— Bom dia, parceiro!
— Bom dia, Picolé. Sua mãe melhorou?
— Sim, chegou ontem do hospital e agora é se recuperar em casa. Essa
covid ainda tá aí, cara. Sinistro.
— Está mesmo! Graças a Deus sua mãe se recuperou! Mas foi a
vacina, você sabe, né? — respondi.
— Com certeza! Valeu por insistir para ela tomar, não queria me ouvir
na época.
Eu tinha ido comprar pão e leite pro café da manhã e estava subindo a
rua onde eu morava. Logo teria que levar Juliana para a escola e mais um
dia tentar achar algum trabalho.
Desde que essa merda de pandemia afetou o mundo todo, tem sido
muito difícil. Fui demitido do cartório onde trabalhava quando eles
começaram a cortar despesas e desde então fazia bicos para ajudar nas
contas de casa. Cada hora tudo estava mais caro e com criança pequena, era
ainda pior. Tinha acabado de gastar 15 reais em cinco pães e uma caixa de
leite e fiquei assustado.
O sem-vergonha do meu padrasto não ajudava a gente em nada, não dava um tostão de pensão pra filha dele. Nem tinha como colocar ele na justiça, o infeliz era tão fodido quanto eu e vivia de bicos. Roberto tinha largado a gente por outra família e deixou minha mãe criando sozinha a Ju, que tinha apenas três anos quando ele foi embora.
A gente morava de aluguel aqui em Madureira, na zona norte do município do Rio e levava uma vida simples. Graças a Deus consegui pelo menos terminar meus estudos, mas faculdade era algo que não passou de um sonho, ainda mais depois que perdi meu pai.
Seu Armindo Viana morreu há oito anos em um grave acidente quando
fazia uma entrega. Meu pai trabalhava para uma empresa que vendia
móveis, mas era ruim de pagar e depois descobrimos que nem seus veículos
ela vistoriava direito, já que meu pai bateu com o caminhão por seus freios
terem falhado quando ele mais precisou.
Meu pai não teve chance e foi jogado para fora de seu caminhão em
um engavetamento na Alta Estrada Lagoa Barra em um dia de muita chuva.
Outras pessoas morreram e uma ficou gravemente ferida. Um empresário
cheio do dinheiro. Mamãe quase morreu de tristeza e precisamos amparar
um ao outro. Eu tinha apenas 18 anos na época.
Hoje, aos 26, tinha esperança de um futuro melhor, futuro esse que
achei que tivesse chegado quando Roberto apareceu em nossas vidas, se
dizendo muito apaixonado por minha mãe e me tratando muito bem.
Quando Juliana nasceu trouxe muita felicidade para mim e minha mãe, era
um presente enorme depois de tanto sofrimento que passamos com a perda
do meu pai, com minha mãe tendo que trabalhar ainda mais com suas
costuras e eu pegando qualquer coisa pra ajudar nas despesas.
Tudo foi bom nos três primeiros anos com Roberto, mas o safado traiu
minha mãe e nos descartou por uma mulher mais nova. Agora era apenas
nós três: eu, Juliana e dona Kátia, que era uma mãe maravilhosa, apesar de
braba.
— Caralho, mãe! Acabei de gastar 15 reais na padaria! — Entro
revoltado em casa e flagro dona Kátia levantando-se rápido da mesa da
cozinha com um papel na mão. Ela pensa que não vi que também enxugava
o rosto.
— Tá tudo muito caro, filho. Esse governo está acabando com a nossa
vida. Só os bacanas que conseguem se sustentar direito — ela me responde
de costas, disfarçando e colocando o café pra passar.
— Mãe? O que houve? Não disfarça. Você está chorando?
— Não, meu filho.
Fui até ela e virei seu corpo em minha direção para que ficasse frente a frente comigo.
— Não mente, mãe. Que papel era esse que você estava lendo?
— Enxerido você, caramba!
— Sou não, mas sou seu filho, moro com você e quero saber o que é isso.
— Um aviso de despejo — ela disse de forma baixa.
— O quê? Por quê?
— Isso acontece quando tem aluguel atrasado.
— Mas você disse pra mim, quando perguntei, que estava pago, mãe.
Cadê o dinheiro que te dei daquela obra que peguei?
— Botei comida em casa, Fernando. Sua irmã não tinha nem merenda.
A escola não está dando nada, não podia mandar minha filha pra escola e
ela passar fome. Falei com a diretora e ela me disse que a escola não
recebeu o carregamento de merendas. O gás estava acabando também e só
ele está uma fortuna. Minhas costuras estão muito fracas, tentando voltar ao
normal. Aí quando você me deu o dinheiro, tinha um atrasado, mas usei pra
comida e agora juntou o segundo e eles mandaram esse aviso.
— Mas a gente já tem que sair?
— Não, é um aviso. Mas se em 30 dias não acertarmos os dois que tem
juros e juntar o terceiro, aí sim, vem a ordem de despejo
— Imobiliária, filha da puta. Moramos aqui desde os meus dez anos,
mãe. Nunca atrasamos nada e eles ainda colocam juros?
— Eles estão tentando sobreviver como nós.
— Mãe, leva a Ju na escola.
— O que você vai fazer, meu filho?
— Correr atrás de alguma coisa. Temos um prazo e eu preciso fazer
algo.
— O que você tem em mente, Fernando?
— Mãe, o que vier. Já fiz de tudo um pouco. Já trabalhei como
atendente, secretário, office-boy, pedreiro e trabalhei naquela empresa de
limpeza, lembra? Daquele shopping?
— Sim, me lembro. Desculpa, meu filho.
— Mãe! Que isso! Está me pedindo desculpas por quê?
— Por meter a gente nessa. Por não ter pagado o aluguel.
— Você foi uma mãe que deu o que comer aos filhos. Infelizmente
hoje em dia é isso, ou a gente come ou arca com as contas. Vai dar tudo
certo. Vou dar um pulo lá no Rogério e ver se tem alguma obra em vista.
— Tudo bem. Vou acordar a Ju e arrumá-la. Depois vou terminar a bainha do vestido da Jurema e ir cobrar a Josefa que ainda não me pagou.
— É segunda vez que você fala isso da Josefa. Se te der outro calote, não faz mais nada pra ela. A gente aqui tentando arranjar dinheiro e outros dando uma de esperto, eu hein.
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Atualizado até capítulo 122
Comments
Ana Lúcia
vixi era o pai dele no acidente será que o cacique vai ficar com ele
2024-05-16
7
Erica Diniz
Um episódio que retrata a realidade de muita gente, infelizmente.
2024-05-15
0
Anne Jay
Agora eu tbm fiquei assustada aqui no máximo dá 12 reais os cinco pães junto com uma caixinha de leite
2024-05-07
0