando-o atordoado e criando rachaduras no vidro.
No entanto, seu tempo na inconsciência, dessa vez, foi mais curto.
Usando uma mão para firmar os óculos contra o rosto, após eles saírem do lugar, e a outra para agarrar o celular que havia escapado de seus dedos, ele começou a nadar para fora do vagão.
Ele nem ousou tentar respirar para ver se conseguiria; afinal, sua mente foi rápida em lhe informar que isso era uma péssima ideia.
Graças às luzes pálidas nas laterais das paredes, ele conseguiu se guiar nas águas azuladas até alcançar uma escadaria que levava para cima.
Poucos segundos antes da água invadir suas narinas, o jovem firmou as mãos contra o chão liso da escada e forçou o corpo para fora da água; o estalo alto dele saindo ecoou pelos corredores ao seu redor e em seus ouvidos.
Alguns segundos se passaram até ele finalmente se levantar e ver o enorme corredor que se estendia à sua frente.
No entanto, não foi o fato de o corredor também estar com água até, pelo menos, acima dos seus pés que o deixou aterrorizado.
Essa era a cor das flores; talvez fossem rosas.
Mas, normalmente, rosas não possuem seis pétalas.
E flores, habitualmente, também não nascem sobre tecido.
Elas precisam de solo para fixarem suas raízes. E a escuridão vazia e infinda abaixo do tecido não exibia nenhum sinal de ligação com as flores, nenhuma raiz.
Semelhante a um simples e vermelho lençol colocado para secar ao relento, provavelmente até o dia seguinte, um enorme e carmesim manto, quase chegando até o teto do corredor, pairava no ar à frente do jovem.
Apesar de não haver nada naquela escuridão.
No fundo da sua mente aterrorizada, o jovem de cabelos brancos conseguia, de alguma forma, desenhar onde estariam os olhos e a boca do “ser” medonho à sua frente.
Aquilo era alguma coisa, e não apenas um pano flutuando no ar. A certeza disso vinha dos olhos afiados e da boca sorridente imaginada por ele.
As lâmpadas brancas nos cantos das paredes, gradualmente, piscavam e escureciam para uma cor azulada, deixando o ambiente mais escuro, quase preto.
De repente, pelo canto do olho, o jovem viu o borrão de algo vermelho; um barulho de pedra sendo quebrada acompanhava o borrão.
Porém, outro ruído chamou ainda mais a atenção dele: o de algo se arrastando pela água, como se alguém tivesse dado um passo.
As flores não mais ficavam sobre o tecido do manto; elas haviam nascido nas paredes de concreto do corredor, e algumas até flutuavam sobre as águas acima do chão.
Uma delas bateu nas canelas trêmulas do jovem.
Se antes a figura encapuzada estava no fim do corredor, agora, ela estava na metade do caminho entre os dois.
O jovem deu um passo desajeitado para trás, quase caindo no chão encharcado sob seus pés.
A figura disparou enlouquecida em direção ao jovem de cabelos brancos.
Ele não precisou nem raciocinar para saber o que fazer; suas pernas já se moviam sozinhas para começar a correr pelo corredor à sua direita.
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